O globo, n. 30.155, 28/02/2016. País, p. 10

Senado debate projeto que reduz aparelhamento político de fundos

Texto relatado por Aécio Neves profissionaliza conselhos deliberativo e fiscal

Depois de obter uma vitória no Senado ao conseguir aprovar mudanças nas regras de exploração do petróleo que reduzem o papel da Petrobras, a oposição vai partir para um novo embate na Casa sobre os fundos de pensão das estatais, que foram citados na Operação Lava-Jato e estão na mira de uma CPI da Câmara dos Deputados. O tema consta de um projeto relatado pelo senador Aécio Neves ( PSDB- MG) que será discutido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado esta semana.

A proposta prevê novas regras para os dirigentes dos fundos de pensão, com o objetivo de melhorar a gestão das entidades e reduzir o aparelhamento político. Entre as novidades está a exigência de que um terço dos conselhos deliberativo e fiscal dos fundos seja composto por profissionais especializados, aprovados em processo seletivo realizado por empresa independente.

Dirigentes e conselheiros precisam estar afastados de qualquer atividade política (cargos, assessoria de partidos e participação em campanhas eleitorais). E, depois do fim do mandato, precisam cumprir quarentena de um ano, no mínimo, para retornar à política.

Atualmente, a quarentena existe apenas para membros da diretoria executiva. A exigência passaria a valer também para participantes dos conselhos deliberativo e fiscal. Para reduzir ingerências políticas, o projeto proíbe a participação de ministros e ocupantes de cargos na administração pública nos conselhos de administração das empresas nas quais os fundos de pensão tenham participação acionária.

Reportagem do GLOBO revelou que o déficit atuarial (que considera despesas com benefícios no presente e no futuro) de quatro fundos de pensão — Postalis (Correios), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Previ (Banco do Brasil) — poderá se aproximar dos R$ 50 bilhões. Os números serão conhecidos na divulgação dos balanços consolidados de 2015, ao longo deste semestre. Investimentos duvidosos, como o do Postalis em papéis da Argentina e da Venezuela que viraram pó; aplicações em projetos de baixo retorno; suspeita de desvio de recursos para partidos políticos; e a crise na economia estão entre as causas do rombo.

— Estamos distanciando a gestão dos fundos de pensão de qualquer ingerência política. Os fundos devem acumular ativos para estimular projetos estratégicos para o país e não projetos da companheirada — justificou Aécio, referindo-se à participação dos fundos em investimentos de interesse do PT.

Para tucano, o desempenho ruim dos fundos de pensão — e a indignação dos trabalhadores que terão de rachar a conta com as empresas patrocinadoras para cobrir o rombo das entidades — torna este o momento propício para aprovar as mudanças. Segundo Aécio, o projeto é uma das prioridades dos partidos de oposição, ao lado das propostas que alteram as regras do petróleo e o funcionamento de estatais:

— O objetivo maior é desaparelhar e profissionalizar os fundos de pensão, para que eles assegurem as aposentadorias dos trabalhadores e cumpram o papel de investidores institucionais em projetos de infraestrutura que são importantes para o país.

A intenção, disse o tucano, é aprovar o projeto sobre os fundos de pensão no Senado e na Câmara ainda neste semestre. Aécio contou que está negociando com o próprio governo no Senado e com líderes dos partidos na Câmara dos Deputados para apressar a votação.

Ele destacou que esse é o papel dos fundos em outros países. Para o senador, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar ( Previc), órgão regulador e fiscalizador do setor, tem sido omissa em relação aos problemas.

Em entrevista recente ao GLOBO, o diretor presidente da Previc, José Roberto Ferreira, alegou que o órgão cumpre seu papel de monitorar constantemente os investimentos das entidades, verificando se estão dentro dos limites previstos na legislação. Condutas criminosas que acarretam prejuízos são encaminhadas ao Ministério Público e à Polícia Federal.

Para melhorar a gestão dos fundos, a Previc disse que passará a exigir certificação dos dirigentes. O documento será emitido pelo próprio órgão, que, além de formação específica, vai se debruçar sobre o passado desses dirigentes. O Previc também quer rever as regras para eleição dos representantes dos trabalhadores nos conselhos deliberativo e fiscal. Atualmente, o sistema permite chapa única, o que pode comprometer a independência desses colegiados.

ROMBO PREJUDICA 500 MIL PESSOAS

 

O loteamento político da gestão dos fundos de pensão de estatais nos últimos 12 anos, a partir de um núcleo sindical dos bancários de São Paulo, está por trás do rombo bilionário que ameaça os rendimentos de beneficiários, conforme mostrou série de reportagens publicada na última semana pelo GLOBO.

Gestados na burocracia do PT, esses dirigentes direcionaram investimentos que, no caso de três fundos — Petros, Postalis e Funcef —, causaram perdas de R$ 29,6 bilhões até agosto de 2015, e podem prejudicar 500 mil pessoas. A Polícia Federal estimou que o prejuízo aos cofres públicos chegue a cerca de R$ 15 milhões.

A velocidade em que o rombo nos fundos de pensão das estatais aumenta chama a atenção: em média de R$ 3,7 bilhões ao mês, até agosto de 2015. Nesse ritmo, os balanços do ano passado de Petros, Funcef e Postalis, cuja divulgação está prevista para abril, devem fechar com perdas de R$ 44,4 bilhões — um valor sete vezes maior que as perdas reconhecidas pela Petrobras com corrupção. Para cobrir o rombo, a fatura será dividida ao meio entre associados de Petros, Funcef e Postalis e as estatais patrocinadoras.

A maioria dos responsáveis pelos déficits das fundações públicas tem em comum a origem no ativismo sindical. Nos últimos 12 anos, os principais gestores dos fundos de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios saíram do Sindicato dos Bancários de São Paulo. É uma característica dos governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff.

O uso dos fundos de pensão de estatais como instrumento de governo é uma característica do modo de organização política brasileira. Moldadas no regime militar, as 89 fundações públicas existentes dispõem de uma reserva de investimentos — que no ano passado chegou a R$ 450 bilhões —, que desperta o interesse de governantes. A eles é permitida a possibilidade de induzir iniciativas econômicas, por meio da participação dos fundos na estrutura de propriedade das empresas envolvidas. Petros, Previ, Funcef e Postalis, por exemplo, concentram dois terços do patrimônio dos fundos públicos.

A má gerência e o padrão de investimento em negócios privados sem retorno explicam as perdas dos fundos de pensão.

O Postalis, por exemplo, possuía uma reserva em dólares, lastreada em títulos da dívida externa brasileira. Mas trocou o investimento por papéis emitidos pela Argentina e pela Venezuela, sem valor de mercado. O resultado: desapareceram R$ 380 milhões das contas do fundo de pensão no banco Mellon, de Nova York.

A crise envolvendo o fundo de pensão da Caixa levou um grupo de aposentados a protestar semanalmente no Congresso Nacional contra os prejuízos no Funcef. A iniciativa do grupo levou a Câmara dos Deputados a criar uma CPI. E outra comissão já está na fila para ser criada, desta vez no Senado.