Título: Faxina em efeito cascata
Autor: Camargos, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2011, Política, p. 10

Por todo o país, cidades se espelham na lei federal de iniciativa popular aprovada no ano passado para criar legislações semelhantes. Nesses municípios, as regras atingem também os funcionários nomeados em cargos de confiança

Distantes mais de 4 mil quilômetros, Candelária (RS) e Janduís (RN) vivem realidades distintas, mas ambas criaram, no último ano, a Lei da Ficha Limpa, na carona da proposta de iniciativa popular que se transformou em projeto de lei há dois anos e foi sancionada em 2010 pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. As duas fazem parte de um grupo de cidades ¿ pelo menos 25 no país ¿ que baniram funcionários com pendências judiciais e criminais dos quadros públicos. "Cada dia escuto uma notícia de que tal município passou a adotar a Ficha Limpa. As regras atingem não só aqueles que conseguem o cargo público por meio do voto", afirma a diretora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita Rosa.

Em Montes Claros (MG), por exemplo, a Ficha Limpa municipal foi sancionada pelo prefeito na última segunda-feira, mas ainda precisa de 90 dias para começar a valer. De acordo com a vereadora Rita Vieira (PSDB), autora do projeto, as restrições aos fichas sujas valem tanto para o Poder Executivo quanto para o Legislativo. "Apresentei a lei, pois vejo que existe um descrédito muito grande da população em relação aos políticos, de que todos são corruptos e só pensam neles", explica a vereadora. Todos os servidores, antes de assumir um cargo, devem declarar que não têm nenhuma condenação ou atitude que os desabone. Caso mintam, serão punidos.

Em Divinópolis, também em Minas, duas leis pegaram carona na Ficha Limpa federal e barram os maus políticos do poder e da administração pública. Ambas são de autoria do vereador Beto Machado (PSDB). A primeira trata dos assessores e contratados do Legislativo municipal. A segunda, dos secretários, adjuntos, gerentes, chefes de setores e administradores das regionais da prefeitura. "O objetivo é ser coerente, pois, se os candidatos a cargo público precisam ter a ficha limpa, por que as principais pessoas que administram o dinheiro público não precisariam?", explica Machado.

Em Minas Gerais, Belo Horizonte, Contagem, Uberaba, Oliveira e Campo Belo também contam com o dispositivo que impede a ascensão de políticos com currículo nebuloso. Além dessas cidades, mais de uma dezena em todo o país têm legislações próprias. Para o juiz Marlon Reis, membro do MCCE e um dos autores da Lei da Ficha Limpa, a repercussão da norma também foi vista no debate da sucessão de alguns ministérios, como Transportes e Turismo, em que os titulares dessas pastas saíram alvejados por uma série de denúncias. "Antes de escolher os substitutos, a presidente Dilma Rousseff vetou nomes de fichas sujas", destaca.

Resultados Na análise do juiz, mesmo antes de o Superior Tribunal Federal (STF) decidir pela validade plena da lei nas próximas eleições, a norma já mostrou resultados. "Só quem pode garantir a vigência efetiva das regras são os ministros do STF. É para isso que lutamos agora, mas a principal vitória foi a mobilização da sociedade, que levou o tema a fazer parte da discussão nacional", afirma Reis. "O melhor efeito da lei é que a sociedade deu uma acordada", concorda Jovita Rosa.

A pressão da sociedade, que conseguiu a aprovação do Ficha Limpa, agora é para que a presidente Dilma Rousseff indique ao Supremo um ministro favorável à validação completa da lei. A vaga foi aberta depois da aposentadoria da ministra Ellen Gracie, em agosto. Duas ações, uma da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outra do PPS, tramitam no STF e pedem que os ministros declarem a constitucionalidade da lei. No entanto, ainda não há data para o julgamento.

Reflexos na escola O efeito da Ficha Limpa não se restringe aos poderes públicos. O Colégio La Salle em Canoas (RS) adotou normas semelhantes para as eleições do grêmio estudantil. "Quem deseja participar da eleição do grêmio precisa ter uma conduta disciplinar exemplar, pois vai assumir um cargo de liderança", afirma a vice-diretora e supervisora educativa da escola, Maria Elisa Schuck Medeiros. As eleições ocorrem sempre no fim do ano e os candidatos têm a ficha avaliada pela direção da escola. Se cometeu algum deslize, fica impedido de concorrer.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 02/10/2011 02:42