Título: Não precisa mais, porque eu vou morrer
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2011, Brasil, p. 12
Mais nova dos três irmãos de Tatiana, Giane ficou soterrada nos escombros do próprio quarto. Aos 20 anos, a jovem trabalhava como costureira em Ilhota, que, além da agricultura, tem uma forte indústria de confecções demandadas por conhecidas lojas de departamento do Brasil. Debaixo da terra, a moça resistiu durante 10 horas. Depois de muito cavarem, o pai e vizinhos conseguiram retirá-la da lama gelada. O barulho dos helicópteros sobrevoando a cidade naquela noite era o estímulo de que a jovem precisava para acreditar no que o pai lhe dizia: "Paciência, tudo vai dar certo". Ao fim de incansáveis 14 horas e meia em que se manteve consciente e conversando, Giane perguntou pela última vez. "Pai, vai demorar muito para o resgate chegar?" Cerca de cinco minutos depois, as forças acabaram. "Agora não precisa mais, porque eu vou morrer."
Para Tatiana, de todos os sentimentos experimentados depois da tragédia em Ilhota, a indignação vem embalada de tristeza devido à falta de resgate. "Mesmo que, com o socorro, ela morresse, pelo menos teria exercido o direito de ser socorrida. Nossa história é a de muitos aqui", diz a mulher, que só voltou para a própria casa depois de 75 dias. O pai de Tatiana, que tentou animar a filha mais nova até os últimos momentos, não gosta de lembrar aquele 28 de novembro.
Eliana Torga, especialista em psicologia de emergência e desastres na Espanha, ressalta que as reações à tragédia são diferentes. "Tem muito a ver com o perfil das pessoas, o histórico de vida. Mas é claro que presenciar a morte de um filho sem nada poder fazer é avassalador", diz. Ser acometido por uma situação traumatizante não significa, necessariamente, ficar traumatizado, explica Eliana. Segundo estudos reconhecidos internacionalmente, depois de uma catástrofe, 70% terão sintomas de estresse num primeiro momento, recuperando-se depois. Entre os 30% restantes, metade se configura como as lideranças naturais, que focalizam seus esforços na reconstrução da própria vida e da comunidade; e a outra metade tende a desenvolver problemas mais graves, como depressão e transtorno de ansiedade. "O importante é não patologizar as pessoas nem vê-las como pobres coitadas, mas como protagonistas da retomada de suas vidas", destaca Márcio Gagliato, psicólogo da Cruz Vermelha com atuação em mais de 10 países. (RM)
15% Porcentagem dos sobreviventes de catástrofes que tendem a desenvolver problemas psicológicos, segundo estudos internacionais
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