O Estado de São Paulo, n. 44667, 02/02/2016. Política, p. A8

Janot ignora Cunha em sessão no STF

Procurador-geral não cita presidente da Câmara ao cumprimentar autoridades durante cerimônia de abertura do Ano Judiciário de 2016

Por: Beatriz Bulla / Carla Araújo / Daniel Carvalho / Daiene Cardoso

 

A abertura do Ano Judiciário de 2016, no Supremo Tribunal Federal, foi marcado ontem por recados indiretos e constrangimento durante o encontro entre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Acusador e acusado chegaram com cinco minutos de diferença na Corte e dividiram a mesma antessala, no aguardo do início da sessão. Durante a cerimônia, sentaram-se lado a lado, mas não cruzaram olhares nenhuma vez.

Após cumprimentar as autoridades presentes, com menção, por exemplo, ao também investigado Presidente do SenadoRenan Calheiros (PMDB-AL), Janot não citou o nome de Cunha. “Excelentíssimo senhor ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF; excelentíssimo senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional; excelentíssimo ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo, representando a excelentíssima presidente da República; senhoras ministras, senhores ministros, demais autoridades presentes (...)”, disse o procurador-geral no início de seu discurso.

O silêncio de Janot em relação a Cunha gerou burburinho no plenário da Corte. Desde a abertura de um inquérito contra o presidente da Câmara pela Procuradoria-Geral da República, posterior oferecimento de denúncia e desdobramentos da Operação Lava Jato que atingiram o parlamentar - como a descoberta de conta secretas na Suíça -, o peemedebista tem feito recorrentes críticas a Janot.

Cunha acusa o procurador de parcialidade nas investigações. O deputado, que tem sua cadeira na Câmara ameaçada por um pedido de afastamento feito pela Procuradoria, admitiu Janot como seu desafeto público.

Desde o início das investigações da Lava Jato, o procurador tem evitado rebater as críticas do parlamentar. Ontem, no entanto, Janot fez um discurso enfático de enaltecimento da Lava Jato e acusou de serem “propositais” e “distorcidas” as críticas à condução das investigações pelo Ministério Público.

 

Sem interpretação. Cunha negou constrangimento na sessão de abertura dos trabalhos do Judiciário ontem. Questionado sobre eventual mal-estar diante do discurso de Janot, o peemedebista negou saia-justa. “A mim, nada. Estou representando a institucionalidade, representando a Casa. Apenas cumpri meu papel. Não vou interpretar palavras ou discurso de quem quer que seja”, afirmou Cunha. O deputado também minimizou o pedido apresentado ontem pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que ele se afaste da presidência da Câmara.

“A minha contenda com a OAB é antiga, todos conhecem. Não vou comentar. Eles não são Poder, são conselho de classe”, disse Cunha.

 

Denúncia. A expectativa é de que ainda no primeiro semestre de 2016 o Supremo Tribunal Federal analise a acusação formal enviada por Janot no ano passado contra o presidente da Câmara. O plenário da Corte ainda terá de analisar em breve o pedido de afastamento de Cunha do cargo de deputado federal, feito por Rodrigo Janot dias antes do início do recesso Judiciário, em dezembro.

“O Ministério Público renova sua parceria com o STF sem medir esforços para que o ano de 2016 seja profícuo na colheita de bons resultados que de forma efetiva alimentem a esperança dos que tem sede e fome de justiça e de paz”, encerrou Janot .  Todos aplaudiram, à exceção de Cunha. Em meio à saia-justa, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, abriu uma possibilidade pouco usual nesse tipo de solenidade: “Algum dos presentes da mesa deseja fazer uso da palavra?” Cunha, habituado a respostas prontas, se manteve em silêncio. / BEATRIZ BULLA, CARLA ARAÚJO, DANIEL CARVALHO e DAIENE CARDOSO

 

Discurso

“É isso que a sociedade espera do Ministério Público, ao qual a Constituição adjetivou de público. O que é público é de todos. Não compactuamos ou tergiversamos com o ilícito, com o autoritarismo”

Rodrigo Janot

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Dilma ficará hoje perto de algoz no Congresso

Por: Vera Rosa / Isadora Peron

 

A presidente Dilma Rousseff irá hoje ao Congresso para entregar a mensagem do governo na abertura dos trabalhos legislativos.

Dois meses após o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitar o pedido de impeachment, Dilma estará ao lado de seu algoz na cerimônia, defendendo o ajuste fiscal, a reforma da Previdência, a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e o combate ao zika vírus.

Tudo foi planejado pelo Palácio do Planalto para Dilma recuperar o protagonismo político e mostrar que não se intimida com Cunha.O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), comandará a sessão do Congresso.

Esta é a primeira vez que Dilma entregará pessoalmente a mensagem presidencial desde que assumiu o Palácio do Planalto, em 2011. O ritual geralmente é cumprido pelo ministro da Casa Civil e Dilma já exerceu a tarefa em 2010, quando ocupou a pasta, ainda no governo Lula.

Abalado por turbulências políticas e econômicas, porém, o Planalto prepara várias ações para indicar que não está parado nem a reboque da crise. Na tarde de ontem, por exemplo, Dilma gravou um pronunciamento que irá ao ar em rede nacional de rádio e TV, para pedir a mobilização da sociedade contra o mosquito Aedes aegypti.

Ao saber que a presidente estará no Congresso, Cunha afirmou que não fará um discurso para atacá-la. “Eu não seria deselegante de emitir qualquer palavra que possa ser considerada agressiva. Não faz parte da minha natureza. Sou uma pessoa educada”, disse ele, que enfrenta processo de cassação no Conselho de Ética e é acusado de omitir contas na Suíça com dinheiro desviado da Petrobrás.

 

Apoio. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, observou que Dilma vai usar a mensagem ao Congresso para pedir apoio aos parlamentares. “Evidentemente, ela vai falar da situação econômica e das votações que gostaria de ver aceleradas. A CPMF, por exemplo, é uma das medidas que consideramos muito importantes”, argumentou.

Para Renan, o gesto de Dilma tem grande significado político.

“Significa uma mudança de patamar na relação com o Legislativo”, observou o presidente do Senado. “Ela demonstra que quer conversar e o papel do Congresso é preservar o interesse do País.” / COLABORARAM DANIEL CARVALHO e ISABELA BONFIM

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

ENTREVISTA – Claudio Lamachia

‘Se vira réu, não haverá ambiente político para que ele permaneça’

Plenário da OAB aprova recomendação para que Câmara afaste Cunha do cargo em 1ª reunião comandada por Lamachia

Por: Eduardo Kattah

 

Claudio Lamachia, novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

 

O plenário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou ontem recomendação à Câmara para que afaste seu presidente, Eduardo Cunha (PDMB-RJ) - alvo da Operação Lava Jato por suposto recebimento de propinas do esquema de corrupção na Petrobras e remessas ilícitas de valores para contas secretas na Suíça. É a primeira reunião sob comando do seu novo presidente, Claudio Lamachia, eleito anteontem, para mandato de três anos.

A OAB informou que não está pedindo o impeachment do parlamentar, mas recomendando seu afastamento enquanto prosseguirem as apurações do Ministério Público Federal. Em entrevista ao Estado, por e-mail, antes da decisão, Lamachia afirmou que se o Supremo Tribunal Federal aceitar a denúncia contra Cunha, “não haverá mais ambiente político” para que o presidente da Câmara permaneça no cargo.

 

Advogados de réus e investigados têm apontado cerceamento de defesas na Lava Jato e recentemente divulgaram uma carta aberta falando em ‘neoinquisição’ na condução da operação na primeira instância. Como o sr. vê isso?

A Ordem é favorável à investigação, apuração e, com base em meios constitucionalmente adequados e após o devido processo legal, a punição daqueles que cometem crimes. Todavia, tecer um juízo de valor acerca de atos de jurisdição, ou seja, de manifestações judiciais de mérito, não é a função da OAB. A entidade continuará vigilante quando ao cumprimento das normas que garantem a livre atuação dos advogados, amparados por prerrogativas sobre as quais não transigiremos.

 

Uma comissão especial da OAB decidiu em dezembro não endossar o impeachment da presidente Dilma Rousseff com base na análise do TCU. A Ordem informou que ainda vai se posicionar levando em conta dados referentes à Lava Jato. Já há definição?

O Conselho Federal da OAB ainda não avaliou, em definitivo, estas questões. Verificaremos, em colegiado, se existem novos elementos, além daqueles que já foram objeto de análise da entidade, tais como os dados contidos na investigação já realizada, recentemente, pelo TCU. A OAB acompanha o caso com muita atenção e avalia a situação com extrema responsabilidade.

 

E se a denúncia já apresentada contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, for aceita pelo Supremo, ele tem condições de permanecer no cargo?

Acredito que não haverá ambiente político para que ele permaneça na presidência da Câmara.

 

Como o sr. vê a medida provisória editada pelo governo que acelera acordos de leniência?

Embora as regras para acordos de leniência remontem ao ano de 2013, ainda não houve a devida regulamentação pelo governo federal. No momento em que os interesses públicos e privados se confundem, uma regulamentação apressada poderia soar como casuísmo. Neste momento, tais acordos poderiam, paradoxalmente, interessar mais às próprias empresas acusadas de atos contrários à lei.

 

OAB anunciou campanha contra o caixa 2 nestas eleições. O presidente do TSE diz temer que dinheiro do narcotráfico financie candidatos. O que acha?

Não se pode esperar que os crimes deixem de acontecer num passe de mágica. Junto com o fim do financiamento privado em campanhas é preciso criminalizar o caixa 2 e reforçar os mecanismos de controle. / EDUARDO KATTAH

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados

_______________________________________________________________________________________________________

60% são favoráveis ao impeachment da petista, diz pesquisa

Por: Pedro Venceslau

 

No retorno dos trabalhos do Congresso, levantamento divulgado ontem pelo Instituto Ipsos, organização especializada em pesquisas eleitorais, mostrou que 60% dos entrevistados se dizem favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, 22% são contrários e 18% estão indecisos sobre o tema.

Com a volta das atividades em Brasília, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentou ontem questionamentos ao rito do processo de impeachment estabelecido no fim do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em dezembro, a Corte decidiu que o Senado tem autonomia para barrar o impeachment, mesmo após eventual aprovação na Câmara.

Dilma também começa 2016 com a popularidade em baixa. Para 79% dos entrevistados, sua gestão é ruim ou péssima, 15% a classificaram como regular e 5% como ótima ou boa. Para 92% dos entrevistados, o Brasil está no rumo errado. Em outubro de 2014, 60% achavam que o País estava no rumo certo, conforme pesquisa do Ipsos.

 

Lava Jato. A pesquisa fez ainda perguntas sobre a Lava Jato, que apura corrupção na Petrobrás: 94% já ouviram falar da operação, dos quais 36% dizem saber “algo a respeito” da investigação. “A pesquisa revela que a Lava Jato está de alguma forma na cabeça dos brasileiros, mas as pessoas não sabem os detalhes da operação”, diz o pesquisador americano Cliff Young, presidente de Ipsos Public Affairs nos EUA. Ontem ele apresentou a pesquisa na Universidade de São Paulo.

O levantamento realizou 1.200 entrevistas pessoais e domiciliares em 72 municípios, entre 13 e 27 de janeiro.

 

LEVANTAMENTO

● Pesquisa foi feita com base em 1.200 entrevistas, pessoais e domiciliares, em 72 municípios do País

 

Você apoia ou não o impeachment da presidente Dilma?

APOIA -  60%

NÃO APOIA -  22%

ESTÁ INDECISO -  18%

FONTE: IPSOS PUBLIC AFFAIRS

 

 

CORREÇÃO

Diferentemente do que foi publicado no texto “Outros tucanos foram citados” (pág. A6, edição de ontem), Duarte Nogueira se disse “estarrecido” com a citação a seu nome por investigado na Operação Alba Branca.

Órgãos relacionados:

  • Câmara dos Deputados
  • Congresso Nacional
  • Senado Federal