O globo, n. 30138, 11/02/2016. País, p. 6

Igrejas divergem ao debater aborto

Católicos mantêm condenação, mesmo para microcefalia, mas há quem defenda
Por: André de Souza
 
ANDRÉ DE SOUZA
andre.renato@bsb.oglobo.com.br
 

- BRASÍLIA- O aborto em casos de microcefalia não é uma questão consensual entre as igrejas cristãs no país. Enquanto a Igreja Católica é contra, a Episcopal Anglicana do Brasil ainda não tem posição formada, e setores da Batista acham que a mulher deve ter direito de interromper a gravidez nesses casos.

A microcefalia é uma malformação em que os bebês nascem com a cabeça menor que o normal e, na maioria dos casos, leva ao retardo mental. Exames em laboratórios ligados ao Ministério da Saúde mostram ligação entre a epidemia de microcefalia no país e o vírus zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, também vetor da dengue e da chicungunha.

Na última sexta- feira, a Organização das Nações Unidas ( ONU) pediu que os países atingidos pelo zika permitam o acesso de mulheres à contracepção e ao aborto.

O presidente da Aliança de Batistas do Brasil, pastor Joel Zeferino, afirmou ontem que cada fiel tem liberdade de consciência e cada Igreja Batista local, sua autonomia. Frisou que o grupo presidido por ele não representa todos os batistas brasileiros, mas foi claro ao defender o direito ao aborto:

— Penso que a melhor decisão neste momento é ouvir e fazer um debate sobre essa questão do aborto em caso de microcefalia. E, preventivamente, liberar esse aborto para as mulheres que queiram fazêlo, porque é uma questão de justiça social, para que as mulheres pobres não sejam alijadas de um direito, baseado na liberdade de consciência de cada um — disse Zeferino.

Flávio Irala, bispo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs ( Conic), falando em nome apenas de sua igreja, disse que não há uma posição formada:

— Como representante da Igreja Anglicana, ainda não temos uma posição definida sobre o aborto. Estamos sempre preocupados com as pessoas, tanto com os fetos quanto com as mães, de modo que possa ser preservada, sempre que possível, a vida. A microcefalia é um tema novo, que ainda não foi conversado. Vamos discutir, mas sempre à luz da defesa da vida.

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Para a CNBB, nada justifica defesa da prática

Líder presbiteriano diz que sua igreja ainda não tem posição definida
 

- BRASÍLIA- O monge Cristiano Lopes da Silva, da Igreja Síria Ortodoxa de Antioquia, é contra o aborto em qualquer hipótese:

— É um ser vivo, um ser humano que está no ventre da mãe. Então a Igreja Síria Ortodoxa não aceita de maneira nenhuma — disse Cristiano.

Wertson Brasil de Souza, moderador da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, contou que sua igreja ainda não tem um posicionamento formado sobre aborto em casos de microcefalia, mas destacou sua posição pessoal:

— A igreja não tem posicionamento formal. É um posicionamento pessoal meu: entendo que tudo deve ser feito para preservar a vida.

Na última quinta- feira, antes do apelo da ONU, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ( CNBB), da Igreja Católica, disse em nota que a microcefalia não justifica o aborto. Ontem, o presidente da CNBB e arcebispo de Brasília, dom Sergio da Rocha, voltou a condenar a interrupção da gravidez:

— O aborto não é resposta para o vírus zika. Precisamos valorizar a vida em qualquer situação. Menor qualidade de vida não significa menor direito a viver. Por isso, insistimos que o combate ao vírus zika seja feito. Esse combate passa por medidas preventivas, campanhas educativas. Não há sentido em propor aborto como resposta.

Os religiosos participaram do lançamento da campanha da fraternidade da CNBB. O foco este ano é o saneamento básico.