Correio Braziliense, n. 19268, 26/02/2016. Saúde, p. 7

Estudo liga zika a síndrome

Além da microcefalia, o vírus zika parece ser capaz de provocar anomalias fora do sistema nervoso central em bebês gestados por mães infectadas pelo vírus. Estudo de caso divulgado ontem por pesquisadores brasileiros e americanos reforça uma suspeita que já vem sendo aventada — de que o zika provoca uma síndrome congênita —, e aponta para uma potencial relação com acúmulo de líquido generalizado no corpo do bebê e morte do feto.

O trabalho relata o caso de uma menina nascida morta em Salvador com uma condição conhecida como hidranencefalia — em que os hemisférios cerebrais desaparecem e a cavidade é preenchida por líquido cefalorraquidiano —, calcificações intracranianas e diversas outras lesões. O bebê apresentou ainda uma outra condição que até então não tinha sido relacionada com zika: a hidropsia, que se caracteriza por acúmulo de líquido e inchaço sob a pele, o peritônio — membrana que reveste a parte interna da cavidade abdominal — e a pleura — membrana que envolve o pulmão. Autópsia revelou a presença do vírus zika no córtex cerebral, na medula e no líquido amniótico.

“Resolvemos relatar o caso em uma revista científica porque apresenta uma evidência adicional de que o zika pode, além da microcefalia e de doenças oftalmológicas, estar ligado a ocorrência de hidropsia e à morte do feto”, disse o diretor do Hospital Geral Roberto Santos, de Salvador, Antonio Raimundo de Almeida, que acompanha hoje pelo menos uma centena de crianças nascidas com microcefalia desde 31 de outubro do ano passado.

Ele assina o trabalho na revista PLOS Neglected Tropical Diseases com o médico fetal Manoel Sarno, que fez o acompanhamento da mãe na gravidez, e com pesquisadores americanos da Universidade Yale e do Texas. Os autores relatam que a mãe, de 20 anos, tinha iniciado o cuidado pré-natal na 4ª semana de gestação, quando foi testada negativamente para HIV, hepatite, toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus, e a gravidez se desenvolvia sem problemas. No ultrassom da 14ª semana, a avaliação ainda estava normal.

No exame da 18ª semana, porém, foi observado que o feto estava com o peso bem abaixo do normal, e os ultrassons seguintes, na 26ª e na 30ª, constataram a microcefalia e o desaparecimento dos hemisférios cerebrais, que se liquefizeram. O feto acabou morrendo logo depois e um parto foi induzido na 32ª semana. A hidranencefalia é diferente da hidrocefalia, que se caracteriza por um crescimento maior da cabeça. Nesse caso também há um acúmulo de líquido, mas o tecido cerebral ainda existe. Na hidranencefalia, não — O que é incompatível com a vida.

 

Assintomática

Dois pontos chamaram a atenção dos pesquisadores: primeiro, a ocorrência da hidropsia, sugerindo que o zika pode ter uma ação que não é exclusiva ao sistema nervoso central; segundo, o fato de que a mãe ter contado que não sentiu nenhum sintoma de zika ou de qualquer outra infecção viral em nenhum momento da gravidez.

Apesar de ela ter ficado assintomática, como foi detectado o crescimento anormal do feto na 18ª semana, os pesquisadores suspeitam que houve uma infecção intrauterina anterior a isso, provavelmente no primeiro trimestre da gestação. Eles afirmam que um só caso é insuficiente para falar que esses outros problemas foram mesmo causados pelo zika e sugerem que médicos fiquem atentos para investigar outros casos de aborto e bebês natimortos para tentar descobrir se pode haver essa ligação.

 

Frase

"O zika pode, além da microcefalia e de doenças oftalmológicas, estar ligado a ocorrência de hidropsia e à morte do feto”

Antonio Raimundo de Almeida, diretor do Hospital Geral Roberto Santos

 

A epidemia em discussão

 

O Senado Federal recebeu na tarde de ontem uma sessão temática para discutir medidas que possam intensificar o combate ao mosquito Aedes aegypti. Na abertura da sessão, o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), garantiu que qualquer providência legislativa necessária para combater o mosquito terá prioridade de tramitação. Além das autoridades, participaram da solenidade a médica obstetra Adriana Melo e Lucia Bricks, diretora do laboratório Sanofi-Pasteur, que recentemente desenvolveu e aprovou vacina tetravalente contra a dengue. Na fase de testes, o medicamento atingiu 65% de eficácia.

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OMS incentiva o aleitamento

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou nesta quinta-feira que mães contaminadas com o vírus zika podem amamentar normalmente, sem risco de contágio. Segundo o informe, apesar de o vírus ter sido identificado no leite materno de duas mães, os benefícios da amamentação para a criança são maiores do que qualquer risco.

“A amamentação é muito importante para a criança, pois é responsável pela maturação do seu sistema imunológico. Pode ser que estudos apontem o zika como mais nocivo do que imaginamos até agora, mas, por enquanto, com o que temos sobre o zika, a recomendação é de manter a amamentação”, afirma o presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP),  Luciano Borges.

Ontem, o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, declarou que o Sudeste é uma região que preocupa os pesquisadores por não ter apresentado uma circulação do vírus, o que deixaria a população local vulnerável. Outro receio é o Rio de Janeiro, em razão das Olimpíadas.

 

O diretor observou uma tendência histórica de redução de casos de dengue a partir do mês de julho, devido a condições climáticas desfavoráveis de reprodução do Aedes aegypti. A previsão é de que a tendência se repita com o zika. “É essa a expectativa. Como se trata de um vírus novo, não podemos ter plena convicção. Daí a necessidade de reforçar as medidas de prevenção”, afirmou Maierovitch.