O Estado de São Paulo, n. 44.666, 01/02/2016. Política, p. A5

Offshore terá que identificar dono real

Receita quer obrigar empresas que operam no Brasil a identificar beneficiários finais

Por: Andreza Matais

 

A Receita Federal prepara norma que irá obrigar empresas offshore que queiram operar no Brasil a identificar seus beneficiários finais. Hoje, esse tipo de firma pode fazer investimento direto, comprar imóveis e ter participação em empresas brasileiras sem que ninguém saiba quem são seus verdadeiros donos uma vez que são registradas com ações ao portador.

A identificação dos controladores de offshores - empresas registradas no exterior, normalmente em paraísos fiscais - tem sido cobrada do Brasil por autoridades internacionais na área de transparência financeira que veem na medida uma forma de ajudar no combate à lavagem de dinheiro por essas firmas.

Se a norma já estivesse em vigor, a Operação Lava Jato teria mais facilidade para identificar, por exemplo, quem são os verdadeiros donos das empresas offshore criadas pela panamenha Mossack Fonseca, alvo da 22ª fase da investigação, supostamente para lavar dinheiro de corrupção da Petrobras. No cenário atual, para cada firma descoberta será necessário uma investigação mais aprofundada que pode ou não levar aos verdadeiros donos. “Ação ao portador é a lavagem de dinheiro em pessoa”, disse ao Estado um dos responsáveis pela elaboração da nova norma, que deve ficar pronta até março deste ano.

Uma das offshores abertas pela firma panamenha, a Murray Holdings LLC, comprou um tríplex no Guarujá (SP) no mesmo condomínio Solaris onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria um imóvel. A documentação registrada na Receita Federal brasileira só permite saber que a empresa foi aberta em Las Vegas, Estado de Nevada, nos Estados Unidos. Apenas a Mossack tem as informações completas sobre os beneficiários finais.

 

Demora. A exigência de se identificar os controladores de offshores parece algo simples de ser colocado em prática, mas a discussão se arrasta no governo há 12 anos no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), organismo que reúne mais de 60 órgãos.

O tema é considerado complexo porque, segundo apurou o Estado, autoridades financeiras do governo temiam que a exigência provocasse fuga de capital estrangeiro do Brasil.

Com o passar dos anos, vários países adotaram esse tipo de norma e as resistências no País foram superadas. Tanto que em 2009, o Banco Central obrigou instituições financeiras a exigirem a informação do beneficiário final ao iniciar relação com pessoa jurídica.

Não há, contudo, mecanismo eficiente para acesso rápido a essa informação pelos órgãos de fiscalização e persecução penal. “Agora a discussão é sobre como se dará a exigência dessa informação quanto à constituição da sociedade”, explicou um dos envolvidos no trabalho.

A partir desse entendimento, a discussão saiu da Enccla e hoje é feita por um grupo menor formado por Receita, BC e Comissão de Valores Mobiliários, que regulamenta o mercado de capitais. O Uruguai e o Panamá já aprovaram a exigência do registro do proprietário real.

Hoje, para poder operar no Brasil, as offshores pedem à Receita Federal um CNPJ.  Preenchem um cadastro para se habilitar a ter o registro sem o qual não conseguem fazer nenhum tipo de negócio no País. A Receita já incluiu no cadastro um campo para ser preenchido com a identificação do beneficiário final da offshore.

Mas, sem a vigência da norma, não há punição em caso de informação incorreta. Em muitos casos, o representante apresentado como beneficiário final da empresa é um “laranja”.

O Estado apurou que será obrigatório o registro de todos os nomes dos sócios. Caso a informação seja omitida, a offshore será proibida de operar no País.

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Recursos de aliados tentam retroceder processo contra Cunha

Vice-presidente da Casa analisa representação hoje; outros dois requerimentos questionam condução de ação no Conselho de Ética

Por: Daiene Cardoso

 

Na volta aos trabalhos legislativos nesta semana, aliados do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) apostam na análise de um recurso que tem potencial de fazer retroceder o processo por quebra de decoro parlamentar em trâmite no Conselho de Ética contra o peemedebista. O recurso foi protocolado pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS) e deve ser analisado hoje pelo vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA).

Se o recurso for deferido por Maranhão, a votação do parecer prévio é anulada e o processo volta à fase de discussão do relatório do relator Marcos Rogério (PDT-RO). Segundo a Secretaria Geral da Mesa Diretora, não caberá recurso da decisão de Maranhão. A orientação dos técnicos da Casa contraria a estratégia do presidente do Conselho José Carlos Araújo (PSD-BA), que já vislumbrava a possibilidade de apresentar recurso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

Ligado a Cunha, Waldir Maranhão tem histórico de favorecer o peemedebista em situações onde a Mesa Diretora é chamada a arbitrar. Foi dele a decisão monocrática de destituir o relator Fausto Pinato do caso. “Vou analisar as coisas com isenção. Não tem pressão”, respondeu Maranhão ao Broadcast Político.

Três recursos foram apresentados na Casa questionando a condução da ação disciplinar no colegiado, mais especificamente a não concessão de vista ao relatório preliminar do deputado Marcos Rogério, que pediu a continuidade do processo. No recurso encaminhado à Mesa Diretora, Marun pede a garantia de vista processual e que sejam declarados nulos “todos os atos eventualmente praticados após a negativa” da solicitação. “Não há razoabilidade em entender que o relatório do Marcos Rogério é o mesmo de Fausto Pinato (PRB-SP). Não há como não se garantir ao parlamentar direito a vista”, alega Marun.

 

Supremo. Outros dois requerimentos aguardam a apreciação na CCJ: um também de autoria de Marun e outro da defesa de Cunha. Como Cunha pretende aguardar a manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a análise dos embargos de declaração do julgamento do rito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff para depois autorizar a instalação das comissões permanentes na Casa, não há previsão de quando a CCJ se reunirá para apreciar os recursos.   Caso Maranhão não conceda o pedido de Marun (o que não é esperado pelos aliados de Cunha), só a CCJ terá o poder de barrar ou retardar o processo contra o peemedebista.

 

Contas. Alvo da Lava Jato, Cunha é investigado por manter contas secretas no exterior e acusado de receber propina de US$ 5 milhões no esquema de corrupção na Petrobrás.

Segundo reportagens da revista Época e do jornal Folha de S. Paulo, dois empresários da Carioca Engenharia – Ricardo Pernambuco e Ricardo Pernambuco Júnior – afirmaram em acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República que pagaram um total de U$ 3,9 milhões em propinas ao presidente da Câmara em ao menos cinco novas contas o exterior.

Conforme a investigação, o peemedebista cobrava propina para liberar dinheiro do FIFGTS para empresas, incluindo a Carioca Engenharia. A PGR já teria reunido provas de R$ 52 milhões em propina. O peemedebista nega as acusações.

 

PARA LEMBRAR

Eleito há 1 ano

Exato um ano após ser eleito presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) retoma hoje os trabalhos na Casa. Investigado pela Lava Jato, o peemedebista tem pela frente a perspectiva de lidar com investigações de contas ligadas a ele no exterior e as possibilidades de afastamento e cassação.

Órgãos relacionados: