O Estado de São Paulo, n. 44.669, 04/02/2015. Metrópole, p. A14

Países latino-americanos vão combater zika e comprar remédios em conjunto

Saúde. Brasil deve acelerar a adoção de teste único para zika, dengue e chikungunya no Sistema Único de Saúde; ministro voltou a defender ligação entre vírus e microcefalia, enquanto Opas prevê necessidade de multiplicar por dez gastos contra o ‘Aedes aegypti’

Por: Rodrigo Cavalheiro

 

Uma reunião de emergência entre 12 ministros latino americanos para tratar do combate unificado ao zika vírus terminou com a aprovação de 16 medidas ou orientações ontem na sede do Mercosul, em Montevidéu. O documento propõe “buscar mais recursos”, “trocar experiências sobre bebês com microcefalia” e “negociar compras conjuntas de medicamentos de alto custo”. À noite, a presidente Dilma Rousseff foi à TV pedir o engajamento da população no combate ao mosquito, enquanto uma vacina não é desenvolvida (mais informações na página A10).

Os pontos mais concretos foram a criação da comissão para monitorar os casos de zika e a distribuição de informação sobre a doença em portos, aeroportos e postos de fronteira. No ponto da aquisição em lote de medicamentos, o texto cita os indicados para a Síndrome de Guillain-Barré, relacionada pelo Brasil à propagação do zika.

O ministro da Saúde do Brasil, Marcelo Castro, afirmou ainda que o País terá em um mês, nos postos do Sistema Único de Saúde (SUS), o teste que detectará se um paciente febril picado pelo mosquito Aedes aegypti tem zika, dengue ou chikungunya.

O teste havia sido anunciado em 15 de janeiro, mas a previsão era de que estaria disponível só no meio do ano.

Atualmente, são necessários testes separados e uma das maiores dificuldades no diagnóstico do zika é que três em cada quatro pacientes não procuram o médico por terem sintomas muito leves. Também por isso, a projeção de infectados feita pelo Ministério da Saúde varia de 500 mil a 1,5 milhão.

“Se a pessoa tiver infecção, virose, dor de cabeça ou dor no corpo, irá ao médico, retirará o sangue em duas ou três horas e sairá o resultado dizendo se tem uma das três doenças. O teste já foi desenvolvido, está sendo produzido e será distribuído no fim do mês. ”Ele ressaltou que o exame interessará mais às gestantes, em razão da ligação feita pelo Brasil entre o vírus e bebês com microcefalia. Há 4.700 suspeitas e 407confirmações de microcefalia no Brasil. “Temos certeza absoluta, inequívoca, dessa relação. Antes tínhamos 150 casos em um ano e em alguns meses fomos a milhares”, sustentou o ministro. Entre os argumentos que expôs,o primeiro é a coincidência geográfica entre a área mais atingida pelo zika, o Nordeste, com 86% dos casos, e o maior número de crianças atingidas.

E citou três testes ligados a bebês com subdesenvolvimento craniano. Um encontrou o vírus em um feto, outro em uma criança morta em um aborto natural e um terceiro na placenta após um parto.

Pressionada a opinar sobre a convicção brasileira, a diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Carissa Etienne, disse que as grávidas devem ter cuidados especiais, mas lembrou que os únicos relatos de microcefalia associada ao vírus estão no Brasil. Ela afirmou ainda que a entidade precisa multiplicar por dez seu investimento no combate ao zika vírus no continente e chegar a US$ 8,5 milhões e alertou que a fumigação é eficaz apenas contra o mosquito adulto. “É ótimo para fotos, mas o efeito prático é muito discutível.” O tempo comprovará (a ligação entre zika e microcefalia) ou não”, disse o ministro Alejandro Gaviria Uribe, da Colômbia –onde o governo estima que haja 20 mil infectados por zika.

Ele defendeu que uma gestante tem direito de abortar, em decisão conjunta com médico, se enxergar na gravidez de uma criança com microcefalia um risco para sua saúde mental.Questionado sobre a possibilidade de flexibilização do aborto, o ministro brasileiro foi enfático.“Não, a lei brasileira proíbe.”

 

Expansão. Ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que 32 países e territórios têm casos autóctones de zika vírus. Desses, 26 estão nas Américas, além de Cabo Verde, Maldivas, Fiji, Samoa, Ilhas Salomão e Vanuatu. A OMS também sugeriu que a Europa começasse a se preparar para o surgimento de casos locais a partir de abril.

 

PELO MUNDO

 

Emergência nos EUA

O governador da Flórida, Rick Scott, declarou emergência sanitária em quatro municípios do Estado do sudeste americano, que tem clima propício para o mosquito Aedes aegypti se desenvolver.

A decisão ocorre após seis novos relatos, elevando para nove o número de pessoas com a doença na Flórida. Todos os registros são importados.

 

Sexo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse estar "preocupada" com o registro de uma transmissão do zika por relações sexuais no Texas. Na literatura médica, só havia um relato anterior, de 2014, na Polinésia Francesa. A Agência Nacional de Enfermidades Infecciosas (HSPC), da Grã- Bretanha, sugeriu uso de preservativos para viajantes.

 

Doação de Sangue

Outra preocupação internacional é com relatos de transmissão por meio de doações de sangue.

A Cruz Vermelha dos Estados Unidos pediu a pessoas que viajaram para áreas com zika que esperem 28 dias para doar sangue.

No Canadá, a “quarentena” será de 21 dias – a partir de domingo.

Já o Reino Unido orientou veto às doações.

 

Futebol e Olimpíada

A seleção uruguaia está planejando um protocolo de prevenção ao zika para o período em que estiver no Recife para o jogo de 24 de março contra o Brasil, pelas Eliminatórias da Copa de 2018.

Já o laboratório Juno, de Melbourne, anunciou “patrocínio” de mil tubos de gel repelente para os atletas australianos que vêm para a Olimpíada no Rio.

 

Em busca da vacina

A Pfizer, a Johnson and Johnson e a Merck, três dos principais grupos farmacêuticos do mundo, atenderam ao apelo da OMS e informaram que estão avaliando tecnologias ou vacinas existentes para o combate ao zika. A mesma posição foi adotada pela japonesa Takeda Pharmaceutical.

A Sanofi Pasteur também buscará um imunizante.

 

Mais casos e alerta

Um homem da província de Córdoba foi infectado, tornando-se o segundo caso de zika na Argentina.Na Nicarágua, os casos confirmados chegaram a 21, incluindo três grávidas. A Irlanda relatou dois casos e a Indonésia, um. Já o México entrou em alerta pelo caso de transmissão sexual americano e vai focar campanhas de alerta para gestantes.

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4 Perguntas para... - Marcelo Castro

Por: Rodrigo Cavalheiro

 

1.O Brasil já está conseguindo ganhar a batalha contra o mosquito?

O que eu venho dizendo é: ‘Agora, o mosquito não vai me ganhar.’

 

2.Mas isso é uma vontade ou um fato?

A sociedade, com o governo, está fazendo o esforço máximo necessário. Vamos ganhar porque não podemos perder.

 

3.Mas qual investimento está sendo feito para mudar a situação, que o senhor mesmo diz quem vem há 30 anos?

Nunca houve uma mobilização do governo federal como agora. Temos 46 mil agentes de combate às endemias no Brasil. Além disso, nós colocamos mais 266 mil agentes comunitários de saúde e as Forças Armadas. E os governadores colocaram as Polícias Militares, os bombeiros. Os 5.570 conselhos municipais de saúde estão mobilizados e todos os prefeitos. Montamos uma sala de controle nacional.Tudo isso, mais a participação da sociedade.

 

4.Com essa estrutura toda, quando o senhor acha que vai controlar a epidemia?

Nós seremos vitoriosos.Primeiro, nós já fomos vitoriosos no passado (nos anos 1950). Segundo, temos dezenas, inúmeros exemplos de cidades que resolveram eliminar o mosquito e conseguiram./ R.C.

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Brasil analisará uso de radiação contra ‘Aedes’

Projeto de esterilização da agência atômica será discutido em Brasília,mas funcionaria melhor em pequenas cidades

Por: Jamil Chade

 

Na esperança de reduzir de forma substancial o vetor do zika vírus até os Jogos Olímpicos, o Brasil vai avaliar o uso de radiação nuclear para combater o mosquito Aedes aegypti. Um encontro será feito entre o Ministério da Saúde e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) nos dias 17 e 18, em Brasília, com a meta de avaliar a implementação de um amplo projeto que esteriliza o mosquito.

Já no dia 22, também em Brasília, especialistas de todo o mundo vão se reunir para examinar a viabilidade do projeto. Na segunda-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o surto de casos de microcefalia e outros distúrbios neurológicos em regiões com registro de zika vírus como uma emergência internacional. Uma das conclusões de especialistas é de que, com a vacina não podendo ser produzida antes de 2018, a meta hoje é um “combate agressivo ao vetor”.

E o mundo vem perdendo a batalha contra o Aedes. Tanto na OMS como no Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a percepção é de que é de que os instrumentos de desinfecção são pouco eficientes e apenas contar com uma mobilização social não está dando resultados.

A nova estratégia, proposta pela AIEA, é a de reverter a expansão da população de mosquitos. O plano consiste em expor mosquitos machos à radiação nuclear, tornando-os inférteis. Uma vez de volta no meio ambiente, esses mosquitos não conseguiriam se reproduzir e a população geral teria queda.

A SIT (sigla em inglês para Sterile Insect Technology) já existe e consiste em colocar os vetores em contato com raios X ou Gama. A vantagem do sistema é de que milhares de mosquitos seriam controlados, sem o uso de produtos tóxicos. Mas o grande obstáculo é o volume de insetos que teriam de ser inicialmente esterilizados. Para que isso funcione, os espécimes modificados teriam de ser superiores ao número de mosquitos machos em uma população autóctone em uma proporção de 10 a 20 vezes.

Na prática, milhões de mosquitos teriam de ser expostos à radiação. A própria AIEA estima que o plano teria maiores chances de funcionar em pequenas cidades e não em metrópoles como o Rio.

Ainda assim, os técnicos são otimistas. “Se o Brasil soltar um enorme número de mosquitos machos nessas condições, levaria poucos meses para reduzir a população. Mas isso teria de ser combinado com outros métodos”, disse o vice-diretor da AIEA, Aldo Malavasi.

 

Outros países. Além do Brasil, países latino-americanos como Guatemala, El Salvador e México já estão em negociações, além da Indonésia.