O Estado de São Paulo, n. 44.667, 02/02/2015. Economia, p. B1
Governo volta a elevar impostos, agora de chocolate, sorvete, cigarro e ração
Por: Bernardo Caram / Lorenna Rodrigues
Enquanto espera a a provação pelo Congresso da recriação da CPMF e tenta fechar as contas de 2016, o governo optou novamente por aplicar aumento de tributos para reforçar a arrecadação. Por meio de decreto, instrumento que não precisado aval dos parlamentares, a presidente Dilma Rousseff decidiu elevar a tributação de sorvetes, chocolates, cigarros e rações a partir de maio.
Na esteira de outros aumentos de impostos, o decreto de ontem altera a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) desses produtos e, com isso, aumenta a arrecadação em R$ 641 milhões neste ano,R$1,07 bilhãoem2017 e R$ 1,02 bilhão em 2018.
O aumento da carga tributária virou a principal escolha da equipe econômica para aumentar receitas diante de um cenário de retração econômica que reduziu o lucro das empresas e o pagamento de impostos. Desde o início do ano passado, o governo vem aumentando uma série de tributos e tem gerado crítica de vários setores e do Congresso. Subiram a Cide sobre os combustíveis, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre crédito e os tributos sobre bebidas e eletrônicos.
Neste ano, o governo acabou com a isenção de Imposto de Renda sobre remessas de turismo, o que permitirá uma cobrança de até 25% nas remessas de agências de viagens.
Além disso, vários Estados elevar a ma alíquota de ICMS cobrada dos contribuintes, medida que tem levantado dúvidas jurídicas. O governo ainda tentou elevar a tributação sobre heranças, mas a proposta ainda não avançou. “Nos últimos meses, vimos uma sucessão de mudanças e de aumentos na área tributária porque o governo está buscando receita onde der”, diz o advogado tributarista Aldo de Paula Junior, sócio do escritório Azevedo Sette.
Na avaliação dele, apesar das alterações anunciadas serem até positivas no sentido técnico, estão vindo na hora errada.
“Conceitualmente, em termos de justiça tributária, a mudança faz sentido, mas na prática ela vai trazer um aumento de carga tributária num momento de retração da economia.”
Chocolates e sorvete. De acordo coma nova regra, os chocolates e sorvetes estarão sujeitos a alíquota de 5% sobre o preço de venda. Antes, os chocolates eram tributados em R$ 0,09 (branco)e R$0,12(demais chocolates) por quilo e os sorvetes de dois litros pagavam R$ 0,10 por embalagem.
Com a mudança, uma barra de chocolate ao leite nacional de um quilo, que tem preço médio de R$ 25, será taxada em R$ 1,25, em comparação aos atuais R$ 0,12. Nesse caso, a elevação será de mais de 900%.
Um pote de sorvete de R$ 15, que era taxado em R$ 0,10, passará a pagar R$ 0,75, um reajuste de 650%. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes (Abis), o preço dos sorvetes aumentará em até 10%.“ O aumento está ocorrendo em um setor que não apresentou queda em 2015 e pode ter um impacto negativo em toda a cadeia produtiva”, diz o presidente da Abis, Eduardo Weisberg.
Cigarros. A maior parte da arrecadação extra virá do aumento de impostos sobre cigarros, medida adotada habitualmente pelo governo quando necessita de mais receitas. Serão R$ 465 milhões mais neste ano com o aumento das alíquotas do IPI incidentes sobre os cigarros, além de alteração do preço mínimo para venda. A tributação do cigarro se baseia numa soma de duas parcelas: uma fixa e outra variável.A fixa está definida em R$ 1,30 para cada 20 cigarros. A parcela variável corresponde a 9%sobre o preço de venda a varejo dessa quantidade.
Agora,o cálculo do IPI se dará em duas etapas. Primeiramente, em maio e depois em dezembro, a parcela fixa será aumentada em R$ 0,10 e a parcela variável em 5,5%. Assim, em dezembro de 2016, os cigarros terão uma alíquota fixa de R$1,50 por conjunto de 20 unidades e uma alíquota variável de 10% sobre o preço de venda. Além disso, o valor mínimo, de R$ 4,50, será reajustado para R$ 5.
Para a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), o aumento do tributo deverá levar o consumidor a procurar produtos falsificados. “A altíssima carga tributária, que chegará em 80% por maço de cigarro em dezembro, tem impacto direto no preço do produto ao consumidor.
Esse fato estimula o consumidor a buscar alternativas mais baratas, em muitos casos comprando cigarros contrabandeados nas mãos do crime organizado”, afirmou a entidade, em nota.
Já o fumo picado terá uma alíquota de 30% sobre o preço de venda – era R$0,50 por quilo.
Para a Receita,a nova sistemática é “mais transparente e justa”, já que depende do preço efetivamente praticado.
Ração. Outra alteração prevista no decreto tem a finalidade de esclarecer na Tabela de Incidência do IPI (Tipi) a correta classificação fiscal das rações para cães e gatos.Com a mudança, fica definido que, quando a ração for destinada à alimentação de cães e gatos, a alíquota do IPI aplicável é de 10%.
Cofres
R$ 641 mi será o efeito para a arrecadação, este ano, das mudanças na tributação de sorvetes, chocolates, cigarros e rações
R$ 1,07 bi é a previsão de receita extra em 2017, e de R$ 1,02 bi em 2018
AS MUDANÇAS
Chocolate
Como era Era tributado em R$ 0,09 (chocolate branco) e R$ 0,12 (demais chocolates) por quilo
Como fica Será cobrada alíquota de 5% sobre o preço de venda
Sorvete
Como era: Sorvetes de dois litros pagavam R$ 0,10 por embalagem
Como fica Será cobrada alíquota de 5% sobre o preço de venda
Cigarro
Como era: Tributação pela soma de parcela fixa de R$ 1,30 para carteira com 20 cigarros mais parcela variável de 9% sobre o preço de venda Pagava R$ 0,50 por quilo
Como fica : Até dezembro, tributação será de R$ 1,50 por carteira mais 11% do preço de venda
Fumo picado
Como era Pagava R$ 0,50 por quilo
Como fica Alíquota de 30% sobre o preço de venda
Rações
Como era: Havia dúvidas, principalmente no âmbito judicial, de qual seria a alíquota de IPI, se 10% ou zero
Como fica Será aplicada alíquota de 10%
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‘Podem aumentar o imposto que não resolve’
Por: Alexa Salomão
Na avaliação do economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, os sucessivos aumentos de impostos serão infrutíferos. “Em meados do ano, vão ter de mudar a meta de superávit para um déficit outra vez”, diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.
O governo vem fazendo aumentos pontuais de impostos. Faz diferença para a arrecadação?
Muito pouco para o tamanho do que precisa. Quem entende um pouco de contabilidade pública e olha os números vê: podem aumentar o imposto sobre gasolina, refrigerante, cerveja, amendoim, sobre o que for, e não vai resolver.
Quais são esses números?
No ano passado, sem contar o pagamento das pedaladas, o déficit foi em torno de R$ 60 bilhões. O governo precisa arrecadar esses R$ 60 bilhões, mas precisa ainda de outros R$ 24 bilhões para cumprir a meta de superávit primário e tem R$ 75 bilhões de aumento de despesas, com pessoal e com Previdência, já contratados. Somando tudo, o governo precisa ter um aumento de arrecadação, nominal, de R$ 160 bilhões. Não tem como. A receita líquida do governo federal aumentou no ano passado R$ 20 bilhões, nominal. Isso na verdade foi uma queda real de R$ 70 bilhões. Para fechar a conta neste ano, o crescimento da receita nominal teria de ser oito vezes superior ao visto no ano passado. É impossível. E ainda é pior. Na lei orçamentária que foi aprovada, estimavam que a receita nominal no ano passado seria de RS$ 1,061 trilhão, mas ela foi perto de R$ 1,030 trilhão: R$ 30 bilhões aquém. Para se alcançar o que está previsto na Lei Orçamentária de 2016, a receita teria de crescer R$ 190 bilhões. Eles vão fazer um bocado de coisa para mostrar que estão se esforçando, mas não vai ter jeito: no final, vão ter de mudar a meta.
Nesse cenário, então, a volta da CPMF faz diferença?
O que se pode ter com CPMF em 2016 é apenas R$ 10 bilhões. Eles partiram do pressuposto de que ela seria aprovada em maio e começaria a ser cobrada em setembro. Mesmo que seja aprovada nos moldes que eles querem, não resolveria. Em meados do ano, vão ter de mudar a meta de superávit para um déficit outra vez.
O déficit pode ir a quanto?
É difícil prever. Vai depender da receita. Mas no cenário de hoje deve caminhar para um déficit de R$ 80 bilhões, algo como 1,5 ponto porcentual do PIB (Produto Interno Bruto).
No sentido prático, qual é a alternativa do governo para fechar a conta?
No curto prazo, não tem muito o que fazer. O governo teria de apresentar um plano muito crível, com mudanças na estrutura e nas regras de gastos para este ano e para os próximos. Talvez assim conseguisse apoio para elevar a carga tributária e trazer de volta a CPMF. Mas o governo está longe, muito longe de um consenso político para avançar nessa agenda. Hoje o governo já deveria saber o que deve fazer, já deveria estar explicitando o que quer e convencendo o PT e a base aliada da necessidade de fazer o ajuste. Mas se nem o PT está convencido, como convencer os demais partidos?
O governo lançou um pacote de estímulo à economia na semana passada. Ele pode ter algum efeito que leve ao aumento na arrecadação?
Não. Ninguém vai querer se endividar agora, mesmo que o crédito seja mais barato. Cerca de 46% da renda familiar já está comprometida com dívidas. É alto, no momento em que as pessoas perdem renda e temem perder o emprego.
Não tem luz no fim do túnel?
Teria luz se o governo sinalizasse com clareza o que quer. Por exemplo: qual é o plano para a reforma trabalhista? E para a reforma da Previdência? O governo não explica. Talvez nem exista plano. E o debate em torno desses temas foi boicotado pelo próprio partido do governo. Eu quero ser otimista, mas está complicado.