Título: Com muita saúde e R$ 90 bi para gastar
Autor: Freitas, Jorge
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2011, Economia, p. 14

Mais de 7 milhões de aposentados continuam a trabalhar no Brasil visando manter a renda e ajudam a movimentar a economia

Disposição para curtir a vida e vontade de consumir. Essa combinação perfeita para a indústria e o comércio passou a ser uma realidade a um exército de brasileiros acima de 60 anos, a maioria aposentada, mas que decidiu se manter no mercado de trabalho para reforçar o orçamento doméstico e, claro, satisfazer todos os desejos reprimidos por anos: viajar, frequentar bons restaurantes, pôr a leitura em dia, ir ao teatro e ao cinema. Enfim, manter a autoestima nas alturas, postura fundamental quando se tem uma expectativa de vida cada vez maior.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, entre aposentados e pensionistas da Previdência Social, mais de 7 milhões de brasileiros continuam a bater ponto em seus empregos ou a executar atividades que lhes dão, além de um bom rendimento, muito prazer. Esse pessoal se tornou uma máquina de consumir e deve despejar pelo menos R$ 90 bilhões neste ano na economia, segundo pesquisa da Consultoria Brasil Data Senior ¿ um antídoto e tanto ante a crise mundial, que ameaça derrubar o crescimento da atividade no país.

Maria Franklin de Andrade, 88 anos, é daquelas que sorvem até a última gota a possibilidade de consumir. Tanto que não abre mão de joias e perfumes importados. "Se posso comprar, compro. Puxei da minha mãe o gosto pelas joias e sempre estou usando uma. Também adoro um bom perfume", conta. Outro motivo para manter uma jornada de oito horas de trabalho, mesmo tendo uma aposentadoria, é a vontade de viajar para o exterior. "Estive, recentemente, em Portugal. Fiz questão de andar por aquele país, conhecer cidades que sempre me encantaram, como Braga, Porto e Fátima", diz.

O desejo de satisfação pessoal é enorme entre os aposentados e pensionistas que continuam trabalhando, assegura o Brasil Data Senior ¿ 60% deles se sentem mais úteis quando estão ocupados. Mas também há a motivação profissional, sobretudo quando passam a desenvolver atividades mais prazerosas.

Segunda renda Ainda distante do que os especialistas chamam de terceira idade, a pedagoga Cleusa Maria da Mota Araújo, 53 anos, não pensou duas vezes em se manter no mercado de trabalho depois de requerer a aposentadoria. "Tenho muita vida pela frente e não conseguiria ficar em casa sem fazer nada", justifica. Diariamente, ela dá expediente em uma clínica como psicopedagoga. "Cuido de crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem. Faço o que gosto e não vi meu poder de compra diminuir. Muito pelo contrário", afirma.

Cleusa conta que, com a segunda renda, a qualidade de vida de sua família melhorou muito. "As aposentadorias não têm ganhos reais, a correção acompanha, no máximo, a inflação. Assim, se tivesse parado, não teria condições de comprar um carro novo, por exemplo", ressalta. Para a pedagoga, é um alento ver cada vez mais pessoas experientes se mantendo ou voltando para o mercado de trabalho ¿ estima-se que pelo menos 550 mil tiveram a carteira assinada novamente neste ano. "Está mais fácil para nós encontrar emprego, pois as empresas carecem de profissionais com experiência e com responsabilidade", destaca.

O Brasil Data Senior reforça o que Cleusa constata no seu dia a dia: a renda dos aposentados economicamente ativos é 14% superior à dos inativos. Diretor do instituto, Marcelo Guerra frisa que os mais velhos vivem um momento de reinserção social. "Durante décadas, aposentados e pensionistas eram tratados como uma parte excluída da sociedade, sem participação efetiva na economia. Hoje, há maior preocupação com a saúde e, com isso, a produtividade é alongada. Assim, eles conseguem se recolocar no mercado de trabalho e ampliam, de forma considerável, o poder de consumo", observa.

As aposentadorias não têm ganhos reais, a correção acompanha, no máximo, a inflação. Assim, se tivesse parado, não teria condições de comprar um carro novo, por exemplo" Cleusa Maria da Mota Araújo, pedagoga

Previdência complementar

Além de permanecerem no mercado de trabalho, mesmo depois da aposentadoria, os brasileiros com mais de 60 anos têm recorrido a planos privados de previdência complementar, para assegurar um futuro ainda mais confortável. Do início de 2009 a julho deste ano, as contribuições desse público saltaram 51,44%. Neste ano, os desembolsos passaram de R$ 3 bilhões. É a experiência falando mais alto.