O Estado de São Paulo, n. 44.671, 06/02/2016. Metrópole, p. A13

Fiocruz detecta zika em saliva e urina

Não é possível saber se a transmissão se dá por fluidos; grávidas precisam ter cuidado

Por: Clarissa Thomé

 

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) isolaram na urina e na saliva de pacientes o zika vírus ativo, ou seja,com capacidade de infecção. Ainda não é possível informar se a transmissão da doença se dá por esses fluidos, mas a instituição recomenda que grávidas aumentem os cuidados. Elas devem evitar beijar pessoas com zika e compartilhar objetos como copos e talheres. Também não é recomendado que permaneçam em locais com grandes aglomerações. “O que se encontrou foi o vírus na sua estrutura inteira se replicando na saliva e na urina. Esse feito é inédito. Anteriormente, pesquisadores haviam achado partículas do vírus nos fluidos.

Não significava que ele pudesse estar se replicando (se reproduzindo). Agora foi comprovado que o vírus se replica nesses meios”,disse o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha. O anúncio foi feito às vésperas do carnaval, quando há maior aglomeração de pessoas e aumento do contato físico. “As evidências que temos hoje não nos dão base para dizer que as pessoas não devam aproveitar o carnaval. Estamos elevando o grau de cautela no grupo em que há maior potencial de danos, que são as grávidas. Mas não temos isso (evitar o beijo) como uma medida de saúde pública. Pode beijar”, disse Gadelha. “O mosquito é o grande transmissor do vírus. Mas havendo a suspeita de que possa no futuro vir a ser comprovada, mesmo que em quantidades menores e com peso epidemiológico menor, que a transmissão por esses fluidos é possível,cautelarmente as pessoas devem tomar medidas para se proteger.” Amostras.

A pesquisadora Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz, liderou os estudos. Foram coletadas amostras de dez pacientes com exantema (manchas vermelhas no corpo) acompanhados no Instituto de Nacional de Infectologia (INI), também da Fiocruz. O vírus foi isolado nas amostras de dois pacientes. Em uma delas, o zika foi encontrado na saliva.Em outra, na saliva e na urina. Em laboratório, essas amostras foram postas em contato com células Vero,linhagem usada por cientistas para verificar atividade viral. Os pesquisadores observaram o efeito cito pático nessas células – elas estavam sendo danificadas ou destruídas, o que comprova que o vírus estava ativo. A presença do zika foi confirmada pela técnica de RT-PCR,em que se faz o sequenciamento genético do vírus. Testes laboratoriais também descartaram a presença dos vírus da dengue e chikungunya.

Para essas análises, foi usado o kit NAT Discriminatório,desenvolvido pela Fiocruz, e que permite fazer o teste dos três vírus de uma só vez. “Fiquei muito surpresa de encontrar o vírus ativo, principalmente na urina. Normalmente, os flavivírus são extremamente sensíveis ao pH. Na urina, que tem pH ácido, normalmente ficam inativos”, afirmou Myrna. “Foi comprovado pela primeira vez a presença de vírus ativo, com potencial infeccioso, em urina e saliva de pacientes com zika em fase exantemática (os pacientes estavam com manchas no corpo). O significado dessa descoberta na transmissão, na epidemiologia da doença, ainda deve ser esclarecido.” Esperado. A descoberta do vírus zika em saliva e em outras secreções do corpo humano já era esperada. E isso não significa necessariamente que o vírus possa ser transmitido dessa forma. É o que apontam infectologistas ouvidos pelo Estado que vêm trabalhando com o zika. Eles reforçaram que não é caso de pânico. “Ainda é preciso demonstrar que existe transmissão por contato, o que os estudos não têm ainda”, diz o infectologista Esper Kallas, da USP.

Ele lembra que várias outras doenças virais, incluindo a infecção por HIV, podem ser detectadas na saliva; nem por isso são transmitidas pela secreção. De acordo com o médico, são necessárias outras condições.É preciso, por exemplo, que a quantidade de vírus presente nessas secreções seja grande o bastante e que ele sobreviva por um tempo fora do corpo. Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto Emílio Ribas, afirma que se a transmissão do zika estivesse ocorrendo por contato, o número de pessoas contaminadas seria muito maior. “O vírus está circulando há meses entre nós e não tivemos um alto nível de infecção como aconteceu com o H1N1 (gripe). Se a transmissão ocorresse pela saliva, o número de casos seria extremamente alto. Não vemos, por exemplo, famílias inteiras contaminadas. Em uma casa, tem uma, duas pessoas no máximo”, afirma.

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Hemocentro de SP pode testar zika em transfusão

 

Uma técnica para testar a existência do vírus zika antes de transfusões de sangue deve ser adotada em breve pelo Hemocentro de São Paulo. O objetivo inicial é checar o sangue destinado a mulheres grávidas e também para cirurgias intrauterinas em fetos. O método foi desenvolvido pela equipe de José Eduardo Levi, chefe do Departamento de Biologia Molecular da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo, ligado à Universidade de São Paulo (USP) e à Secretaria de Estado da Saúde, e será submetido logo após o carnaval à aprovação do Comitê de Ética. Num primeiro momento, por ainda não haver tecnologia e recursos para testar em todas as bolsas de sangue, o foco será as gestantes e os fetos. Das cerca de 12 mil bolsas do Hemocentro, cerca de 20 devem ser testadas – 0,17%. A medida, no entanto, é preventiva, já que não existe comprovação de que o vírus traga de fato o risco ao feto. /G.G.

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Síndrome neurológica terá notificação compulsória no Rio

Estado registrou 15 pacientes com Guillain-Barré em janeiro, todos com quadro compatível com zika

Por: Clarissa Thomé

 

A Secretaria de Estado de Saúde tornará compulsória a notificação da Síndrome de Guillain Barré, doença neurológica auto imune que pode levar à paralisia e tem sido associada à infecção por zika. Só no mês passado,o Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense, em Niterói,Grande Rio, teve seis pacientes internados com sintomas da doença. Somados aos casos notificados ao Estado mês passado, o número de pacientes com a síndrome chegou a 15 no Estado em janeiro – três vezes a média histórica. Desde junho o Rio tornou obrigatória a notificação de síndromes neurológicas em pacientes com sintomas de exantemas (manchas vermelhas).

A ideia dos especialistas agora é ampliar a notificação para poder formar uma série histórica. Os casos do Antônio Pedro, por exemplo, não foram comunicados ao Estado. Os pacientes que chegaram ao hospital universitário são jovens, que tiveram quadro compatível com o de zika entre 10 e 20 dias antes do surgimento dos sintomas de fraqueza muscular e perda de sensibilidade. Dois pacientes ainda estão internados. Um deles respira por aparelhos na Unidade de Terapia Intensiva: os pulmões também foram afetados pela síndrome e estão paralisados. O outro também precisa de cuidados intensivos, mas não há vagas na UTI. Amostras do sangue e do líquor (líquido que percorre a medula espinhal) dos pacientes foram para a Fiocruz.

Na síndrome, o sistema imunológico ataca por engano a bainha de mielina(espécie de capa de proteção dos nervos periféricos). “Os pacientes que atendemos foram acometidos também no sistema nervoso central. Isso pode significar o comprometimento de algumas regiões do cérebro e da medula. Estudos vão demorar até seis meses”, afirmou Osvaldo Nascimento,neurologista e presidente da seção Rio da Associação Brasileira de Neurologia (ABN-RJ). Dificuldades. O Antônio Pedro já enfrenta dificuldade para tratar esses pacientes.

Nascimento informou que foi preciso tomar emprestado de outros hospitais da rede pública imunoglobulina, composto utilizado para desativar os anticorpos que agem contra a bainha de mielina. “A preocupação é chegar mais paciente e não termos como atender. Falta material de custeio”,afirmou Nascimento.Já o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, Alexandre Chieppe, negou dificuldades. “O Sistema Único encaminha os medicamentos para o Estado. Não há falta de medicamentos”, afirmou.