O globo, n. 30156, 29/02/2016. Economia, p. 15

Petrobras volta a acompanhar petróleo na Bolsa

Por: RENNAN SETTI

 

RENNAN SETTI

rennan.setti@oglobo.com.br

 

As últimas semanas lembraram aos investidores da Petrobras um fato quase esquecido: a estatal é uma petrolífera. Durante dois anos, graças ao turbilhão da Operação Lava- Jato, os papéis da companhia foram jogados em uma ciranda política, reagindo muito mais a notícias procedentes de Brasília e Curitiba do que à geopolítica do Oriente Médio. Embora a sensibilidade aos trâmites do poder nunca vá abandonar a estatal por completo, analistas são unânimes em afirmar que, nesse início de 2016, o que deu o tom ao comportamento da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) foi a montanha- russa da cotação da commodity.

A correlação mais acentuada entre o comportamento da Petrobras na Bolsa e a curva do petróleo se confirma nos números. O analista gráfico da corretora Clear Raphael Figueredo constatou, em estudo feito a pedido do GLOBO, um salto no nível de “relacionamento” entre as duas variáveis este ano, na comparação com o mesmo período de 2015. Em uma escala de 0 a1, a correlação entre as cotações foi de 0,52 este ano. No início do ano passado, era de apenas 0,03. Quanto mais próximo de 1, mais forte é a relação.

— Isso significa que 52% da variação do preço do petróleo tiveram impacto sobre as ações da Petrobras este ano. Em 2015, a influência era quase nenhuma! — afirma o analista. ‘

 

A EMPRESA ESTAVA LARGADA’

Figueredo utilizou como parâmetros a ação preferencial da Petrobras ( sem direito a voto), que é a mais negociada na Bolsa, e o barril de petróleo do tipo WTI, negociado em Nova York. Apesar de a Petrobras usar como referência o Brent, o analista ressaltou que a curva de evolução dos dois tipos de óleo é praticamente igual. O estudo considerou, para os dois anos, as cotações até 23 de fevereiro e apenas dos dias em que houve negociação tanto do WTI como dos papéis da Petrobras.

O analista lembra que, no começo de 2015, a petrolífera se encontrava em um grande impasse. Em primeiro lugar, a companhia ainda não havia publicado o balanço financeiro auditado referente ao terceiro trimestre de 2014. Após dois adiamentos, a Petrobras frustrou o mercado ao divulgar, no fim de janeiro, números que não contabilizavam as perdas com corrupção e não tinham o aval da auditora PwC ( o documento auditado só viria em abril). A então presidente da petrolífera, Graça Foster, enfrentava diariamente rumores de que deixaria o cargo — o que ocorreu no início de fevereiro. Alguns dias depois, Aldemir Bendine foi recebido com desconfiança pelos investidores por ter vindo de outra estatal, o Banco do Brasil.

— A empresa estava largada. Isso afastou os investidores, sobretudo os estrangeiros. Além disso, a Petrobras tinha premissas de preço para o petróleo congeladas, em descompasso com o mercado — acrescenta Figueredo. — Tudo isso fez com que a Petrobras operasse praticamente fora do contexto para o petróleo naquela época.

 

CENÁRIO AINDA INCERTO PARA O BARRIL

Hoje, tanto a Petrobras como o petróleo estão em um outro momento, o que explicaria uma correlação maior entre os dois.

Primeiro porque, este ano, a commodity se tornou o centro das ansiedades dos investidores de todo o mundo, não só dos acionistas da Petrobras. Em um sintoma do crescente temor quanto à economia global e ao excesso de oferta de petróleo, em 20 de janeiro, o barril do tipo Brent ficou abaixo dos US$ 28 pela primeira vez desde 2003. Thiago Biscuola, economista da RC Consultores, observa que o fim do ciclo de incentivo monetário nos EUA no último ano valorizou o dólar, o que também acabou depreciando as commodities.

Em fevereiro, Arábia Saudita, Rússia, Qatar e Venezuela concordaram em congelar sua produção de petróleo no patamar de janeiro, desde que outros países façam o mesmo, o que proporcionou uma certa recuperação nos preços. O governo russo afirmou que a medida entraria em vigor amanhã, 1 º de março. Biscuola, no entanto, acha pouco provável que isso se concretize plenamente:

— O mercado está mais pulverizado. Se você deixa de produzir, alguém vai vender no seu lugar. Os EUA ainda vão virar exportadores, por exemplo. O petróleo está buscando um patamar, mas deve ficar pelos US$ 30 ou US$ 40 a médio prazo.

Para Bruno Piagentini, da Coinvalores, isso dificulta a venda de ativos pela Petrobras. O objetivo era vender US$ 15,1 bilhões entre 2015 e 2016, mas, até agora, só foram US$ 700 milhões.

— Para a Petrobras, o preço do petróleo se tornou preponderante, porque a venda de ativos que a companhia está promovendo é parte central em sua estratégia para reduzir seu imenso endividamento. A pressão sobre o valor do barril dificulta a geração de caixa com a venda desses ativos — diz Piagentini.

Biscuola, da RC, acrescenta que também é preponderante para a Petrobras a viabilidade dos projetos de exploração, sobretudo os do pré- sal, que acabam sendo comprometidos pela queda da commodity. Segundo Piagentini, a exploração do pré- sal se paga com o barril de óleo equivalente pelo menos acima dos US$ 45 ( embora a tendência, no futuro, é que esse custo diminua). Hoje, o Brent está na casa dos US$ 35, e o WTI, na dos US$ 32.

 

BENEFÍCIO PARA O INVESTIDOR

A questão da viabilidade é mais preponderante que o fato de a Petrobras ganhar muito hoje com a venda de combustível dentro do Brasil, cujo preço não foi reduzido após o tombo da commodity. Segundo Biscuola, a gasolina pura no Brasil custa 40% a mais que nos EUA. Em meados de 2014, quando o petróleo valia mais de US$ 100 e o governo não reajustava a gasolina a fim de segurar a inflação, a Petrobras vendia mais barato do que comprava.

— Se ela se beneficia da conta do abastecimento, que agora se inverteu, por outro lado a receita da empresa em dólar fica prejudicada no lado das exportações de petróleo — pondera Biscuola.

Para o investidor, diz Figueredo, da Clear, uma maior correlação entre a Petrobras e o petróleo é benéfica. Segundo ele, a relação atual segue as de outras petrolíferas, corno Chevron e Shell. Dessa forma, o acionista pode tomar decisões mais baseadas no contexto petrolífero global do que no noticiário político.

— Estar mais sensível ao petróleo é positivo até para a própria Petrobras, o que não significa que vai resolver o problema dela. É uma empresa extremamente endividada que precisava vender ativos. Mas o mercado ainda enxerga muita dificuldade nisso — diz o analista.