O Estado de São Paulo, n. 44.668, 03/02/2015. Política, p. A6

Decisão da Suíça faz Moro suspender reta final de ação

Tribunal suíço determina que envio de documentos relativos à Odebrecht descumpriu normas; juiz trava as alegações finais

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

O juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato em Curitiba, determinou ontem a suspensão dos prazos das defesas para apresentação das alegações finais na ação penal que envolve a empreiteira Odebrecht. A ordem do magistrado é temporária e válida até que ele tenha acesso a informações relativas a uma decisão da Justiça suíça.

A ordem de Moro acolhe pedido dos criminalistas Dora Cavalcanti e Rafael Tucherman, defensores de Márcio Faria, executivo ligado à Odebrecht e alvo da Operação Erga Omes, desdobramento da Lava Jato. Alegações finais são a parte derradeira do processo, em que o Ministério Público, responsável pela acusação, e as defesas apresentam suas argumentações e pedidos a serem considerados pelo juízo. A Procuradoria entregou seus memoriais em janeiro.

Os advogados pediram ao juiz que mande excluir dos autos documentos enviados pela Suíça sobre contas por meio das quais a empreiteira teria pago propinas no exterior a ex-dirigentes da Petrobras. Em sua petição, a defesa do executivo diz que o Tribunal Penal da Suíça julgou “ilegal” a remessa dos extratos bancários.

A decisão de Moro ocorreu após a Justiça da Suíça ter considerado irregular o envio dos documentos ao Brasil. Essas provas foram utilizadas pela força-tarefa da Lava Jato para sustentar as apurações de crimes supostamente praticados pela empreiteira e seus funcionários.

 

Polêmica. A decisão dos suíços gerou controvérsia entre o Ministério Público Federal e a defesa de Faria e da Odebrecht. Para os procuradores, a empresa sofreu uma derrota porque a Justiça da Suíça entendeu que o Brasil não tem de devolver ao país europeu documentos bancários que comprovariam pagamentos de propinas no exterior a ex-dirigentes da Petrobras.

O tribunal suíço, diz a Procuradoria, autorizou a Odebrecht a apenas ingressar com “recurso interno”. “O tribunal suíço concedeu à empresa apenas o direito a um recurso interno, tal qual ocorreria caso o pedido de cooperação tivesse partido do Brasil para a Suíça”, afirma.

Para Dora Cavalcanti, porém, “ao reconhecer a ilegalidade, determinou ao Ministério Público suíço - e não à Odebrecht - que a única forma de transmitir os documentos ao Brasil é iniciar um procedimento de cooperação jurídica internacional de acordo com o rito legal, com a devida análise da presença ou não dos requisitos necessários para a cooperação”. A advogada observa que, “ao menos até que esse novo procedimento de cooperação seja iniciado e finalizado, o envio dos documentos permanece sendo ilegal”.

A Odebrecht, por meio de uma das offshores que controla no exterior, recorreu, na Suíça, contra a remessa de documentos bancários ao Brasil em pedido de cooperação internacional feito por aquele país.  Este pedido tinha como objetivo a colaboração das autoridades brasileiras para a apuração conduzida pelo Ministério Público da Suíça, que também investiga aquela empresa e seus funcionários pela suposta prática de corrupção e lavagem de dinheiro.

Com o recurso, segundo a Procuradoria, a Odebrecht queria impedir o uso, no Brasil, dos documentos suíços que comprovariam pagamento de “propinas” a ex-funcionários da Petrobras”. Dora diz que a ordem de Moro é “prova da relevância da decisão suíça no processo” .

 

José Carlos Bumlai

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou habeas corpus ao pecuarista amigo de Lula. Bumlai está em prisão preventiva desde novembro de 2015 na superintendência da PF em Curitiba.

 

Documentos compartilhados

“Com relação ao uso dos documentos já enviados ao Brasil, o tribunal suíço decidiu que os documentos não precisam ser devolvidos. Assim, a decisão não tem qualquer efeito sobre a acusação criminal contra executivos da empresa”

Procuradoria da República

EM NOTA

 

“Tendo a Justiça do país que coletou e entregou a prova ao Brasil declarado que a entrega foi ilegal, essa prova não pode ser admitida neste ou em qualquer outro processo”

Dora Cavalcanti e Rafael Tucherman

ADVOGADOS DE MARCIO FARIA, EXECUTIVO LIGADO À ODEBRECHT

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MP suíço diz que cooperação será revista

Por: Jamil Chade

 

A Procuradoria suíça informou que a decisão do tribunal, por enquanto, não invalidou as provas, extratos bancários e detalhes de transações das empresas ligadas à Odebrecht. O MP insiste que atuou dentro do padrão de cooperação que vem mantendo com o Brasil e que o caso estava sendo investigado pelas autoridades brasileiras.

O MP suíço nega que o Brasil tenha de devolver os documentos que recebeu com o detalhamento das contas das empresas offshore ligadas à Odebrecht, mas admite que o processo de cooperação terá de ser revisto.

Em nota à imprensa, a procuradoria em Berna admitiu que o Tribunal Criminal Federal considerou que o MP errou ao enviar os documentos e extratos bancários ao Brasil sem dar a chance para que os suspeitos envolvidos no caso pudessem ter feito um recurso para impedir a entrega dos dados.

 

Questionamento. O Estado revelou em outubro de 2015 que a Odebrecht havia contrato advogados na Suíça para tentar bloquear o envio dos documentos. Em agosto, esses advogados questionaram o Departamento de Justiça da Suíça, argumentando que o envio ao Brasil seria uma medida desproporcional por parte dos suíços e que o Brasil não teria apresentado provas suficientes que justificassem a cooperação entre os dois países. A cooperação, porém, foi adiante.

Agora, segundo o MP, de fato o tribunal suíço decretou que a remessa havia sido ilegal. Segundo os suíços, essa ilegalidade poderia ser corrigida, ainda que o processo de revisão possa levar algumas semanas.

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Lobista confirma que empresa atuou por caças

Presa, Cristina Mautoni diz que consultoria trabalhou para a Saab quando a sueca disputou venda de jatos para FAB

Por: Andreza Matais / Fábio Fabrini

 

Presa sob suspeita de envolvimento em esquema “compra” de medidas provisórias, a empresária Cristina Mautoni disse em depoimento à Justiça Federal que sua consultoria, a Marcondes & Mautoni Empreendimentos, trabalhou para a Saab quando a empresa sueca disputou a venda de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB).

O procurador Frederico Paivaquis saber se ela tinha conhecimento de que seu marido, o lobista Mauro Marcondes, havia se reunido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tratar do assunto.“Acho difícil, porque (a secretária do Mauro), em 2013, reclamava que ela não conseguia contato com o Lula. Ela dizia que havia deixado dez recados. Agora, qual o motivo da reunião, o que ele queria falar, não sei”, disse. “A secretária ligou para o Instituto Lula, mas não teve sucesso porque Lula não atendeu.” Mauro Marcondes também está preso, acusado de pagar propina a agentes públicos em troca de decisões do governo federal.

Ele acompanhou o depoimento da mulher. Na busca e apreensão feita pela Polícia Federal na Marcondes & Mautoni foram encontrados e-mails em que o lobista pede à mulher, que os repassa à secretária, para agendar reunião com Lula e representantes da Saab. Também foi apreendida uma carta endereçada a Lula na qual Marcondes pede que ele interceda com a presidente Dilma Rousseff para que o governo escolha a Saab.

A Operação Zelotes investiga se há relação entre o lobby de medidas provisórias e do negócio dos caças a pagamentos feitos pela Marcondes & Mautoni à LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Claudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula.

O Estado revelou que a firma recebeu R$ 2,5 milhões da Mautoni entre 2014 e 2015.Cristina disse ter feito o pagamento sem ter conhecimento sobre o serviço prestado. “Não li sobre o que era”, disse. Ela justificou que sua função era fazer pagamentos a mando do marido.