Correio Braziliense, n. 19265, 23/02/2016. Política, p. 2

Lava-Jato fisga o marqueteiro do PT

João Valadares

A Operação Lava-Jato, que investiga o esquema bilionário de corrupção na Petrobras, chegou mais perto da campanha eleitoral da presidente da República, Dilma Rousseff (PT), e deixou o Planalto em alerta máximo. A 23ª fase, denominada Acarajé, gíria utilizada por alguns operadores para se referirem a dinheiro vivo, tem como principal alvo o marqueteiro do PT nas últimas três eleições presidenciais, João Santana. O baiano, que fez fortuna com o marketing político, aumentando o patrimônio de R$ 1 milhão para R$ 78,6 milhões entre 2004 e 2014, teve a prisão temporária decretada para explicar o suposto recebimento de pelo menos US$ 7,5 milhões no exterior. Com livre trânsito no Planalto (leia Perfil ao lado), era um dos principais conselheiros da petista durante as maiores turbulências, participava de decisões estratégicas do governo e escrevia discursos. Em sua defesa, Santana vai dizer que os valores recebidos fora do país não são referentes a campanhas políticas realizadas no Brasil e que o país vive um clima de “perseguição política”.

O marqueteiro e a mulher, Mônica Regina Cunha Moura, que também teve a prisão temporária decretada, não foram presos porque estavam trabalhando na República Dominicana. A defesa dos dois informou que eles vão se apresentar à Polícia Federal assim que desembarcarem no país. Até o fechamento desta edição, o casal não tinha chegado ao Brasil.

Na operação, que mobilizou 300 policiais nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, foram presos o lobista polonês Zwi Skornicki, responsável pela intermediação de contratos que somam R$ 6 bilhões na petroleira; o administrador de empresas Vinícius Veiga Borin, ligado a offshores controladas pela Odebrecht; Maria Lúcia Guimarães, funcionária da empreiteira; e Marcelo Rodrigues, executivo da estatal. Além de Santana e a mulher, até o fechamento desta edição, não tinham sido cumpridos os mandados de prisão contra o diretor-presidente da Odebrecht, Benedicto Barbosa, e Fernando Migliaccio, funcionário da empresa.

Os investigadores avaliaram que as cifras recebidas na Suíça por Santana podem ser bem maiores. A Polícia Federal investiga o destino de US$ 7,5 milhões. A maior parte dos recursos — 60% — teria sido remetida, em 2013 e 2014, ao exterior pelo lobista Zwi Skornicki, utilizando a empresa Shellbill Finance S.A. A Lava-Jato já sabe que pelo menos US$ 3 milhões, depositados entre abril de 2012 e março de 2013, foram repassados para um conta de Santana a partir de uma articulação de offshores controladas pela construtora Norberto Odebrecht. Na Inovation, a Odebrecht teria repassado US$ 500 mil. A outra parte, no valor de US$ 2,5 milhões, foi encaminhada a Klienfield. As duas offshores transferiram os valores para a Shellbill Finance S.A., que teria repassado a contas de Santana.

De acordo com os investigadores, os valores passaram por bancos em Londres e Nova York antes de chegarem à Suíça. “É importante ressaltar que se trata de informações parciais do Citibank de Nova York. Ainda estamos esperando o recebimento de novas informações”, informou o delegado Felipe Pace. A Polícia Federal ainda não tem provas de que os recursos foram repassados para pagamento de serviços prestados por Santana durante as campanhas presidenciais de Dilma. O delegado informou que chama a atenção o fato de Santana ter declarado legalmente o recebimento de aproximadamente R$ 170 milhões por serviços eleitorais prestados no Brasil desde 2005 e ter escondido o recebimento de valores menores no exterior.

A investigação teve início durante a nona fase da Lava-Jato, em fevereiro do ano passado, após policiais federais encontrarem na casa de Zwi Skornicki uma carta escrita por Mônica Moura. Ela encaminha dados de duas contas, uma que recebia em euro e outra em dólar, no exterior. Na mesma carta, a mulher de Santana diz que encaminhou o modelo de contrato e que apagou, por motivos óbvios, o nome da empresa. Avisa também que, “por motivos de segurança”, não tem uma cópia eletrônica da carta.

 

Moro

O juiz Sérgio Moro, à frente dos processos relativos à Operação Lava-Jato, afirmou em despacho que é extremamente improvável que a destinação de recursos espúrios e provenientes da corrupção na Petrobras a Santana e sua mulher, no exterior, “esteja” desvinculada dos serviços que prestaram à aludida agremiação política (o PT)”. Segundo o juiz, “por mais que tenham declarado ao Fisco” os valores, o casal “tinha conhecimento da origem espúria dos recursos” e ocultou valores que recebeu no exterior “mediante expedientes notoriamente fraudulentos”, como contas em nome de offshore e contratos falsos.

 

A Operação Acarajé

51 mandados judiciais expedidos pela Justiça

38 de busca e apreensão

2 de prisão preventiva

6 de prisão temporária

5 de condução coercitiva

300 policiais federais

 

Estados onde ocorreram as ações

Rio de Janeiro (Angra dos Reis, Petrópolis e Mangatiba)

São Paulo (Campinas e Poá)

Bahia (Salvador e Camaçari)

 

Presos

Zwi Skornicki (preventiva), engenheiro apontado como operador do esquema bilionário de corrupção na Petrobras. Teria operacionalizado pagamentos de propina no exterior.

Vinícius Veiga Borin (temporária), administrador de empresas ligado a offshores controladas pela empreiteira Norberto Odebrecht.

Maria Lúcia Guimarães Tavares (temporária), funcionária da Odebrecht.

Marcelo Rodrigues (temporária), operador do esquema de corrupção.

 

Estão fora do Brasil

João Santana (temporária), marqueteiro do PT nas últimas três eleições presidenciais.

Mônica Moura, mulher e sócia de João Santana na Polis Propaganda e Marketing LTDA.

Fernando Migliaccio (prisão preventiva), funcionário da Odebrecht.

Benedicto Barbosa (temporária), diretor-presidente da Construtora Norberto Odebrecht

 

Histórico

Para quem João Santana trabalhou no Brasil

2002 – Delcídio do Amaral

2004 – Gilberto Maggioni (Prefeitura de Ribeirão Preto) e Vander Loubet (Prefeitura de Campo Grande)

2006 – Lula (presidência)

2010 – Dilma Rousseff (presidência)

2012 – Fernando Haddad (Prefeitura de São Paulo)

2014 – Dilma Rousseff (presidência)

 

Clientes no exterior

2009 – Maurício Funes (El Salvador)

2012 – Danilo Medina (República Dominicana), Hugo Chávez (Venezuela), José Eduardo Santos (Angola)

 

2014 – José Domingo Arias (Panamá)

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Sequestro de apartamento

Por determinação do juiz Sérgio Moro, um apartamento comprado por João Santana, em São Paulo, no valor de R$ 3 milhões, foi sequestrado pela Justiça Federal. Os investigadores têm provas de que parte do valor repassado ao vendedor do imóvel foi proveniente das contas secretas controladas por Santana no exterior. O magistrado também decretou o bloqueio de R$ 100 milhões de Santana, da mulher dele, Monica Regina Cunha Moura, e das duas empresas controladas pelo casal, a Santana & Associados Marketing e Propaganda Ltda. e a Polis Propaganda & Marketing Ltda.

O juiz determinou o confisco de mais R$ 75 milhões de outros três alvos da Operação Acarajé — R$ 25 milhões do executivo Fernando Miggliacio, da empreiteira Odebrecht; R$ 25 milhões da Eagle do Brasil Ltda.; e R$ 25 milhões do engenheiro Zwi Skornicki.

“Não importa se tais valores, nas contas bancárias, foram misturados com valores de procedência lícita. O sequestro e confisco podem atingir tais ativos até o montante dos ganhos ilícitos”, informou na decisão.

O juiz considerou “os valores milionários” dos supostos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas atribuídos a Santana e aos outros investigados. Ele citou, como exemplo, “pagamentos ilegais, só na Shellbill, de US$ 7,5 milhões de dólares”.

 

O juiz observou que “na hipótese probatória mais provável, tais valores destinar-se-iam a remunerar os serviços de publicidade prestados por João Santana e Mônica Regina ao Partido dos Trabalhadores, o que é bastante grave, pois também representa corrupção do sistema político partidário.” Em nota, a construtora Norberto Odebrecht informou que estava à disposição da Justiça para prestar qualquer tipo de esclarecimento.

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Trânsito livre

Paulo de Tarso Lyra

Mais novo alvo da Operação Lava-Jato, o marqueteiro João Santana é a principal estrela do pensamento petista desde que assumiu o posto em substituição justamente a Duda Mendonça, que se desgastou com a legenda após assumir, em depoimento no Senado, em 2006, ter recebido dinheiro de caixa dois na campanha que levou Luiz Inácio Lula da Silva ao primeiro mandato, em 2002.

Baiano, de Tucano, João Santana tem 63 anos e, ao contrário da maioria dos antigos responsáveis por campanhas eleitorais, não é originário da publicidade, mas do jornalismo. Nenhum problema para alguém que é considerado multifacetado. Foi letrista de uma banda de rock chamada Bendegó que, entre 1973 e 1989, lançou seis discos. Também teve participação na canção Canto do povo de um lugar, lançado no disco Joia, de Caetano Veloso.

Do mundo da poesia e das letras musicais, desembarcou nas redações, trabalhando no Jornal da Bahia, e na sucursal de O Globo em Salvador. Também trabalhou na Veja, em Brasília, no Jornal do Brasil e na IstoÉ, sempre em cargos de destaque. Nesta última, ganhou o Prêmio Esso de jornalismo após entrevistar o motorista Eriberto França, responsável pela queda do ex-presidente Fernando Collor. Nascia aí uma proximidade com o PT, partido essencial no processo de impeachment de Collor.

Chegou a trabalhar com Duda Mendonça na campanha de 2002, mas hoje estão afastados. Foi o responsável pela reeleição de Lula em 2006 e pela eleição e reeleição de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Trabalhou ainda nas campanhas de Gleisi Hoffmann e Marta Suplicy (na época no PT, hoje no PMDB) nas campanhas municipais de Curitiba e São Paulo, respectivamente, em 2008. E também de Fernando Haddad, em 2012, esta vitoriosa.

 

Mas é no plano nacional que Santana circula com mais desenvoltura. Amante de bons vinhos, da psicologia e da filosofia, tem trânsito livre no Palácio da Alvorada, em jantares fora do horário comercial, estilo petit comitê. Considerado o “ministro” mais influente da presidente Dilma, coordenava com mão de ferro a estratégia de comunicação do governo federal, os pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão e os rumos das ações federais. Foi João Santana quem definiu a linha de ação da presidente após as manifestações de junho de 2013. E, ao lado do ex-presidente Lula, traçou a agenda positiva que o governo deveria adotar, no meio do ano passado, para tentar sair da crise de popularidade.