O Estado de São Paulo, n. 44.666, 01/02/2016. Política, p. A4

Lula admite visita a tríplex com Léo Pinheiro; MP vê incoerência na defesa

Instituto ligado ao ex-presidente afirma que o petista e a ex-primeira-dama foram ao apartamento no Guarujá acompanhados do empreiteiro alvo da Lava Jato, mas desistiram de sua compra e em nenhum momento utilizaram o imóvel ‘para qualquer finalidade’

Por: Eduardo Kattah / Letícia Sorg

 

O Instituto Lula publicou em seu site reproduções de documentos para voltar a negar que o apartamento no condomínio Solaris, no Guarujá, pertença a Luiz Inácio Lula da Silva e sua família. A entidade, presidida por Paulo Okamotto, confirmou que o ex-presidente esteve na unidade 164-A, um tríplex de 215 m2, em uma “única ocasião”, em 2014, acompanhado da mulher, Marisa Letícia, e de José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, sócio da OAS.

Lula e Marisa foram intimados na semana passada a depor no próximo dia 17 como investigados em inquérito do Ministério Público Estadual que apura oito empreendimentos da Cooperativa Habitacional dos Bancários do Estado de São Paulo (Bancoop) assumidos pela OAS, alvo da Lava Jato por formação de cartel na Petrobrás entre 2004 e 2014. Um desses empreendimentos é o condomínio Solaris - também alvo da Operação Triplo X, 22.ª fase da Lava Jato.

O comunicado divulgado no sábado à noite pelo Instituto Lula faz um histórico da negociação envolvendo o empreendimento e acusa a imprensa e “agentes públicos partidarizados” de promover uma “farsa” para incriminar o ex-presidente da República.

No Ministério Público paulista, contudo, a avaliação inicial é de que as informações corroboram os indícios de tentativa de ocultação de patrimônio. O promotor Cássio Conserino afirmou que viu incoerência nas informações apresentadas.

Desde que surgiram suspeitas na relação do tríplex 164-A com a família Lula, o instituto do ex-presidente vinha divulgando notas afirmando que o petista e sua família nunca adquiriram o apartamento em si, mas uma cota-parte da Bancoop para aquisição de um imóvel no edifício, e que, posteriormente, desistiram da compra.

Na nota de anteontem, o instituto afirma que a cota adquirida por Marisa Letícia se referia à unidade 141 do edifício, de 82,5 m2. Em setembro de 2009, quando o empreendimento foi incorporado pela OAS, diz a nota que Marisa interrompeu os pagamentos porque deixou de receber os boletos da Bancoop e não aderiu ao contrato com a OAS. Até então, a família havia pago R$ 179.650,80 (em valores de hoje, R$ 286 mil) pela cota da unidade 141. Parte da declaração de bens da campanha à reeleição de Lula em 2006, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, foi anexada à nota. Nela consta o valor de R$ 47.695,38, como participação na Bancoop.

De acordo com o comunicado, em 2014, quando o edifício estava concluído, Lula e Marisa, acompanhados de Léo Pinheiro, visitaram o tríplex 164-A, que estava à venda, mas não aprovaram o imóvel no estado em que estava. Em novembro de 2015, Marisa teria, enfim, assinado o termo da Bancoop requerendo sua “demissão” do empreendimento. Na data deste documento, porém, consta o ano de 2009, de acordo com a nota do instituto.

 

Incoerente. “O que eu posso falar é que é incoerente com as próprias notas do instituto. Antes eles tinham uma cota e agora eles têm uma unidade habitacional específica. Nem eles sabem o que eles têm”, disse Conserino ao Estado. O promotor já afirmou que via indícios para denunciar Lula por lavagem de dinheiro.  O inquérito do MP-SP investiga a suspeita de que as operações envolvendo a Bancoop e a OAS provocaram prejuízos de aproximadamente R$ 250 milhões aos cooperados.

Anteontem, o Instituto Lula afirmou que o ex-presidente e Marisa avaliaram que o tríplex no condomínio Solaris “não se adequava às necessidades e características da família, nas condições em que se encontrava”.

O instituto afirma que a ex-primeira-dama e Fábio Luís Lula da Silva voltaram ao apartamento quando este estava em obras. O apartamento está em nome da OAS. A entidade voltou a criticar a decisão do promotor de intimar Lula e sua mulher a depor como investigados. “Além de infundada, a acusação leviana do promotor desrespeitou todos os procedimentos do Ministério Público, pois Lula e Marisa sequer tinham sido ouvidos no processo.”

A Polícia Federal incluiu o tríplex 164-A no rol de imóveis com “alto grau de suspeita quanto à sua real titularidade”. /EDUARDO KATTAH e LETÍCIA SORG

 

“O que eu posso falar é que (o comunicado) é incoerente com as próprias notas do instituto”

Cássio Conserino, promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo

 

DEFESA

As notas do instituto

23/1/2016 – O Instituto Lula diz que examina ações contra o promotor Cássio Conserino, do Ministério Público paulista, que diz ter indícios de que Lula e Marisa são donos do tríplex 164-A. O instituto acusa o promotor de cometer uma “violência” contra o ex-presidente e de “violar a lei” e o Estado Democrático de Direito ao dizer que ofereceria a denúncia antes de ouvir as alegações da defesa.

27/1/2016 – O instituto afirma que Lula nunca escondeu que sua família comprou cota da Bancoop para ter um imóvel no atual Edifício Solaris e que a compra foi declarada ao Fisco e é pública desde 2006. “Não será investigando um apartamento – que nem mesmo lhe pertence (a Lula) – que vão encontrar uma nódoa em sua vida”, dizia trecho do comunicado.

29/1/2016 – Em nota, instituto critica intimação de Lula e Marisa Letícia para prestarem depoimento como investigados, dizendo que as suspeitas do Ministério Público são “infundadas”.

31/1/2016 – Nota do instituto afirma que a cota adquirida por Marisa se referia à unidade 141, de 82,5m2. Diz a nota que, em 2009, Marisa interrompeu os pagamentos porque deixou de receber os boletos da Bancoop e não aderiu ao contrato com a nova incorporadora, a OAS. Em2014, Lula e Marisa, com Léo Pinheiro, visitaram o tríplex 164-A, que estava à venda, mas não aprovaram o imóvel. Segundo o comunicado, Marisa assinou o termo de sua “demissão” da Bancoop em 2015, mas na data do documento consta o ano de 2009.

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Família desistiu do imóvel após ‘boatos’, afirma comunicado

Intitulado “Os documentos do Guarujá: desmontando a farsa”, o comunicado divulgado pelo Instituto Lula afirma que a família do ex-presidente desistiu no ano passado da opção de compra do tríplex 164-A no condomínio Solaris “mesmo tendo sido realizadas reformas e modificações no imóvel (que naturalmente seriam incorporadas ao valor final da compra)”, por causa de “notícias infundadas, boatos e ilações que romperam a privacidade necessária ao uso familiar do apartamento”. A reforma no imóvel de 215m2, contratada pela empreiteira OAS, custou R$ 777 mil. O texto, compartilhado ontem pela página do instituto no Facebook, afirma que “adversários de Lula e sua imprensa tentam criar um escândalo a partir de invencionices”.

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Mossack Fonseca é investigada nos EUA

Processo aberto no Estado de Nevada apura ligação da companhia com envolvidos em desvios na Argentina

Por: Cláudia Trevisan

 

Alvo da mais recente fase da Operação Lava Jato, a companhia panamenha Mossack Fonseca é investigada pela Justiça do Estado americano de Nevada por sua relação com dois argentinos acusados de desviar milhões de dólares em contratos com empresas estatais durante os governos dos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner.

O caso foi iniciado em 2013 pelo NML Capital, um dos fundos chamados de “abutres” por Cristina. O grupo não participou da reestruturação da dívida argentina realizada depois da crise de 2001 e iniciou uma busca de ativos ao redor do mundo para receber seu crédito de US$ 1,7 bilhão.

Em decisão proferida em 16 de março de 2015, o juiz Cam Ferenbach disse que Lázaro Báez controla 150 empresas de fachada abertas pelo braço da Mossack Fonseca em Nevada, a M.F. Corporate Services. Todas têm o mesmo endereço e teriam sido estabelecidas para receber recursos desviados por Báez e Cristobal López.

Báez e López são empresários que prosperaram graças a contratos com o Estado durante a gestão dos dois ex-presidentes. A NML sustenta que o dinheiro foi lavado pelas empresas de fachada abertas pela M.F. Corporate e foi à Justiça para receber informações sobre os recursos.

 

Lava Jato. O esquema é parecido ao que teria sido utilizado na Petrobrás. Na semana passada, o juiz federal Sergio Moro expediu mandatos de busca e apreensão nos endereços da Mossack Fonseca em São Paulo. A nova etapa da Lavo Jato, Triplo X, também investiga a suspeita de utilização do Condomínio Solaris, no Guarujá, para o pagamento de suborno. Um dos imóveis, o 163B, é de propriedade de uma offshore aberta pela Mossack Fonseca, a Murray Holdings.

“Nem todos os clientes da Mossack Fonseca são criminosos, mas se você é um criminoso, essa é uma das primeiras empresas com a qual falará”, disse ao Estado o jornalista americano Ken Silverstein, que investigou a empresa durante oito meses em 2014.

“Eles são uma das principais firmas do mundo especializadas em abrir empresas de fachada para ajudar pessoas a esconder dinheiro e seus clientes incluem notórios gangsters, criminosos e ditadores.” Entre os que usaram os serviços da Mossack Fonseca, Silverstein identificou pessoas ligadas ao dirigente sírio Bashar Assad, ao ex-ditador líbio Muamar Kadafi e ao presidente do Zimbábue, Robert Mugabe.

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Justiça solta dois presos na Triplo X

Renata Pereira Brito (de camiseta rosa) e Ricardo Honório Neto (de azul), ligados à Mossack Fonseca e presos na 22ª fase da Lava Jato, deixaram ontem a cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A publicitária Nelci Warken teve a prisão temporária renovada por cinco dias.