O Estado de São Paulo, n. 44.670, 17/05/2016. Economia, p. B1

Governo fez manobra com recursos do BC para pagar pedalada, mostra estudo

Contabilidade criativa. Economistas dizem que o governo usou R$ 50 bilhões do Banco Central para quitar pedaladas, por meio de uma operação triangular: BC e Tesouro Nacional negam que o recurso foi usado para este fim, de modo irregular

Por: Alexa Salomão

 

Desde a virada do ano, economistas que acompanham as contas públicas dedicam artigos a um tema árido: descrever como o Banco Central estaria emprestando dinheiro para o Tesouro Nacional, o que é proibido por lei no Brasil, tanto pela Lei de Responsabilidade Fiscal quanto pela Constituição. Em dezembro, o tal repasse teria sido decisivo para quitar “pedaladas”, jargão usado para débitos protelados pelo Tesouro nos bancos públicos e autarquias.

O governo negou a estratégia, mas levantamento de um grupo de economistas ligados ao Senado, obtido pelo ‘Estado’, sustenta que a operação ocorreu.

Para eles, o remanejamento de R$ 50 bilhões do Banco Central foi indispensável para o governo fechar a conta e pagar as pedaladas. A sutileza da operação está no fato de o dinheiro do Banco Central não ter sido usado diretamente nas pedaladas.

O que ocorreu foi uma triangulação de recursos.

A operação teria se dado da seguinte forma: utilizando duas Medidas Provisórias e quatro portarias, a maior parte emitida às vésperas das festas de fim de ano, o governo remanejou uma série de recursos públicos para poder pagar as pedaladas e, de quebra, cobrir um déficit na Previdência.

Nesse tira daqui, coloca para lá, cerca de R$ 54 bilhões que eram destinados ao pagamento da dívida pública em dezembro tiveram outro destino.Desse total, as pedaladas receberam R$ 21,1 bilhões, que saíram do chamado colchão de liquidez, que é uma espécie de reserva do caixa público.Outros R$21,8 bilhões, também do colchão de liquidez, e R$ 11,7 bilhões de remuneração da conta única – que também iriam para pagar dívida pública – foram transferidos para cobrir o déficit da Previdência.

Foi preciso, então, restituir o recurso destinado ao pagamento da dívida.Segundo os economistas que fizeram o levantamento, é nesse ponto que o dinheiro do BC se tornou indispensável.

Há um detalhe importante: repasses do BC ao Tesouro precisam ser obrigatoriamente usados no serviço da dívida.

Por coincidência, em dezembro, o Ministério do Planejamento emitiu uma portaria que abriu espaço para que o Tesouro tivesse acesso a R$ 103 bilhões de recursos do BC.

E o Tesouro usou R$ 50 bilhões desse dinheiro.

“O que a gente constatou é que pegaram o dinheiro do colchão de liquidez, destinado à dívida, e pagaram as pedaladas; e para cobrir os juros e amortizações da dívida, eles usaram o dinheiro do Banco Central. Houve uma substituição de fontes de recursos”, diz Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, um dos integrantes do grupo que destrinchou o pagamento das pedaladas.

Procurado pela reportagem, o BC declarou,em nota, que havia sobra de recursos no colchão de liquidez, mas não negou a operação.O Ministério da Fazenda encaminhou nota onde negou o uso do dinheiro do BC nas pedaladas,mas também não abordou a questão da triangulação, considerada a peça chave da operação.

“Não adianta: não há como negar que a contabilidade criativa e a pedalada ainda estão sendo usadas, porque está tudo registrado”, diz Felipe Salto, assessor econômico do senador José Serra,que também participou do estudo.

Leonardo Cezar Ribeiro,outro assessor do gabinete, seguiu o caminho do dinheiro para identificar o uso do recurso do BC. “As portarias, MPs e o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo, o Siafi, mostram a operação”, diz.

Também participaram do levantamento os economistas José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, e Marcos Köhler, também assessor de Serra. Os economistas também questionam a origem do dinheiro do Banco Central.

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