O globo, n. 30143, 16/02/2016. Opinião, p. 15

Cém dolares nunca mais

Por: ADRIANO PIRES

O mercado está passando por um colapso nos preços do petróleo, que poderia ser caracterizado como um novo contrachoque. atual contrachoque lembra o de 1986. Isso porque, naquele ano, da mesma forma que agora em 2016, o mundo viveu uma era de abundância de petróleo e a Arábia Saudita manteve a produção com o objetivo de quebrar os produtores americanos.

A grande diferença entre 1986 e 2016 é que agora a produção americana está crescendo através da oferta de shale oil, e não de petróleo convencional, como o petróleo produzido no mar. O shale apresenta características muito peculiares como baixo investimento e entrada rápida em produção. Um campo de shale exige um investimento em torno de US$ 10 milhões, enquanto petróleo no mar bilhões de dólares e muito mais tempo para entrar em produção. Por exemplo, o campo de shale Eagle Ford, no Texas, foi descoberto em 2008 e cinco anos depois produzia 1,5 milhão de barris por dia.

Em 2008, os EUA produziam cinco milhões de barris por dia, com o advento do shale, a produção dobrou, atingindo dez milhões de barris por dia. Não há duvida que preços do barril abaixo de US$ 30 levarão ao fechamento de muitos campos de shale nos Estados Unidos. Porém, qualquer recuperação nesses preços pode trazer de volta a produção de shale em semanas ou meses.

Ou seja, o shale passou a regular o mercado de petróleo, papel que sempre foi exercido pela Arábia Saudita.

Dois outros fatores jogam os preços para baixo, a desaceleração da China e o Irã. Com o fim das sanções comerciais ao Irã, a oferta de petróleo mundial terá um grande acréscimo. Afinal, estamos falando do país detentor da quarta reserva do mundo.

Em 1986, os preços do barril chegaram a US$ 10, se recuperaram um pouco em 1990 com a Guerra do Kuwait e tornaram a desabar em 1998 com a crise da Rússia e da Ásia. O mundo ficou mais de uma década com preços baixos do barril, e isso levou a um grande movimento de fusões e aquisições na indústria do petróleo. E agora a história tende a se repetir? Parece que sim, ou seja, vamos conviver com preços baixos por um bom par de anos.

Só que, desta vez, existe a real possibilidade de o barril de petróleo a US$ 100 nunca mais. Por quê? Porque o mundo não pode e não deve consumir tanto petróleo como no passado devido a razões ambientais.

Esse novo cenário ambiental já foi explicitado em reuniões do G- 4, na COP- 21 em Paris e em declarações de dirigentes das principais empresas petrolíferas, que têm afirmado que os seus planos de negócios estão cada vez mais influenciados pelas políticas do clima. Isso tem levado a um maior crescimento da produção de gás natural. Enquanto as grandes petroleiras estão produzindo cada vez mais gás natural, que será a energia da transição para uma matriz energética mundial mais limpa, a Petrobras, sem estratégia em relação às mudanças no mercado mundial de energia, insiste no petróleo. Daqui a alguns anos, certamente será difícil encontrar quem vá comprar o nosso.

 

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura

 

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