O Estado de São Paulo, n. 44.670, 17/05/2016. Metrópole, p. A15

PE: mães de bebês com microcefalia são abandonadas

Médicos relatam casos de mulheres deixadas pelos companheiros ainda no período de gravidez ou após o nascimento da criança

Por: Felipe Resk

 

Em Pernambuco, Estado com maior número de notificações de microcefalia, muitas mães têm sido abandonadas pelos companheiros após descobrir que o filho do casal é portador da má-formação. Médicos ouvidos pelo Estado relatam que os casos são cada vez mais frequentes e afetam principalmente jovens em relações instáveis.

Médicos que trabalham no atendimento de pacientes com microcefalia contam que os homens têm mais dificuldade do que as mães para aceitar a deficiência do filho. “Eu me surpreendi com a quantidade de mães que estão cuidando do filho sozinhas, porque o pai simplesmente resolveu largar a família”, conta uma pediatra que não quis se identificar. O rompimento também atinge relações mais duradouras.

Após dois anos de namoro e nove de casamento, a promotora de eventos Carla Silva, de 32 anos, foi abandonada pelo pai dos seus três filhos quando ainda estava internada na maternidade. O motivo, conta, era a condição da caçula, Nivea Heloise, que nasceu com menos de 28 centímetros de perímetro encefálico. “Ele me culpou por ela nascer assim. Disse que a menina era doente porque eu era uma pessoa ruim.”

O casal se conheceu após ele começar a frequentar a mesma igreja evangélica que ela, em uma periferia do Recife. Carla havia acabado de sair de um relacionamento longo e até resistiu às investidas dele por quatro meses. Depois, começaram a namorar, se casaram e tiveram dois meninos, hoje com 3 e 5 anos. Durante a gravidez da caçula, porém, a relação já estava abalada.

 

Zika. A promotora de eventos contraiu o zika vírus no segundo mês de gestação. Pela TV, via os casos que associavam a doença à microcefalia e pensou que a filha, ainda no útero, poderia se tornar uma vítima. “Os exames não apontavam nada, mas eu fui me preparando”, diz. Descobriu que a criança era portadora da má-formação logo depois do parto. “Não foi um choque. Eu vi e me tranquilizei.” Mas o pai dela, não.

Nivea completa dois meses hoje, mas só foi registrada pelo pai 30 dias após o nascimento. “Pensei em fazer a certidão de nascimento como mãe solteira, mas minha sogra fez pressão até ele assumir”, diz Carla. Desde dezembro, no entanto, o ex-marido não mora mais com a família. Também não responde a mensagens no celular e a bloqueou de um aplicativo de bate-papo, conta.

Com rotina de exames em hospitais, a filha tem demandado atenção integral de Carla durante o dia. Já as convulsões provocadas pela microcefalia não a deixam dormir de madrugada. “Ela chora muito, se treme inteira e contrai as mãos”, diz a mãe. A contar do nascimento de Nivea, ela ainda não conseguiu trabalhar. “Quando eu voltar, vai ser ainda mais difícil.”

 

Indesejada. Para a infectologista pediátrica Angela Rocha, coordenadora do setor do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, que recebe a maior parte dos pacientes com microcefalia em Pernambuco, o problema de abandono dos pais afeta principalmente mulheres jovens, com relacionamentos instáveis e que tiveram uma gravidez indesejada.

“Normalmente, o homem tem essa dificuldade de assumir”, afirma Angela. Segundo a infectologista, alguns rompimentos acontecem ainda antes de o casal descobrir que o filho tem microcefalia. “Em muitos casos, o parceiro já tinha se afastado na hora que engravidou. Em outros, quando a criança nasce.”

Foi assim para pequena Layla Sophia, de dois meses, que ainda não conhece o pai. “Foi uma gravidez inesperada, logo no começo do namoro da minha filha. Quando estava com seis meses de barriga, ele deixou ela”, conta Iranilda Silva, de 45 anos, avó da criança.

A filha de Iranilda também contraiu o zika vírus durante a gestação. Para a família, natural de Ouricuri, no sertão de Pernambuco, a microcefalia era totalmente desconhecida. Mas nem a má-formação da criança a reaproximou do pai. “Ele sabe de tudo, até porque mora do nosso lado, mas nunca foi lá (ver a criança)”, contou a avó de Layla Sophia.

 

Momento

“É preciso dizer que em alguns caso a microcefalia serve para aproximar os casais, não só para separá-los. Quando isso acontece, as separações tendem a surgir no momento em que as dificuldades de criar o filho aparecem.”

Angela Rocha

INFECTOLOGISTA PEDIÁTRICA

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Estado tem 12 casos da síndrome ligados ao zika

Por: Monica Bernardes

 

Campeão de registros de microcefalia no País, o Estado de Pernambuco divulgou nesta quarta-feira, 3, novo balanço, com 1.447 relatos da má-formação. Além disso, o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fiocruz confirmou 12 casos relacionados ao zika vírus por detecção do anticorpo IgM no líquido cefalorraquidiano. No País, há 17 casos confirmados da associação, de acordo com o último boletim do Ministério da Saúde.

Desde que a notificação de casos de gestantes com exantemas (manchas) se tornou obrigatória, no período de 2 de dezembro de 2015 a 30 de janeiro de 2016, 88 municípios do Estado notificaram 994 casos de gestantes com esse quadro clínico. Desse total, 10 delas apresentam confirmação de microcefalia intraútero.

Dos 1.447 registros, 543 atendem aos parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – que considera microcéfalos os bebês com perímetro cefálico igual ou menor que 32 centímetros. Ao todo, 153 casos já foram confirmados e 135, descartados – levando em consideração o resultado dos exames de imagem feitos nos pacientes com suspeita da síndrome.Testes feitos em crianças com a má-formação congênita apontaram a presença de zika vírus em 100% dos casos.

 

Carnaval. O percurso do Galo da Madrugada – uma das principais atrações do carnaval pernambucano, recebeu, nesta quarta, um banho de inseticida químico. O produto usado foi o organofosforado Malation, um dos compostos recomendados pelo Ministério da Saúde para o controle de populações do mosquito Aedes aegypti adulto.A ideia é acabar com possíveis focos e evitar o ataque dos mosquitos aos foliões, que vão acompanhar a atração no próximo sábado.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Recife, as ações de combate ao mosquito vão ocorrer até o último dia do carnaval. A Vigilância Sanitária da capital fiscalizará ainda o Terminal Integrado de Passageiros (TIP), o aeroporto, o metrô e hotéis.

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Campinas relata caso de contágio em transfusão

O primeiro caso de zika vírus autóctone (contraído na própria cidade) foi confirmado ontem pela Secretaria de Saúde de Campinas. A vítima é um jovem de 20 anos, que doou sangue no Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no ano passado. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.

O paciente que recebeu a doação não foi contaminado, mas apresentou alterações incompatíveis com seu quadro de saúde.Exames foram solicitados ao Instituto Adolfo Lutz para diagnosticar dengue, mas o zika foi detectado.

Outros dois pacientes que também receberam sangue do mesmo doador – que é do sudoeste do País – não apresentaram problemas. Carmino de Souza, secretário de Saúde de Campinas, explicou que o receptor do sangue permaneceu internado na Unicamp por quatro meses em 2015, tendo recebido cerca de 100 transfusões.

Para achar o doador foi feito um rastreamento, mas ainda falta descobrir o que aconteceu. O rapaz contou que passou a apresentar os sintomas do zika em abril.“Estamos tentando entender o que aconteceu naquela época”, disse Brigina Kemp, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde.A direção do Hemocentro descartou a necessidade de mudanças no processo de doação após a contaminação.