O globo, n. 30138, 11/02/2016. Economia, p. 20

MÍRIAM LEITÃO

COM ALVARO GRIBEL ( DE SÃO PAULO)

 

Ressaca americana

 

Os primeiros movimentos da campanha americana mostram que há um fenômeno econômico por trás das vitórias parciais de Donald Trump e Bernie Sanders. Os dois vendem sonhos num país que ainda está em ressaca da crise. Os americanos não se recuperaram das perdas econômicas e financeiras do subprime. Mesmo crescendo, não há mais a exuberância da bolha de consumo.

Milhões de americanos viveram, na crise de 2008, a pressão dos bancos credores, o susto de hipotecas que ficaram impagáveis e até o trauma do despejo. Apesar de o país estar crescendo, e com desemprego abaixo de 5%, a euforia foi perdida. O sentimento está no eleitorado dos dois partidos este ano. Trump e Sanders têm discursos, histórias e posturas bem diferentes, mas ambos são considerados fora do eixo central dos partidos. Trump é um forasteiro na política e fez sua vida como construtor e fenômeno midiático. O senador Sanders é político profissional, mas sempre esteve à esquerda de seu partido.

New Hampshire é a primeira primária, porque Iowa é um caucus, um sistema antigo de escolha de delegados. Os dois são estados pequenos e que oscilam (swing states) entre um e outro partido. É muito cedo ainda para qualquer projeção, mas tanto Trump quanto Sanders foram além do que se imaginava no início.

Trump chegou com um discurso tão cheio de impropriedades e tão ofensivo às minorias que nem o Partido Republicano achou que ele iria adiante. Uma parte do eleitorado republicano tem sido capturado pelo discurso de “trazer a América de volta” ou “fazer a América maior”. Uma parte dos democratas foi atraída pelos sonhos de universidade gratuita, que os poupe do altíssimo custo do ensino superior, e também pela difusa ideia do socialista Bernie Sanders de taxar a “especulação”.

Os dois fenômenos são ressaca da grande crise de 2008. Os americanos viveram a euforia da bolha e, depois, o estouro se transformou na pior crise financeira desde a depressão. Na ciranda, o endividamento parecia ser aumento do patrimônio, e a classe média viveu o efeito riqueza.

No auge da crise do subprime, o presidente Barack Obama foi eleito e foi tirando lentamente o país de perto do abismo. Os Estados Unidos chegaram a ter 10% de desemprego, e a taxa de janeiro deste ano ficou em 4,9%. Ela não era tão baixa desde fevereiro de 2008. Na sociedade, a sensação de melhora não é unânime, e isso é explorado por Trump. No seu discurso em New Hampshire, ele perguntou: “alguém acredita nesses 5% de desemprego? Eu vou ser o presidente do emprego”. A questão é que muita gente voltou a se empregar, mas sem o status e as perspectivas de antes.

A inflação está baixa, em 0,7%. Em 2015, o PIB cresceu 2,5%, mas ontem Janet Yellen, do Fed, disse que o ambiente está menos favorável ao crescimento. Obama conseguiu ampliar os investimentos em novas fontes de energia. Outra promessa entregue foi o Obamacare. O programa de saúde parecia ameaçar sua reeleição, mas se firmou apesar de toda a controvérsia que ainda persiste nos Estados Unidos.

As próximas primárias, em Nevada e Carolina do Sul, e as da superterça, no dia primeiro de março, é que dirão qual o verdadeiro fôlego de Donald Trump, pelos republicanos, e de Bernie Sanders, pelos democratas. Ainda não se encontrou candidato com viabilidade eleitoral pelos republicanos, por isso a cúpula do partido vibrou com o segundo lugar em New Hampshire do governador de Ohio, o moderado John Kasich, que, contudo, está em sexto nas pesquisas. No partido Democrata, Hillary Clinton tem viabilidade apesar do susto em Iowa e da derrota acachapante em New Hampshire, por 60% a 38%. A situação ficou pior entre os jovens, em que 83% escolheram Sanders e só 16% apoiaram Hillary. Ela perdeu até entre as mulheres.

Se Hillary for a candidata e chegar à Casa Branca será novidade em vários aspectos. Nunca antes naquele país uma ex- primeira- dama concorreu à Presidência, nunca uma mulher foi escolhida nas primárias e, portanto, nunca foi eleita. Só duas vezes na história o partido Democrata ganhou um terceiro mandato consecutivo. A última fez foi nos anos 1940 quando Harry Truman sucedeu a Franklin Delano Roosevelt. Mas tudo ainda é incerto nesta eleição que surpreende desde a largada.

 

Os pontos- chave

Ressaca da crise está alimentando sentimentos dos dois lados do eleitorado americano

País voltou a crescer e derrubou o desemprego, mas não voltou à euforia da época da bolha

Trump e Sanders são diferentes

 

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