O Estado de São Paulo, n. 44.6710, 10/02/2016. Economia, p. B1

Mesmo sem entregar BR-163, governo promete ferrovia de R$ 10 bi para grãos

Infraestrutura. Plano prevê que a ‘Ferrogrão’ siga o traçado da rodovia, ligando o Mato Grosso ao Pará; promessa era de que a BR-163 estaria asfaltada até 2015, mas, sem a pavimentação, soja continua a ser exportada por Paranaguá (PR) e Santos (SP)

Por: André Borges/ Lu Aiko Otta/ Victor Martins

 

Sem conseguir entregar a pavimentação de uma rodovia que promete revolucionar o escoamento de grãos do País, a BR-163, o governo decidiu agora assumir um compromisso bem mais complicado: construir uma ferrovia de 1.140 quilômetros, estimada em R$ 10 bilhões, bem ao lado do traçado da estrada.

O plano prevê que os trilhos comecem a ser lançados em Lucas do Rio Verde, no coração da soja do Mato Grosso, e avancem rumo ao norte do País, até chegarem em Itaituba, no Pará, onde está em construção um polo logístico, nas margens do Rio Tapajós.

Na semana passada, o governo sinalizou que não pretende transformar a “Ferrogrão” em mais um plano logístico mirabolante e fixou um pagamento de R$ 33,791 milhões para o consórcio Estação da Luz Participações (EDLP), que elaborou estudos técnicos para apoiar a elaboração do edital e do leilão da ferrovia.

A avaliação oficial é de que o produtor rural passaria a ter duas opções para escoar sua carga, a rodovia e a ferrovia, para chegar aos portos da região Norte do País. Por meio dos rios amazônicos, o caminho ficará mais curto e, consequentemente, mais barato. A realidade atual, porém, é bem diferente.

 

Vida real. Para os produtores da região, a promessa era de que a BR-163, em seu trecho paraense, estaria asfaltada até o fim do ano passado e, diante dessa expectativa, o planejamento era escoar a maior parte da produção do Mato Grosso por esse caminho.

As condições da estrada, no entanto, não permitiram que essa estratégia se realizasse e as principais saídas continuarão a ser os Portos de Paranaguá (PR) e Santos (SP), a mais de 2 mil km de distância.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Brasil (Aprosoja), Almir Dalpasquale, afirmou ainda que o escoamento da produção não evoluiu em relação à safra passada. “Vamos continuar a escoar a maior parte dos grãos por caminhões, pelos portos do Sudeste e Sul. O governo não cumpriu a promessa de entregar a BR-163 ao menos asfaltada e maior parte da produção não vai sair pelos portos do Arco Norte, como planejávamos”, afirmou.

Dados do Ministério da Agricultura apontam que, mesmo com todas as dificuldades, o agronegócio tem buscado as rotas do Norte.

Há cinco anos, 8% do total de soja e milho destinado ao mercado internacional saia pela região. No ano passado, os embarques chegaram a 20%. A maior parte desse volume, no entanto, foi obrigada a sair por outras vias que não a BR-163.

Entre a promessa de uma nova ferrovia e a conclusão da estrada, os produtores cobram a solução mais imediata, que é a conclusão do asfaltamento da BR-163.

A obra foi retomada e, até agora, estava a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Porém, o trecho foi incluído na lista de vias a serem concedidas na segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL), anunciado em meados de 2015. A entrada da rodovia no plano de concessões foi o argumento que faltava ao Dnit para deixar de lado as obras, que vinham dragando os poucos recursos que a autarquia ainda detém.

O setor privado não abre mão do apoio estatal. “Queremos que os contratos do Dnit sejam mantidos e depois repassados ao concessionário”, disse o presidente /executivo da Associação Nacional de Usuários de Transportes (Anut), Luis Henrique Teixeira Baldez.

 

Pedágio. Além da interrupção das obras, os transportadores estão preocupados com o valor da tarifa de pedágio prevista para a rodovia, depois de concedida. A proposta do governo prevê tarifa de até R$ 22,30 na praça de Novo Progresso (PA). Se percorrer todo o trecho concedido, o gasto chegará a R$ 98,10. Esses são preços para carros de passeio, mas caminhões pagarão mais.

Além disso, os valores são de janeiro de 2015. Atualizado, o gasto nas sete praças de pedágio previstas no trecho chega a R$ 110,00.

O governo calculou um preço alternativo, mais baixo, considerando que haverá redução do tráfego caso a ferrovia seja mesmo construída. Nesse caso, o pedágio máximo passará de R$ 10,05 para R$ 9,73 para cada 100 km. “É praticamente o mesmo preço”, disse Baldez.

A Anut pretende propor ao governo que reveja totalmente o modelo dessa concessão. A entidade defende que a previsão de duplicar o trecho seja excluída do cálculo da tarifa, o que reduziria o preço a praticamente metade. O contrato contemplaria um gatilho, que seria acionado em caso de a demanda aumentar demais.

O governo já sinalizou que esse deve ser mesmo o caminho a ser seguido. “Do jeito que está, o usuário está pagando por uma duplicação que pode ficar ociosa”, disse Baldez. “É jogar dinheiro fora.”

Procurado pela reportagem, o Ministério dos Transportes não se manifestou até o fechamento desta matéria.

 

Portos do Norte

‘O governo não entregou a BR-163 e a maior parte da produção não vai sair pelos portos do Arco Norte’

Almir Dalpasquale

PRES. DA APROSOJA

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Pedágio caro pode complicar novas concessões

Por: Lu Aiko Otta

 

Tal como na primeira rodada de concessões, o custo elevado do pedágio poderá forçar o governo a rever as condições dos projetos que integram a segunda versão do Programa de Investimentos em Logística (PIL). O aumento do custo de crédito e a necessidade de atrair empreendedores mesmo num cenário de incertezas na economia levaram à fixação de tarifas mais elevadas nessa segunda rodada.

“Não estamos de acordo com as tarifas”, disse o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), referindo-se à chamada Rodovia do Frango, um conjunto de trechos em Santa Catarina e no Paraná que será o próximo a ser leiloado pelo governo.

Uma frente de parlamentares catarinenses já esteve duas vezes com o ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues, para pedir a revisão dos preços. “Vamos retomar as negociações depois do carnaval”, informou o deputado.

Há praças de pedágio nessa rodovia onde a tarifa máxima superará os R$ 14,00. Isso criará uma situação de discrepância com outras vias da região, mesmo concedidas, nas quais as tarifas são bem menores. Essa diferença de preços é vista como uma tributação adicional sobre os Estados onde há a concessão. Uma proposta em discussão pelo setor privado daquela região é fixar uma tarifa padrão para todas as rodovias, na faixa de R$ 5,00 para cada 100 km.

O preço elevado é também o que preocupa os usuários da BR-163 entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). “O governo precisa abandonar a ideia que concessão é para fazer obras”, disse o presidente executivo da Associação Nacional dos Usuários de Transportes (Anut), Luis Henrique Teixeira Baldez. “Concessão é para dar aos usuários uma estrada de qualidade”.

O novo Programa de Investimento em Logística (PIL 2), lançado em junho do ano passado, prevê investimentos de R$ 66 bilhões em novas concessões de rodovias. Inicialmente previa-se fazer quatro leilões de rodovias em 2015: o lote da rodovia do frango; a BR-364 (GO/MG); a BR-364/060 (MT/GO); e BR-163 (MT/PA). Ficou tudo para este ano. Consequentemente, outros 11 trechos de rodovias previstos para serem leiloados em 2016 devem ficar para 2017 e 2018. /L.A.O.

 

Obras

“O governo precisa abandonar a ideia que concessão é para fazer obras.”

 

“Queremos que os contratos do Dnit sejam mantidos e depois repassados ao concessionário.”

Luis Henrique Teixeira Baldez

PRESIDENTE EXECUTIVO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS USUÁRIOS DE TRANSPORTES (ANUT)