O Estado de São Paulo, n. 44.671, 06/02/2016. Política, p. A7

Ex-secretário da Fazenda nega que MPs sejam sigilosas

Nelson Machado, que foi o nº 2 do ministério no governo Lula, diz que medidas são ‘transparentes’ e podem ser acessadas por terceiros
Por: Isabela Bonfim
 

BRASÍLIA - Secretário-executivo do Ministério da Fazenda durante o governo Lula, Nelson Machado, afirmou nesta sexta-feira, 5, que não vê problema em texto de medidas provisórias serem acessados por terceiros antes de sua publicação. Machado depôs à Justiça Federal na manhã desta sexta-feira, 5, no âmbito das investigações da Operação Zelotes. A declaração é contrária ao depoimento do atual secretário-executivo, Dyogo Oliveira.

"As medidas são transparentes", respondeu Machado, negando sigilo de conteúdo das medidas provisórias. Machado foi interrogado por Marcelo Leal, advogado de defesa do lobista Alexandre Paes dos Santos, conhecido como APS, e preso preventivamente por suposto envolvimento em esquema de compra de medidas provisórias.

Ele explicou que as MPs passam por diferentes setores técnicos e operacionais dentro do Ministério antes de chegarem ao gabinete do secretário-executivo, cargo que ocupou entre 2007 e 2010, e serem assinadas pelo ministro. Segundo Machado, o sigilo das MPs depende do caráter da matéria.

"Depende muito do tema, se é matéria que possa interferir no mercado financeiro, na tomada de decisão, trazer ganho ou perda para setores do mercado, eles têm que trabalhar com sigilo. Quando não é esse o assunto, é normal. Ela anda pelo ministério e pelas áreas normalmente", justificou. Questionado se não seria incomum que um particular tivesse acesso ao documento, ele respondeu "não vejo problema nisso".

 

Contradição. Durante o depoimento, Machado não foi questionado se deveria haver sigilo nas MPs do setor automotivo. Entretanto, o atual secretário-executivo da Fazenda, Dyogo Oliveira, que depôs em 25 de janeiro à Justiça Federal, afirmou que não é normal que as empresas tenham tido acesso, antes de sua publicação, à MP 471, uma das que podem ter sido negociadas no esquema de venda de MPs.

"O fato de ter havido esse acesso não é normal, nesse estágio, entre a saída dos ministérios e a publicação. Realmente não é uma situação normal", afirmou Dyogo Oliveira.

Machado negou conhecer investigados na Operação Zelotes, como os lobistas APS, Cristina Mautoni, Mauro Marcondes e Eduardo Valadão. Ele também negou ter recebido qualquer vantagem indevida ou saber do envolvimento do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, no esquema de compra de MPs.

"Nunca tinha ouvido falar disso. Essa é a primeira vez que estou vendo agora pelos jornais", alegou. Ele também afirmou não se recordar das MPs 471/2009, 512/2010 e 627/2013, suspeitas de terem sido negociadas no esquema para favorecer o setor automotivo. "Eu não me recordo especificamente das medidas provisórias elencadas por Vossa Excelência", afirmou.

 

 

Denúncia. Em novembro, o Ministério Público Federal denunciou 16 pessoas por envolvimento na suposta negociação ilícita para a aprovação de MPs.A ação faz parte da Zelotes,que,inicialmente,apurava esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A partir de novos elementos, colhidos em buscas e apreensões, as investigações avançaram para o caso das MPs. Na ação penal, a força-tarefa que investiga o caso aponta a prática de corrupção ativa e passiva,lavagem de dinheiro, organização criminosa e extorsão.

Órgãos relacionados:

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Procuradoria defende segundo inquérito contra casal

Defesa de Cristina Mautoni e Mauro Marcondes, acusados de atuar na ‘compra’ de MPs, pediu trancamento de um caso
 

O Ministério Público Federal defendeu ontem a existência de um segundo inquérito já em curso nas investigações sobre suposto envolvimento de Cristina Mautoni e Mauro Marcondes Machado, presos no âmbito da Operação Zelotes, que investiga suposto esquema de compras de medidas provisórias que teria beneficiado o setor automotivo. De acordo com a defesa, que pediu o trancamento de um dos inquéritos,haveria dois inquéritos em curso com o mesmo objetivo de investigação.No entendimento do MPF,entretanto,o segundo inquérito tem como função aprofundar as investigações do primeiro,que tratada corrupção de agentes públicos durante a edição da medida provisória que teria trazido benefícios fiscais a montadoras de veículos. “Há proximidade,continuidade até, mas não repetição”, alegou o procurador Marcelo Ribeiro de Oliveira.Segundo ele,a medida era necessária para garantir o prosseguimento das investigações.“Não há que se falar em duplicidade de investigações, uma vez que a instauração do presente inquérito deu-se de forma complementar e figurava como a única medida possível à continuidade das investigações.” Prisão.

Cristina Mautoni foi presa pela Polícia Federal no fim de janeiro, acusada de integrar esquema de compra de MPs no governo federal. Ela é mulher e sócia do lobista Mauro Marcondes Machado, também preso preventivamente em Brasília, por suspeita de operar o suposto pagamento de propina a agentes públicos. Ontem, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara da Justiça Federal em Brasília, decidiu mantê-los presos. Os advogados do casal haviam solicitado a sua libertação justificando que ambos têm relevantes problemas de saúde. Mauro sofreria de hipertensão, insuficiência renal e precisaria de implante de marca-passo. Cristina sentiria fortes dores em razão de uma cirurgia vascular nas pernas feita em outubro. O magistrado,na decisão,justificou que o caso de Mauro já foi analisado, não cabendo reconsideração. Quanto a Cristina, ele determinou uma perícia médica a ser realizada na quinta-feira.

 

I.B. e FÁBIO FABRINI

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