O Estado de São Paulo, n. 44.672, 07/02/2016. Política, p. A5
Por: Daniel Carvalho
A CPI criada em agosto do ano passado para investigar suspeitas de irregularidades envolvendo financiamentos do BNDES pode terminar, após o carnaval, sem indiciar os principais personagens do caso. O relator da comissão, deputado José Rocha (PR-BA), vai apresentar seu parecer no próximo dia 16, mas diz não ter elementos para pedir o indiciamento do presidente do banco, Luciano Coutinho, e da jornalista Carolina de Oliveira, mulher do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).
Ao Estado, Rocha disse também não saber se incluirá no seu relatório referências ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria intermediado negócios entre o banco e empreiteiras. Lula consta em um dos quatro sub-relatórios apresentados na semana passada.
Com base nas suspeitas sobre a prática de tráfico de influência por parte de Lula, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) propôs uma “quarentena” de oito anos para a prática de lobby por agentes públicos.
“Utilizando-se o exemplo do ex-presidente Lula, cujas palestras de vultosos valores são suspeitas de encobrir pagamentos por ‘tráfico de influência’ pelo Ministério Público Federal, bem como são investigados pagamentos de suas despesas pessoais e de membros de sua família, obras em propriedades vinculadas a ele em nome de ‘laranjas’, impõe-se a vedação da atividade de ‘lobby’, ou seja, fica vedada a estes atores a intervenção junto ao BNDES ou a qualquer órgão de governo para aprovação ou aceleração do andamento de processos de liberação de créditos e afins”, diz o texto da parlamentar.
Aliado ao governo, Rocha afirmou que pretende se inteirar dos relatórios e analisar a documentação colhida para definir o que fará em relação a Lula.
Em seu sub-relatório, Cristiane diz que Lula foi “blindado” na CPI do BNDES. “Infelizmente, os registros das reuniões serão as provas da manipulação governamental sobre a maioria dos membros que a compunham, e a ‘blindagem’ ao ex-presidente e a seus apadrinhados”, afirmou. Apesar de o PTB integrar o governo – Armando Monteiro é ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio –, a parlamentar (filha do ex-deputado Roberto Jefferson) é oposicionista e defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Bumlai. O sub-relatório do deputado oposicionista Alexandre Baldy (PSDB-GO) pediu o indiciamento de Luciano Coutinho, por crimes de gestão fraudulenta e prevaricação. Baldy afirma que Coutinho cometeu crimes ao aprovar financiamento a empresas do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, e teria desrespeitado norma interna do BNDES que proíbe o banco de conceder crédito a empresas que já tiveram pedido de falência solicitado. Bumlai foi preso em novembro do ano passado pela Operação Lava Jato.
O deputado também pede o indiciamento de Carolina de Oliveira, mulher de Pimentel, por supostos crimes de pertinência à organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e tráfico de influência. Carolina foi assessora de Pimentel quando ele era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O sub-relator não pediu o indiciamento do governador de Minas Gerais, apesar de ressaltar que há provas dos mesmos crimes contra o petista.
Propostas de indiciamento precisam ser acatadas pelo relator para que constem no parecer final que, se aprovado na CPI, é encaminhado ao Ministério Público Federal. Mas Rocha não pretende incluir os dois em seu relatório final. Alega que Carolina não foi ouvida na comissão e que Coutinho prestou depoimento como convidado.
“Indiciar pessoas que (a CPI) não ouviu é muito drástico. A mulher do Pimentel não foi ouvida. Não tem nada que contraponha. Coutinho foi ouvido como convidado, não foi nem como testemunha”, afirmou o deputado. “Sou da linha de que indiciamento é algo muito forte.”
A oposição pretende apresentar voto em separado após a apresentação do parecer de Rocha. O relatório paralelo já é alvo de discussão entre tucanos que integram a CPI e as conversas serão retomadas após o dia 16.
Defesas. Por meio de nota, o BNDES informou entender que “não há qualquer consistência no pedido de indiciamento de seu presidente e diretores”.
Também em nota, Pimentel disse que “repudia as acusações e ilações injustas e descabidas, apresentadas pelo deputado do PSDB” e que “lamenta a forma precipitada de divulgação da referida peça, sem consulta aos demais parlamentares da CPI”. O governador de Minas afirmou ainda confiar na “justa e imparcial condução da presidência, da relatoria e da maioria dos integrantes da CPI do BNDES que, no relatório final, haverão de repor integralmente a veracidade dos fatos”.
O Instituto Lula afirmou que, “no que se refere ao ex-presidente, as citações são falsas ou infundadas, quando não absolutamente levianas”. Disse ainda que “não comenta questões pertinentes exclusivamente ao Poder Legislativo”, em referência ao encaminhamento do relatório da deputada Cristiane Brasil. / COLABOROU IGOR GADELHA
Linha
“Indiciar pessoas que (a CPI) não ouviu é um negócio muito drástico (...) Sou da linha de que indiciamento é algo muito forte”
José Rocha (PR-BA)
RELATOR DA CPI DO BNDES
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Por: Fausto Macedo /Ricardo Brandt
O Ministério Público Federal afirmou que a defesa de executivos da Odebrecht busca fazer do processo da Operação Lava Jato uma “feira de chicanas ou fábrica de nulidades”, em manifestação entregue ao juiz federal Sérgio Moro na sexta-feira contra o pedido de exclusão dos autos de documentos enviados pela Suíça. São dados sobre contas por meio das quais a empreiteira teria pago propinas no exterior a ex-dirigentes da Petrobrás segundo os investigadores.
“Conclui-se que, por inúmeras razões, o pedido da defesa deve ser rejeitado. Rejeitada também deve ser a postura da defesa, que busca fazer do processo uma ‘feira de chicanas ou fábrica de nulidades’, dentro de um contexto em que a prática do processo penal tornou-se uma guerra em que a defesa tenta de qualquer maneira anular o processo”, afirma o documento de 24 páginas, assinado por dez procuradores da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba. O objetivo, diz o Ministério Público, seria a “busca incessante de que o procedimento retorne a fases anteriores e, ao final, seja reconhecida a prescrição”.
Em petição, os advogados criminalistas Dora Cavalcanti e Rafael Tucherman, defensores do executivo Márcio Faria, preso desde 9 de junho de 2015, sustentam que o Tribunal Penal da Suíça julgou “ilegal” a remessa dos extratos bancários e pedem a nulidade do uso do material como prova no processo.
A defesa do executivo da Odebrecht e o Ministério Público divergem sobre o alcance da decisão do tribunal suíço. Na semana passada, a corte considerou irregular o envio para o Brasil de documentos bancários de empresas offshore suspeitas pela Lava Jato de terem sido usadas pela empreiteira para pagar propina a agentes públicos de contratos com a Petrobrás.
Após o pedido da defesa, o juiz Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato em primeira instância, determinou na terça-feira a suspensão dos prazos das defesas para apresentação das alegações finais dos acusados na ação penal e deu três dias para que a Procuradoria se manifestasse.
‘Água de pedra’. Para os procuradores da Lava Jato, a decisão da Justiça da Suíça “diz respeito a uma questão de direito interno suíço, em matéria administrativa de cooperação internacional, e em nada afeta o processo brasileiro”. “Nesse sentido, busca a defesa ‘retirar água de pedra’, isto é, extrair da decisão estrangeira um efeito que ela jamais tem ou teve”, diz a manifestação.
Os procuradores argumentam que “o pedido da defesa está no contexto de sua estratégia desesperada de procurar vírgulas equivocadas que possam constituir uma tábua de salvação, uma cortina de fumaça que impeça a visualização e análise do mérito, diante das amplas provas - repercutidas na própria decisão suíça - que apontam para a prática de crimes bilionários contra a sociedade brasileira”, critica o Ministério Público.
Ilegalidade. A criminalista Dora Cavalcanti preferiu não comentar as críticas feitas pelo Ministério Público. Por meio de assessoria de imprensa, ela informou que“ a defesa de Marcio Faria se pronunciará no momento oportuno”.
Na semana passada, após a decisão do Tribunal Penal da Suíça, a criminalista alegou que não “foi a Odebrecht que interpôs os recursos na Suíça, e sim os titulares das contas bancárias cujos documentos foram ilegalmente mandados para o Brasil”.
Dora Cavalcanti também havia rebatido informação da Procuradoria da República no Paraná, segundo a qual a corte suíça apenas autorizou a empreiteira a ingressar com recurso interno. “O tribunal decidiu expressamente que o envio dos documentos para o Brasil foi ilegal”, defendeu.
A defesa argumentou ainda que os documentos são essenciais ao caso. “Pretender que ‘a decisão não tem qualquer efeito sobre a acusação criminal contra executivos da empresa’ é ignorar que o próprio juiz da causa já escreveu, em várias oportunidades, que considera esses documentos como as principais provas do processo.É impossível imaginar, assim, como pode não repercutir no processo a decisão que declara ilegal a origem dessas mesmas provas”, afirmou na ocasião.