O globo, n. 30143, 16/02/2016. Economia, p. 17
DANILO FARIELLO
danilo.fariello@bsb.oglobo.com.br
BRASÍLIA E RIO- A presidente Dilma Rousseff disse nos últimos dias a interlocutores que aceita mudar as regras de exploração do pré- sal, com base na proposta apresentada em projeto de lei pelo senador José Serra (PSDB- SP). O texto foi colocado entre as prioridades de votação pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. A condição da presidente para recuar e aceitar uma revisão das normas atuais seria o governo e a Petrobras terem a prerrogativa de escolher quando a estatal poderá descumprir a exigência legal de ter uma participação mínima obrigatória de 30% nos consórcios que exploram o petróleo da região. Uma alternativa do governo seria um senador da base aliada apresentar alguma emenda ao projeto de Serra ou alterar seu relatório dando à estatal a “opção” de poder abrir mão do percentual mínimo de atuação no pré- sal.
Por consequência da revisão dessa participação mínima da estatal no pré- sal, a exigência de a Petrobras ser a operadora única desses campos também está em discussão. A lógica do operador único, concebida no lançamento do marco regulatório do pré- sal, em 2009, era para que a estatal defendesse os interesses nacionais na exploração dessa riqueza, conforme defendia o governo. Especialistas, no entanto, questionam a capacidade de a Petrobras defender interesses nacionais diante de sua atual fragilidade financeira. Em conversas recentes de Dilma com interlocutores, a presidente assegurou que nenhuma decisão será tomada nesse debate em prejuízo da Petrobras.
ALTERNATIVA AOS EXTREMOS
A discussão em torno do projeto do senador Serra, apresentado no ano passado, foi acelerada a partir da decisão de Renan de colocá- lo como o sexto item da pauta a ser votada neste semestre. Ontem, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse, após reunião de coordenação política com a presidente Dilma, que o governo defende a atual legislação. Mas reconheceu que existem três vertentes diferentes entre os parlamentares, sendo que uma delas procura uma “construção alternativa” aos extremos de manter ou derrubar completamente a regra atual.
— A posição do governo é manter (a legislação atual), mas existem três posições dentro do Congresso: os que defendem o status quo, os que querem a retirada da obrigatoriedade e ponto, e os que defendem que ela seja subordinada a uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ou seja, retira- se a obrigatoriedade compulsória e passa a ser caso a caso.
Nesta última hipótese, para que a Petrobras ficasse livre da obrigação, os ministros do governo deliberariam no CNPE e submeteriam a decisão à aprovação da Presidência da República, explicou Braga. O ministro evitou comentar eventuais vetos de Dilma, se o Congresso mudar as regras atuais.
Dilma esteve com o presidente da Petrobras Aldemir Bendine em janeiro. A visão do Palácio do Planalto, segundo um assessor direto da presidente, é que Bendine está levando a empresa a uma situação nova, em que a estatal se tornará menor, mas rentável. Fazem parte desse processo as vendas de ativos que a Petrobras vem promovendo, principalmente no setor de gás e transportes, e os ajustes regulatórios necessários para isso.
PETROLEIRAS QUEREM MUDANÇA
No ano passado, Braga já havia defendido aperfeiçoamentos nas regras de exploração do présal, mas sem o aval da presidente. Na época, o senador Delcídio Amaral (PT- MS), atualmente preso por suspeita de tentar facilitar a fuga do país do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró, foi um dos mais enfáticos defensores da ideia de dar à estatal a opção de fazer parte ou não de determinados blocos do pré- sal.
Atualmente, no único bloco do pré- sal concedido, o de Libra, a Petrobras tem participação de 40% — acima, portanto, do piso de 30% — , mas sócios e demais participantes do mercado cobiçam uma atuação maior no grupo, desde que possam atuar como operadores, ou seja, líderes do processo de exploração e produção e gestores dos recursos.
As demais petroleiras sempre foram contra a Petrobras ser operadora única nos campos do pré- sal, como mostra avaliação do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que representa as empresas. Para o secretário executivo de E& P do (IBP), Antonio Guimarães, todas as empresas do mundo gostariam de ter uma posição no pré- sal.
— Essa riqueza é tão grande que nem mesmo se as duas maiores operadoras do mundo se juntassem seriam capazes de explorar tudo. Independentemente do preço do petróleo, as empresas têm interesse no pré- sal e no Brasil.
Desde o início do ano, Dilma e Braga vêm promovendo com a iniciativa privada discussões para reformar as regras do setor de petróleo, que está com lucratividade comprometida pela queda do preço da commodity no mercado internacional. O governo já flexibilizou as regras de exigências de conteúdo local e decidiu que unificará campos colados a reservas ainda não concedidas. A revisão das regras de exploração do pré- sal, porém, dependem de uma decisão do Congresso. A Petrobras não quis comentar o assunto. Colaborou Ramona Ordoñez
REGRAS EM XEQUE
Como é hoje
REGIME DE PARTILHA: Quando o governo descobriu o pré- sal, foi criado um novo regime, chamado de partilha. Nesse caso, a União tem a posse do petróleo e, após a produção, remunera o operador com parte do petróleo. Na concessão, o operador é o dono do óleo
PARTICIPAÇÃO: No caso de um leilão produzido sob o regime de partilha, a Petrobras é obrigada a ter, ao menos, 30% de cada área
OPERADOR ÚNICO: No caso de áreas consideradas estratégicas, como os campos do pré- sal, a Petrobras tem de ser a operadora única desses campos, ou seja, somente ela pode explorar e produzir, embora possa ter sócios para garantir o investimento financeiro necessário
O que pode mudar
EM DISCUSSÃO NO CONGRESSO: Proposta do senador José Serra (PSDB- SP) prevê o fim da exigência de que a Petrobras tenha participação mínima de 30%
EM DICUSSÃO NO GOVERNO: A presidente Dilma já aceita mudar as regras atuais, mas quer que a Petrobras tenha a prerrogativa de escolher se quer manter os 30%
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RAMONA ORDOÑEZ
ramona@oglobo.com.br
O presidente mundial da angloholandesa Royal Dutch Shell, Ben Van Beurden, disse ser favorável à flexibilização das regras de exploração de petróleo no pré- sal, para que outras companhias também possam ser operadoras e não apenas a Petrobras, como é hoje. Beurden destacou que a Shell tem interesse em atuar no segmento e que a mudança nas regras reduziria os riscos e ampliaria os investimentos no Brasil.
— Penso que faz sentido ter mais parceiros com tecnologias e grandes investidores. Diria que é uma boa ideia. Se vier a acontecer, estamos numa posição de querer ter um papel nesse processo — destacou.
Beurden veio ao Brasil especialmente para anunciar o início da operação conjunta da Shell com o BG Group, que começou oficialmente ontem. E deixou claro que o Brasil será um dos principais países do mundo para a companhia, que assume o posto de principal parceira da Petrobras na exploração do pré- sal.
QUADRUPLICAR PRODUÇÃO
A meta da empresa é quadruplicar a produção de petróleo no país até o fim desta década. Atualmente, Shell e BG produzem cerca de 194 mil barris de petróleo por dia. Quando considerada também a produção de gás natural, o número sobe para cerca de 240 mil barris de óleo equivalente.
Ao pagar US$ 70 bilhões pela BG, em abril de 2015, na maior fusão da indústria petrolífera em mais de uma década, a Shell se tornou a segunda empresa do ranking global do setor, encabeçado pela Exxon Mobil. Ontem foi o primeiro dia de operação conjunta das empresas, que passaram a ter uma única ação negociada em Bolsas de Valores. Em Londres, os papéis da empresa fecharam em alta de 0,95%.
A BG era a principal parceira da Petrobras em campos no pré- sal na Bacia de Santos, principalmente no campo de Lula, onde tem 25% de participação. Lula é o campo com maior produção no país — 442 mil barris diários — e reservas estimadas entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo. A Shell é sócia da Petrobras com 20% da área de Libra, no pré- sal da Bacia de Santos, com reservas estimadas entre entre 8 bilhões e 12 bilhões de barris de petróleo.
Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a BG produziu em dezembro do ano passado 162 mil barris de petróleo por dia, perdendo apenas para a Petrobras. Incluindo o gás natural, a produção total da BG chegou a 205 mil barris diários de óleo equivalente. Já a Shell produziu 32,4 mil barris por dia, chegando a 34,4 mil barris equivalente com a inclusão do gás, ocupando a sétima posição no ranking nacional.
O presidente da Shell acredita que a Petrobras vai superar o atual momento difícil que atravessa em função das denúncias de corrupção.
— Acreditamos na força da Petrobras como empresa tecnicamente competente, mas que enfrenta momento difícil e conseguirá sair desse momento. Será uma empresa forte no futuro — afirmou.
O executivo informou, também, que esteve semana passada com a presidente Dilma Rousseff para apresentar o projeto de fusão da Shell com a BG. E disse acreditar nos fundamentos “sólidos” da economia e do mercado brasileiro.
— A presidente não precisa que eu lembre como esse setor é muito importante para o Brasil como fonte de receita. E como é importante investidores como nós terem o Brasil como país número um. A estabilidade da estrutura regulatória e fiscal é a preocupação de qualquer investidor — destacou.
MAIS 2.800 DEMISSÕES
Este ano, a Shell deve investir US$ 33 bilhões no mundo, mas Beurden não quis revelar quanto desse montante será destinado ao Brasil. Segundo o executivo, após a fusão com a BG, a empresa fará uma grande sinergia das atividades e demitirá 2.800 empregados no mundo. No ano passado, a Shell já tinha cortado 7.500 funcionários. O executivo destacou que a previsão é uma redução nos gastos de US$ 3,5 bilhões por ano até 2018.
Com a fusão, a Shell passará a ter operações importantes da BG não só no Brasil, mas também no leste da África, na Austrália, no Cazaquistão e no Egito.