Título: Resistência contra Morales
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 02/10/2011, Opinião, p. 20
Não constava da previsão mais pessimista que Evo Morales, eleito em 2005, enfrentaria grave crise política, como agora, desatada pelos núcelos nativistas, socialistas, sindicalistas e ambientalistas que o conduziram à Presidência da Bolívia. Ele próprio egresso da etnia uru-aimará, sua ascensão ao poder foi obsequiada com o voto de 36 nações indígenas. Devoto do cesarismo chavista, Morales ocupou-se em implantar no país o "socialismo bolivariano do século 21". Como Chávez, na Venezuela, arrecadou o apoio da maioria títere do Legislativo para reformar a Constituição (2009). Colheu, assim, o direito de postular a reeleição ad eternum.
Enquanto se obstinava em alcançar mais poderes autoritários, Morales desviou o curso da atuação política no sentido oposto às aspirações expressas no manifesto das urnas. Deu as costas às comunidades autóctones (índios), sobretudo as distribuídas sobre solos amazônicos, cujo apoio foi decisivo para elegê-lo. Indignadas com rodovia que corta o Parque Nacional de Isoboro Sécure, de 1,1 milhão de hectares, as tribos Yucacaré, Chimán e Mojeño, ocupantes da área desde sempre, levantaram-se em protesto.
Com absoluto desprezo às origens, Morales mandou sufocar a qualquer custo a reação dos manifestantes. A ação dos agentes repressores trouxe de volta o cenário de violências comum nas ditaduras que enxovalharam a história política boliviana. Humilhados e espancados (uma criança foi morta) com brutalidade extrema, as vítimas acorreram ¿ acorrem ainda ¿ ao centro de La Paz para bradar contra o governo, denunciá-lo por opressão desmedida e exigir a suspensão da estrada. Ante a comoção nacional que se seguiu à conduta tirânica do presidente, quatro integrantes do gabinete ministerial pediram demissão, inclusive a ministra da Defesa, Cecília Chacón.
Como fagulha a acender o rastilho da indignação popular, o enérgico posicionamento indígena animou outros segmentos sociais a saírem às ruas. Sob a liderança da Central Operária Boliviana (COB), milhares de trabalhadores passaram a cobrar em reuniões públicas ajustes salariais objeto de acordos com o governo e não efetivados. Morales está acuado, mas disposto a seguir em frente. Às populações tribais amazônicas respondeu com a parada provisória na construção da rodovia, sem o compromisso de mudar-lhe o traçado para atendê-las. Vai submeter a solução do problema a plebiscito.
Estremecido pela resistência da sociedade ao arbítrio, o bolivariano de La Paz avança para o centro de tormenta política que pode desestabilizá-lo e abortar o projeto de reeleição. A conveniência da construção da rodovia, que é financiada com dinheiro brasileiro, não pode ser invocada para justificar ataques bárbaros a grupos contrários à iniciativa. A grave violação de direitos humanos mereceria, ao menos, repreensão do Mercosul e da Organização dos Estados Americanos (OEA).