Correio Braziliense, n. 19268, 26/02/2016. Política, p. 2

A aposentadoria do marqueteiro do PT

João Valadares

O marqueteiro do PT nas últimas três campanhas presidenciais, João Santana, preso terça-feira na 23ª fase da Operação Lava-Jato, informou ontem, em depoimento à Polícia Federal, que a conta secreta mantida na Suíça funcionava como “uma poupança para a aposentadoria”. Ele disse que todos os recursos recebidos fora do Brasil foram referentes a campanhas políticas realizadas no exterior, sobretudo, na Venezuela, na República Dominicana e em Angola.

No depoimento, Santana afirmou que a conta foi aberta no fim dos anos 1990. “Com relação à conta aberta na Suíça em nome da Shellbill Finance S/A, acredita que tenha sido aberta por volta de 1998/99 para recebimento de valores de aproximadamente 70 mil dólares de um serviço prestado na Argentina”, registra a PF, no depoimento ouvido pelo delegado Márcio Adriano Anselmo.

Mônica Moura, a mulher de João Santana, também presa na terça-feira ao desembarcar no Aeroporto de Cumbica (SP), admitiu à Polícia Federal que a empreiteira Norberto Odebrecht pagou, via caixa dois, a campanha de Hugo Chávez na Venezuela em 2012. Ela detalhou também que, de um total de US$ 50 milhões, referentes aos serviços prestados ao candidato José Eduardo Santos, em Angola, US$ 20 milhões foram recebidos sem contabilização. Em depoimento, ela disse que nenhum partido político brasileiro aceitou pagar sem registro contábil fora do país “primeiramente, por motivos óbvios, quais sejam, as investigações e condenações no caso do mensalão”. João Santana, no entanto, disse que não tem nenhuma relação comercial com o Grupo Odebrecht e recorda que se encontrou com Marcelo Odebrecht, presidente da empresa, em um evento social.

Mônica indicou que foi orientada a procurar um executivo da Odebrecht no Brasil para receber de “maneira não contabilizada” aproximadamente R$ 4 milhões. A Polícia Federal investiga se algum recurso recebido na conta secreta pagou serviços eleitorais prestados no país. O Ministério Público Federal relata que há fortes indicativos de que o dinheiro repassado para o casal é fruto do esquema de corrupção da Petrobras. João Santana afirmou que não tem nenhum contrato com o poder público brasileiro. No depoimento, ele diz que presta conselhos esporádicos ao governo federal sem receber nenhum tipo de remuneração. Afirma que atua desta maneira porque “gera prazer e tem facilidade para isso”.

 

Estratégia

Orientados pelos advogados, os dois admitiram a prática criminosa fora do país e esperam ter o mesmo tratamento conferido a Duda Mendonça, que foi inocentado no Supremo Tribunal Federal. Mônica afirmou que enviou um bilhete para o engenheiro e lobista Zwi Skornicki avisando sobre um modelo de contrato e informando o número de duas contas no exterior. Ela disse que não sabia qual a atuação dele e que rasurou o contrato para não expor a empresa citada.

A investigação da Lava-Jato identificou US$ 7,5 milhões em duas contas secretas. Parte do dinheiro, cerca de US$ 4,5 milhões, foi remetida para fora do Brasil por Zwi Skornicki. Os outros US$ 3 milhões chegaram à conta do publicitário a partir de depósitos realizados pela Odebrecht em duas offshores ligadas à empreiteira. Em relação a um apartamento localizado em São Paulo, sequestrado pela Justiça Federal, Santana confirmou que custou R$ 6 milhões. Ele disse que metade do valor foi pago no Brasil e a outra metade, cerca de 1 milhão de dólares, no exterior por um pedido verbal do comprador.

 

Ponto a ponto

Confira os principais temas do depoimento de João Santana à Polícia Federal

 

Campanhas políticas

O marqueteiro informou que foi convidado, em 2005, pelo ex-presidente Lula para comandar o marketing na reeleição. Comunicou que fez a campanha do senador Delcídio do Amaral e atuou nas eleições municipais para Marta Suplicy e Gleise Hoffmann. Disse que, em 2009, atuou na campanha de Maurício Nunes (El Salvador) e, em 2010 e 2014, nas campanhas presidenciais de Dilma Rousseff. Entre 2011 e 2012, afirma que comandou as candidaturas de Danilo Medina (República Dominicana), Hugo Chavez (Venezuela) e José Eduardo Santos (Angola). Santana comunicou aos policiais que também fez a campanha do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2012.

 

Conta na Suíça

Ele informou que a conta, em nome da Shellbill Finance SA, foi aberta entre 1998 e 1999 para recebimento de valores de aproximadamente US$ 70 mil por um serviço prestado na Argentina. Ele reconhece que é o controlador, mas não soube informar quem são os beneficiários. Santana afirma que tinha interesse em legalizar a conta, mas tinha dúvida em que país deveria fazer, já que eram recursos recebidos por campanhas no exterior.

 

Aposentadoria

O jornalista contou que a sua mulher, Mônica Moura, é a responsável pela movimentação da conta e que não sabe informar quanto recebeu. Santana disse que era mantida como uma poupança para sua aposentadoria. Ele disse que passou a receber maior volume de recursos em 2011 e 2012, quando passou atuou em três campanhas presidenciais no exterior.

 

Angola

Santana disse se recordar de que a campanha em Angola teve um custo de US$ 50 milhões. Não lembra quanto ganhou pelo trabalho realizado na República Dominicana e Venezuela. Ele explicou que o valor em Angola é mais alto em razão de problemas como infraestrutura, risco pessoal, financeiro e conflitos étnicos.

 

Odebrecht

O marqueteiro assegurou que não mantém nenhum relacionamento comercial com o Grupo Odebrecht. Afirmou que esteve com o dono da empreiteira, Marcelo Odebrecht, durante um evento social. Comunicou que teve alguns contatos com funcionários da empreiteira no exterior para acesso às obras e ao apoio logístico.

 

Zwi Skornik

O baiano garantiu que não conhece o engenheiro e lobista polonês Zwi Skornick, que teria feito repasses de US$ 4,5 milhões ao exterior na conta Shellbill Finance SA. Disse também que não sabe informar se a conta teria recebido valores do lobista.

 

Origem dos recursos

Santana negou que os valores recebidos na Shellbill Finance SA são relativos a campanhas realizadas no Brasil. Declarou também que nunca manteve qualquer contrato com o poder público no Brasil e que, eventuais conselhos para o governo federal, ocorreram de forma não onerosa. Ele contou que foi um doador de serviços ao governo em razão do prazer que isso lhe gera e da facilidade que possui.

 

Apartamento

O marqueteiro informou que o imóvel, localizado na Rua Afonso Braz, em São Paulo, foi comprado por R$ 6 milhões. Ele disse acreditar que metade do valor havia sido pago no Brasil e a outra parte no exterior, o equivalente a US$ 1 milhão, atendendo a um pedido verbal do vendedor. Disse que não se recorda da data exata da negociação.

 

Feira

 

Santana disse que tomou conhecimento pela imprensa de anotações de Marcelo Odebrecht com referência ao termo “Feira”. Ele negou qualquer relação com o apelido e disse que não recebeu qualquer valor por ordem do empresário. Ele autorizou o acesso integral a todos os dados da conta Shellbill no exterior.

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1,5 milhão de assinaturas são coletadas

 

O Ministério Público Federal (MPF) anunciou ontem a coleta mais de 1,5 milhão de assinaturas para o projeto de lei de combate à corrupção, denominado 10 Medidas contra a Corrupção. A inciativa é baseada em 10 pontos de alteração da legislação atual, entre eles, o aumento de penas para crimes relacionados com a corrupção e a criminalização das doações não declaradas em campanhas eleitorais. A proposta deverá ser enviada ao Congresso em meados de abril.

“A ideia é apresentar esse conjunto de assinaturas ao Congresso com o pleito de instalação de uma comissão para apreciação das propostas. Sabemos que já existem vários projetos de lei com escopos similares ou até mesmo com o mesmo teor. Portanto, nossa expectativa é de que tudo seja aglutinado de forma que a Câmara e o Senado possam se debruçar sobre eles”, informou o subprocurador-geral da República, Nicolau Dino.

 

De acordo com o procurador Deltan Dallagnol, que integra a força-tarefa que atua na Operação Lava-Jato, a proposta foi endossada por 880 entidades que se empenharam na coleta de assinaturas. “O que vemos hoje é um movimento da sociedade, de baixo para cima, por mudanças que ansiamos desde que o Brasil é Brasil”, afirmou Dallagnol, durante cerimônia de comemoração do sucesso da campanha de apoio ao projeto. As entidades que conseguiram maior número de adesões foram homenageadas pelos procuradores. Entre elas, a loja maçônica Grande Oriente de São Paulo, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo e os movimentos Política Viva e Vem pra Rua.