O Estado de São Paulo, n. 44.668, 03/02/2015. Política, p. A4
No Congresso, Dilma defende volta da CPMF e leva vaia de parlamentares
Crise. Em sua participação na cerimônia de abertura do Ano Legislativo, presidente fala em ‘parceria’ para País voltar a crescer e pede apoio para a recriação de impostos, mas ouve manifestação contrária de integrantes da oposição e até mesmo de sua base aliada
A presidente Dilma Rousseff aproveitou ontem o seu discurso durante a abertura do Ano Legislativo no Congresso para pedir o apoio de deputados e senadores a propostas polêmicas como a aprovação da CPMF e a reforma da Previdência. O apelo, porém, não evitou que ela passasse por constrangimentos: foi vaiada em pelo menos oito momentos por integrantes da oposição e também da base aliada ao governo.
As vaias ocorreram principalmente nos momentos em que defendeu a CPMF. Mas apareceram também quando ela disse que a arrecadação no Brasil, ao contrário do senso comum, estava diminuindo; quando falou das obras de transposição do Rio São Francisco, cuja entrega total vem sendo adiada há anos; e das mudanças propostas pelo governo e aprovadas parcialmente pelo Congresso em 2015 que mexeram em direitos trabalhistas e previdenciários.
Contudo, não foram as vaias da oposição ou as placas de “Xô, CPMF!” que desconcentraram a presidente, e sim a interrupção da deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP). “O Brasil não consegue cuidar do seu povo”, gritou ela no momento em que Dilma defendia a adaptação do sistema de saúde para atender crianças com microcefalia.
Mara interrompeu a presidente outras duas vezes, que respondeu dizendo que sabia do engajamento da deputada tucana com a causa e que esperava que ela contribuísse com “boas ideias”. Dilma demonstrou incômodo com as interrupções.
Arrecadação. Em cerca de 40 minutos, reforçou que a volta do “imposto do cheque” seria uma medida temporária para compensar a queda na arrecadação. Entre os argumentos usados para convencer os parlamentares, a presidente afirmou que a CPMF seria usada para bancar os custos da Previdência Social e a saúde.
“Sei que muitos têm dúvidas e até mesmo se opõem a essas medidas, em especial à CPMF, e têm argumentos. Mas peço que considerem a excepcionalidade do momento, que torna a CPMF a melhor solução disponível para ampliar, no curto prazo, a receita fiscal”, disse Dilma.
A presidente afirmou que vai trabalhar “incansavelmente” para que este ano seja de retomada do crescimento e pediu ajuda dos parlamentares para que não haja retrocesso nos programas sociais. “Conto com o Congresso Nacional para podermos, em parceria, estabelecer novas bases para o desenvolvimento do País, sem retroceder nas conquistas obtidas nos últimos anos”, disse. Dilma foi pela primeira vez, desde 2011, à sessão do Ano Legislativo.
Dilma procurou demonstrar que os benefícios da reforma não serão colhidos no seu governo e disse que, diante do aumento da expectativa de vida no País, as mudanças nas regras da aposentadoria são essenciais para “garantir a sustentabilidade fiscal do Brasil no médio e no longo prazos”.
Ela disse, porém, que qualquer alteração será feita com respeito aos direitos adquiridos e levando em consideração uma transição. “Não queremos e não vamos retirar qualquer direito das brasileiras e brasileiros”, afirmou Dilma, que, neste momento, foi aplaudida.
Vaias. A presidente e seus principais ministros tentaram minimizar as vaias da oposição ao seu discurso. Todos fizeram questão de destacar a importância do gesto da presidente pelo diálogo e disseram que as vaias são “da democracia” e já eram esperadas.
“Achei ótima a receptividade. É minha absoluta obrigação de estar aqui”, afirmou Dilma, desconversando, na saída do Congresso. A presidente acrescentou que é preciso ter “determinação” e “esperança” diante das dificuldades.
Mensagem
“Sei que muitos têm dúvidas e até mesmo se opõem a essas medidas, em especial à CPMF, e têm argumentos. Mas peço que considerem a excepcionalidade do momento, que torna a CPMF a melhor solução disponível para ampliar, no curto prazo, a receita fiscal”
“Conto com o Congresso Nacional para podermos, em parceria, estabelecer novas bases para o desenvolvimento do País, sem retroceder nas conquistas obtidas nos últimos anos”
Dilma Rousseff
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REAÇÕES
Jaques Wagner
Ministro da Casa Civil
“Ela falou de questões que são do Brasil. É um gesto de humildade, de estender a possibilidade de um diálogo não só para o governo dela, mas para a gente superar as questões econômicas e recolocar o País na linha do desenvolvimento”
Aécio Neves
Presidente do PSDB
“Lamentavelmente, assistimos aqui amais do mesmo, repetição de promessas vazias, de uma presidente que já não demonstra qualquer condição de tirar o Brasil do gravíssimo atoleiro no qual ela própria nos mergulhou”
_______________________________________________________________________________________________________
Por: Daniel Carvalho/ Tânia Monteiro / Erich Decat
Em pleno 2 de fevereiro, parlamentares saudavam-se com “feliz ano-novo” e contavam as novidades das férias. Aos poucos, o espaço foi sendo preenchido por deputados, senadores e assessores, que monitoravam a chegada da presidente Dilma Rousseff por telões.
Na entrada do Congresso, ela cumprimentava todos com beijinhos, exceto o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seu desafeto.
A ele foi concedido apenas um frio aperto de mão. Antes mesmo de Dilma adentrar o plenário, três deputados - dois do PSDB e um do governista PSD - erguiam placas “Xô, CPMF!”. Quando a petista entrou, ouviu alguns “Fora, PT!”, mas não deixou transparecer desconforto.
Deputados da oposição preparavam-se para jogar 20 mil notas de R$ 50 e R$ 100 e de US$ 3 e US$ 100 com as faces de Dilma e Lula. Como a presidente não deixou o plenário pelo corredor central, o ato foi abortado.
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, não ficou para ouvir o discurso. Os demais - eram 15 ao total - ficaram. O titular da Casa Civil, Jaques Wagner, ficou o tempo todo de pé, diante da presidente. Foi um dos que lideraram os aplausos a Dilma para rebater as vaias. Alguns até sentaram-se nas bancadas, caso de Armando Monteiro (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).
As críticas emanavam do lado direito, onde a oposição dominava. Do lado esquerdo, onde se concentravam os governistas, vinham as palmas. As vaias começaram quando Dilma defendeu a volta da CPMF.
Os senadores tucanos José Serra e Aloysio Nunes permaneceram no centro do plenário, de pé, lado a lado. Mesmo nos momentos em que o plenário reagia à CPMF, não houve nenhum tipo de manifestação dos dois.
Cinema. Ao fim do discurso, alternaram-se gritos de “Fora, Cunha!” e “Fora, Dilma!”. Ladeada por Cunha e pelo Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a petista caminhou até seu carro e terminou o dia em uma sessão de cinema no Alvorada. Assistiu à animação brasileira O Menino e o Mundo, do cineasta Alê Abreu, indicada ao Oscar. / DANIEL CARVALHO, TÂNIA MONTEIRO e ERICH DECAT
_______________________________________________________________________________________________________
Por: Igor Gadelha / Rachel Gamarski
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), sugeriu ontem a inclusão da recriação da CPMF na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU).
A sugestão foi feita pelo petista durante reunião com líderes da base aliada e os ministros Nelson Barbosa (Fazenda), Jaques Wagner (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) no Planalto. O governo avalia a proposta.
A ideia, segundo Guimarães, é tentar acelerar a aprovação da CPMF, medida considerada crucial pelo governo. Atualmente, já tramita na Câmara uma PEC que recria o tributo, mas a proposta ainda está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde nem sequer tem parecer.
Já a PEC da DRU já foi aprovada pela CCJ e está em comissão especial. Nos próximos dias, o relator da matéria deve apresentar seu parecer. Aprovada, ela seguirá para o plenário.
“Estou avaliando juntar a CPMF na PEC da DRU”, afirmou o líder do governo. Ele fez questão de destacar que a proposta não partiu do governo. Questionado sobre o que os ministros Barbosa, Wagner e Berzoini tinham achado da ideia, Guimarães afirmou que eles não comentaram. O deputado informou que a ideia será levada à reunião do colégio de líderes partidários na Câmara hoje.
“Isso beira ao ridículo", avaliou o líder da minoria na Câmara, deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). Segundo ele, a proposta deve trazer prejuízos à tramitação da PEC da DRU, que já tem o apoio do PSDB. “Procuramos o governo em dezembro para dizer que votaríamos a favor da DRU, mas, mesmo sem obstáculo, o governo não conseguiu aprovar. Imagine com obstáculo”, disse.
Na avaliação do líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), a proposta de juntar a CPMF e a DRU em uma só proposta pode trazer a resistência dos deputados em relação a recriação do tributo à desvinculação de receitas. Para o parlamentar, o melhor seria deixar a tramitação da matéria como está. / IGOR GADELHA e RACHEL GAMARSKI