O Estado de São Paulo, n. 44.692, 27/02/2016. Política, p. A11
PF abre inquérito para investigar Fernando Henrique
Por: Gustavo Aguiar / Mateus Coutinho
O Ministério da Justiça determinou ontem à Polícia Federal a abertura de um inquérito para investigar as declarações da jornalista Mirian Dutra, com quem o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso manteve um relacionamento extraconjugal nos anos 1980 e 1990.
O inquérito, que correrá sob sigilo de Justiça, terá como base a afirmação de Mirian de que FHC usou uma empresa para bancá-la no exterior. A PF vai investigar se houve crime de evasão de divisas.
Mirian disse ao jornal Folha de S.Paulo que as transferências foram feitas pela empresa Brasif S.A. Exportação e Importação por meio da assinatura de um contrato fictício de trabalho para custear parte das despesas dela e do filho. Segundo documento reproduzido pelo jornal, a contratante foi a Eurotrade Ltd., empresa da Brasif com sede nas Ilhas Cayman.
O valor da mesada seria de US$ 3 mil e os pagamentos teriam durado de dezembro de 2002 - época em que Fernando Henrique ainda ocupava o Palácio do Planalto - a dezembro de 2006, quando Mirian morava em Portugal.
De acordo com ela, o contrato era um meio para receber dinheiro de FHC e ajudar a sustentar o filho, Tomás Dutra, de quem o ex-presidente acreditava ser o pai. A empresa confirmou os repasses e afirmou que a jornalista foi contratada para realizar pesquisas sobre preços em lojas e free shops na Europa, mas negou que o ex-presidente tenha influenciado na contratação.
A Brasif, que explorava os free shops dos aeroportos brasileiros, informou que o jornalista Fernando Lemos, cunhado de Mirian, foi o responsável pela indicação. Lemos morreu em 2012.
Em nota divulgada na semana passada, Fernando Henrique admitiu manter contas no exterior e ter mandado dinheiro para Tomás mesmo depois de os testes de DNA não terem reconhecido a sua paternidade. Mas ele nega que tenha usado qualquer empresa para sustentar Mirian no exterior. Ele chegou a classificar a versão da jornalista como “invenção”.
Mirian afirmou na entrevista que se considerava uma “exilada”, pois teria sofrido pressão para não voltar ao Brasil na época em que Fernando Henrique disputava a reeleição.
‘Esclarecimentos’. Em nota divulgada ontem por sua assessoria, o ex-presidente reafirmou “que todas as suas operações financeiras internacionais foram feitas a partir de contas bancárias declaradas, com recursos próprios”. O comunicado afirma que não há “nada que possa ser incriminado”, mas garante que FHC vai prestar os esclarecimentos no inquérito.
“A empresa citada no noticiário já esclareceu que o presidente não teve qualquer participação na contratação da jornalista. Apesar de não haver nada de que possa ser incriminado e de o assunto ser de âmbito privado, o presidente prestará todos os esclarecimentos que se fizerem necessários”, diz a nota.
O inquérito da PF foi aberto após deputados do PT e do PC do B pedirem a abertura de investigação ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
PSDB
Carlos Sampaio, coordenador jurídico do PSDB, disse em nota que não há “um único fato” que “possa configurar conduta criminosa por parte do ex-presidente”.
PARA ENTENDER
As versões sobre o caso
Mirian Dutra
A jornalista, com quem FHC teve um relacionamento extraconjugal, disse que o ex-presidente usou uma empresa, a Brasif Exportação e Importação, para enviar dinheiro a ela no exterior de 2002 a 2006. O pagamento foi feito, segundo ela, por meio deum contrato fictício de trabalho.
FHC
O ex-presidente afirmou que nunca usou qualquer empresa, exceto bancos, para enviar recursos ao exterior. Disse que as transferências feitas “obedeceram estritamente a lei”.
Brasif
A empresa informou que a jornalista foi contratada para realizar “pesquisas sobre preços em lojas e free shops” na Europa, mas negou que FHC tenha participado da decisão.