O Estado de São Paulo, n. 44.666, 01/02/2016. Política, p. A6

O vetor da corrupção

Por: José Roberto de Toledo

 

Ele costuma ser simpático, sorriso fácil, sempre prestativo. Se o hospedeiro precisa ir a algum lugar com rapidez, ele arruma um helicóptero. Se é mais longe, um jatinho. Se o outro quer relaxar, ele descola uma casa na praia, uma fazenda para pescar, um apartamento em Paris. Ele se antecipa e descobre qual uísque o hospedeiro gosta de beber, o que sua mulher gosta de comer e em qual cidade a ex-amante do hospedeiro gostaria de morar.

Ele também entende tudo de reformas: casa na praia, sítio de lazer, cozinha gourmet - seja o que for, tem sempre um conhecido que pode fazer o projeto e tocar a obra "sem custos". Ainda arruma emprego, sócios ou clientes para os filhos do hospedeiro.

É fazendo favores, gerando oportunidades e apresentando pessoas que o vetor se aproxima de seu alvo. Cria intimidade e, no passo seguinte, cumplicidade. Divide segredos. Ganha confiança.

Ele tem muitos nomes: intermediário, facilitador, lobista. Mas - em tempos de zika, dengue e chikungunya - pode ser chamado também de "Aedes corruptus". Como um mosquito, ele é o vetor da corrupção. Vive de sugar o sangue alheio e espalhar o vírus "uma mão lava a outra", o "toma lá dá cá" e o "15% é pro partido".

Em época de eleição, vira arrecadador de campanha. Se não tiver outro jeito, doa do próprio bolso, mas prefere passar o chapéu entre empresários. Assim, suga dois com uma picada só: fica com crédito junto ao hospedeiro e ainda prospecta futuros clientes.

Estabelecida a confiança mútua, o hospedeiro está infectado: pode pretender ignorar, não apresentar sintomas, chamar o vetor de amigo, mas, conscientemente ou não, será usado para propagar a doença. O "Aedes corruptus" vai explorar sua proximidade com os poderosos para fechar negócios. Vai se gabar de ter acesso fácil para vender serviços - que pode ou não entregar.

É um aspecto singular do contágio. Basta ao mosquito saber antes o que o hospedeiro fará para vender como obra sua algo que já é certo mas ainda não foi anunciado. Os clientes estão tão acostumados à corrupção que, numa projeção de si próprios, julgam que tudo só acontece se engraxam a mão de alguém. O "Aedes corruptus" conhece sua clientela, e usa isso a seu favor.

Se detectar dúvida, pode cometer uma indiscrição para provar que convive com a família do poderoso infectado. Mostra no celular para o potencial cliente uma foto dele com o hospedeiro, conta um causo do último encontro, revela apelidos de família.

Quando a doença se alastra e o hospedeiro deixa de ser assintomático, o vetor muda de status e vira operador. Começa a intermediar nomeações, distribuir comissões e montar sociedades. Aumenta, porém, o risco de ser descoberto. Se é pego pelas autoridades sanitárias, é o primeiro a delatar. Entrega todo mundo, abranda sua pena e fica com parte do que ganhou. Enquanto isso, o hospedeiro enfraquece e, às vezes, morre, politicamente.

Podem achar que o mosquito acabou, mas ele só está buscando um novo vírus para transmitir. Se ficou manjado como vetor federal, vai traficar no local. Se não der para ele, vai dar para outros de sua espécie. Sempre haverá "Aedes corruptos" zunindo por aí.

A corrupção é endêmica no Brasil. Infecta tantas pessoas que se tornou o comportamento normal - com variações sazonais e espaciais, mas dentro do máximo esperado. Surtos epidêmicos são raros, porém, ocorrem. E sempre na mesma ocasião: quando há troca em massa no poder e uma nova população sem anticorpos vira alvo do "Aedes corruptus". A propagação, aí, costuma ser explosiva, muito além do desvio padrão. É a festa do mosquito.

 

Leia mais em:

http://digital.estadao.com.br/home.asp

_______________________________________________________________________________________________________

Ex-acessor falava do Bandeirantes com investigados

Ex-chefe de gabinete da Casa Civil do governo Alckmin é flagrado em grampos tratando com suspeitos de esquema de fraudes na merenda

Por: Fausto Macedo / Pedro Venceslau

 

Interceptações da Operação Alba Branca indicam que Luiz Roberto dos Santos, o Moita, então chefe de gabinete de Edson Aparecido, secretário chefe da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin (PSDB), conversava com suspeitos de participar de um esquema de fraudes na merenda escolar de sua sala no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Santos foi flagrado no grampo da Polícia Civil várias vezes dizendo a interlocutores que falava do Bandeirantes.

Relatório policial mostra que ele mantinha sucessivos contatos ao celular, de seu próprio gabinete, com integrantes da organização sob suspeita de fraudar licitações e superfaturar produtos agrícolas e suco de laranja destinados à merenda escolar da rede pública.

Um dia antes de a Alba Branca ser deflagrada, em 19 de janeiro, Santos foi demitido do cargo de confiança que ocupava. O secretário Edson Aparecido o devolveu à função de origem na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

Boa parte dos grampos flagra o ex-chefe de gabinete orientando o lobista Marcel Ferreira Júlio, apontado como operador de propinas da organização que se infiltrou em pelo menos 22 prefeituras paulistas e mirava em contratos da Secretaria da Educação do Estado. Ele fala sempre de um celular e diz que está “no Palácio”.

O dossiê da Alba Branca indica o campo de ação do investigado. Segundo as investigações, Santos age diretamente para atender os interesses da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), apontada como carro-chefe da fraude.

O presidente da Coaf, Cassio Chebabi, confessou à Polícia e ao Ministério Público como era o trabalho de “cooptação” de gestores municipais e que as propinas pagas eram equivalentes a 10% sobre o valor dos contratos. Segundo ele, “quando a Coaf atrasava (as comissões), devido a dificuldades financeiras, eram feitas retaliações e ameaças”.

“As apurações demonstraram que Marcel trabalhou em duas frentes para a Coaf. A primeira, num contrato firmado com a Secretaria de Educação do Estado, onde aparentemente se deu a participação de ‘Moita’, e a segunda, em contratos firmados com Prefeituras”, afirma o relatório policial.

 

Escutas. Numa interceptação de 4 de dezembro do ano passado, o então assessor de Edson Aparecido sugere a Ferreira Júlio que ele peça o reequilíbrio financeiro de contrato de merenda, e não aditamento. Santos contou que tinha falado antes com Fernando Padula, na época chefe de gabinete da Educação, de quem disse ter recebido a orientação. Em entrevista ao Estado na semana passada, Padula negou ter feito a sugestão.

“As interceptações trouxeram a lume a participação no esquema dos indivíduos apontados como ‘Moita’ e ‘Alex’”, destaca o inquérito. “Marcel menciona mais de uma vez que Alex, que seria da executiva do PMDB, iria fazer o primeiro contato com prefeitos para depois a prefeitura ser visitada pelos vendedores da Coaf. A partir daí, o órgão público é visitado, já com a proposta da comissão, negociada de acordo com o valor do contrato pactuado.” O relatório assinala que “os valores enviados em espécie para Marcel pelo vendedor César (Bertholino, também investigado no caso) se deu em razão do contrato firmado entre a Coaf e a Secretaria de Educação”.

O documento, de 7 de janeiro, é subscrito pelos delegados de polícia Mário José Gonçalves, presidente do inquérito, Paulo Roberto Montelli e João Vitor Silvério.

“Sobre este tema o investigado Marcel se refere diretamente ao indivíduo apontado como ‘Moita’ e conversa com ele sobre o assunto. As informações trazidas por eles mesmos nas conversas se trata de Luiz Roberto dos Santos, atual chefe de Gabinete da Casa Civil de São Paulo, conhecido também por ‘Luiz Moita’, o qual demonstra nas conversas interceptadas saber e interferir nos assuntos de interesse da Coaf e que estaria agindo diretamente num contrato da cooperativa com o Estado, cujo reajuste de preço deveria ser tratado como reequilíbrio financeiro”, continua o documento.

Segundo a Polícia, os grampos “demonstram que Moita mostra claramente estar íntimo de César e que se imiscui, profundamente, nos assuntos da Coaf”. Procurado, o ex-chefe de gabinete da Casa Civil do governo Alckmin Luiz Roberto dos Santos não retornou contatos da reportagem. Os outros citados não foram localizados.

 

Moita

“‘Luiz Moita’ demonstra nas conversas interceptadas saber e interferir nos assuntos de interesse da Coaf e que estaria agindo diretamente num contrato da cooperativa com o Estado, cujo reajuste de preço deveria ser tratado como ‘reequilíbrio financeiro’.”

TRECHO DE RELATÓRIO DA POLÍCIA CIVIL, DE 7 DE JANEIRO, SOBRE AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DA OPERAÇÃO ALBA BRANCA

_______________________________________________________________________________________________________

Secretário da Casa Civil cobra apuração interna do PSDB

Edson Aparecido afirma que o partido ‘precisa se posicionar’; segundo ele, a indicação de seu ex-chefe de gabinete foi da legenda

Por: Pedro Venceslau / Rodrigo Burgarelli 

 

O secretário-chefe da Casa Civil Edson Aparecido, do governo Geraldo Alckmin, cobrou que o PSDB faça uma apuração interna sobre seu ex-chefe de gabinete Luiz Roberto Santos, o Moita, apontado nas investigações da Operação Alba Branca como beneficiário de propina no esquema de superfaturamento na venda de produtos agrícolas para merenda de escolas de prefeituras e do Estado.

“O PSDB precisa se posicionar. Da nossa parte, o que tinha que ser feito nós fizemos e o caso está na Corregedoria”, disse Aparecido ao Estado.

Quase duas semanas depois da deflagração da operação, a legenda do governador Alckmin ainda não abriu ou sinalizou que abrirá procedimento interno em sua comissão de Ética para avaliar o caso.

Nas gravações interceptadas pela Polícia Civil, o ex-assessor, que é um militante histórico do PSDB, tenta reiteradas vezes demonstrar que tem trânsito livre no Palácio dos Bandeirantes. “O envolvimento dele foi uma surpresa completa.

O ‘Moita’ tinha um papel burocrático na secretaria. Ele era responsável pelo trânsito do papel e não tinha interlocução nenhuma com o governador e os secretários. Ele nunca nem entrou no gabinete do governador”, afirma Edson Aparecido. Segundo ele, a indicação de Santos para o cargo foi “do partido”.

 

Passado. A história de Santos no PSDB começou nos primórdios do partido, em 1988, quando a sigla foi fundada e ele ingressou na juventude tucana na Baixada Santista, onde era correligionário do ex-governador Mário Covas (1995/2001). Nascido em Mongaguá, ele tornou-se rapidamente um importante quadro do partido na região.

Apontado como “bonachão” e “engraçado” pelos colegas tucanos, ele viveu seu apogeu político na gestão anterior de Alckmin, quando foi chefe de gabinete do secretário de Transportes, Jurandir Fernandes. Depois de flagrado nas escutas da Operação Alba Branca, Santos foi exonerado da Casa Civil e voltou para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), onde é funcionário de carreira há 16 anos.

Santos não respondeu aos contatos. A reportagem não conseguiu localizar o presidente estadual do PSDB, deputado Pedro Tobias. Questionado sobre o caso de Santos, o vereador Mário Covas Neto, presidente do PSDB municipal, afirmou que o mais prudente é esperar o fim da investigação pelos órgãos competentes para que o partido depois se posicione.

“Está se avançando um pouquinho o sinal, a condenação ainda não aconteceu. Uma acusação não faz uma pessoa ser condenada. Conheço o ‘Moita’ e tenho dele as melhores impressões do mundo”, disse. /P.V. E RODRIGO BURGARELLI

 

PARA LEMBRAR

Outros tucanos foram citados

Cássio Chebabi, presidente da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), apontou em depoimento aos investigadores da Operação Alba Branca o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), e o secretário de Estado de Logística e de Transportes Duarte Nogueira (PSDB) como supostos beneficiários de propina sobre contratos da Secretaria da Educação. A Coaf é investigada como centro do esquema de venda superfaturada de alimentos e suco de laranja destinados à merenda escolar. Chebabi disse no depoimento que o lobista Marcel Ferreira Júlio, ligado ao vendedor da Coaf César Augusto Lopes Bertholino, informou em 2014 que seria preciso pagar “comissão de 10% para certas autoridades” – apontadas por ele como sendo Capez e Duarte Nogueira – como condição para celebrar contrato com o governo paulista. Capez negou taxativamente qualquer ligação como esquema investigado. Duarte Nogueira também negou envolvimento e se disse “estarrecido” coma acusação. Eles afirmaram que não conhecem a Coaf.