Correio Braziliense, n. 19268, 26/02/2016. Economia, p. 8

Receita extra permite superavit de R$ 14,8 bi

Rosana Hessel

As contas do Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência, que compõem o governo central, ficaram no azul em janeiro pela primeira vez desde abril de 2015. Em janeiro, o superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) foi de R$ 14,8 bilhões, aumento real (descontada a inflação) de 28,6% sobre os R$ 10,4 bilhões computados em 2014. O saldo positivo, no entanto, teve a contribuição decisiva de receitas extraordinárias obtidas com a concessão de hidrelétricas. Nos próximos meses, a tendência é que o resultado fiscal volte para o vermelho. Segundo especialistas, o governo terminará 2016 com o terceiro rombo seguido, com deficit de 1% a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
O resultado ficou abaixo das estimativas do mercado, que esperava saldo em torno de R$ 18 bilhões. Nas contas apresentadas ontem pelo Tesouro, a receita líquida aumentou 6,3% na comparação com o ano anterior, em termos reais, para R$ 123,9 bilhões. Enquanto isso, as despesas avançaram 3,8%, para R$ 109,1 bilhões. O órgão teve superavit primário de R$ 23,4 bilhões, com crescimento real de 28,3% sobre 2014. O resultado positivo compensou os  rombos da Previdência, de R$ 8,4 bilhões (alta de 35%), e do Banco Central, de R$ 19 milhões (mais 2,5%).
Como o primeiro mês do ano geralmente é superavitário, os números não indicam uma recuperação. “ O que ocorreu foi uma melhora pontual advinda de receitas extraordinárias”, resumiu o economista Fábio Klein, da consultoria Tendências, citando a receita de R$ 11 bilhões com concessões de energia elétrica realizadas em novembro passado.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, destacou que, além da ajuda das concessões, a redução de gastos por conta da limitação dos empenhos mensais dos órgãos federais a 1/18 do Orçamento contribuiu para o resultado. “Os dados de atividade que estão vindo não chancelam retomada do crescimento da arrecadação neste ano. Ainda faz sentido trabalhar com queda real de 6% e deficit de 1,5% do PIB neste ano”, disse.
O superavit de janeiro foi o quarto melhor para o período desde o início da série histórica iniciada em 1997, mais, descontada a receita com concessões, o resultado cai para 16º. O secretário do Tesouro, Otávio Ladeira, informou que a segunda parcela do leilão das hidrelétricas, de R$ 6,4 bilhões, está programada para ser paga em julho. Neste ano, adiantou, deve ocorrer mais um grande leilão de energia. As previsões de receita com concessões e de recebimento de dividendos de empresas estatais, que não ocorreu em janeiro, serão divulgadas na próxima semana.
Ladeira destacou que, devido à determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) para que o Tesouro pague os subsídios a cada início de semestre, evitando novas pedaladas fiscais, houve um aumento nessa despesa que passou de R$ 718 bilhões, em janeiro de 2015, para de R$ 11,6 bilhões, no mês passado, o que, em parte, “neutralizou” a receita com concessões. Segundo ele, o pagamento de subsídios em janeiro se refere ao segundo semestre de 2015. O próximo, relativo ao primeiro semestre deste ano, será realizado em julho.
Pelas contas do economista Thovan Caetano, da LCA Consultoria, se não houvesse essa compensação atípica, o resultado fiscal de janeiro teria sido maior ainda. “Mas sabemos que essa melhora é passageira. A arrecadação de tributos ligados à atividade econômica está muito sensível, com quedas bastante fortes. E as medidas que o governo tem tomado para segurar os gastos discricionários não estão sendo suficientes par conter os efeitos da desaceleração da receita”, destacou.
O principal alvo dos cortes, os investimentos, encolheram 35,5% em janeiro na comparação com o mesmo período de 2015, para R$ 5,4 bilhões. Os gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a menina dos olhos do governo Dilma, encolheram 28,8% e os do Minha Casa Minha Vida, 71,8%. Ladeira assegurou que o Tesouro vem fazendo os repasses do programa MCMV “sem atrasos”.
Questionado sobre o rebaixamento do país pela Moody’s nesta semana, ele reafirmou o compromisso do governo em perseguir o resultado fiscal previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de R$ 24 bilhões para o governo central. Até o fim de março, o governo enviará ao Congresso proposta para criar a controvertida banda fiscal, que permite um deficit de até 1% do PIB neste ano, ou seja, de R$ 60,2 bilhões. “Vamos trabalhar para reverter a situação fiscal. Temos medidas de longo prazo, como o limite para as despesas e a proposta de renegociação de dívidas dos estados, que serão bem-vistas pelas agências de risco”, disse.

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Arrecadação desaba 6,7%

Antonio Temóteo 

A recessão, a alta do desemprego e a retração na massa salarial provocaram queda real de 6,71% na arrecadação de impostos em janeiro, na comparação com o mesmo período do ano passado. Foi o pior resultado para o mês desde 2011, conforme dados divulgados ontem pela Receita Federal. Os cidadãos e as empresas pagaram ao governo R$ 129,3 bilhões em tributos. Os especialistas alertaram que a tendência é de que o montante continue a encolher durante o ano.
O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, Claudemir Malaquias, chamou a atenção para o fato de que a massa salarial real teve uma queda de 0,8% em janeiro em relação ao mesmo mês do ano passado. Segundo ele, isso ocorreu pela primeira vez na história e, combinado com o aumento do desemprego, afetou negativamente o recolhimento de impostos. “A retração do poder de compra das famílias afeta o consumo e a arrecadação. A queda nos rendimentos potencializou os efeitos negativos da recessão”, disse.
Malaquias ressaltou que a crise econômica e o fechamento de postos de trabalho têm afetado todos os setores da economia. “Os bens que primeiro deixam de ser vendidos são os de maior valor e de maior carga tributária”,afirmou. Dos 10 setores que mais pagam impostos, o de produtos de fumo é o que mais reduziu o montante pago à Receita Federal. A queda chegou a 36,5%. Em seguida, o recolhimentos de encargos do segmento de obras de infraestrutura diminuiu 33,5% e o de fabricação de veículos automotores despencou 27,6%.

Reoneração
A crise econômica ainda implicou queda de R$ 1,5 bilhão na arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O montante de Imposto de Importação diminuiu R$ 1,1 bilhão e o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) tiveram recuo de R$ 1,1 bilhão. Já o pagamento de IR que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores caiu R$ 959 milhões e o de PIS/Cofins, R$ 965 milhões, afetados principalmente pelo aumento da taxa de desemprego.
Malaquias ainda destacou que a arrecadação previdenciária foi afetada pela redução do número de empregos formais. Segundo os dados dados da Receita, as contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) encolheram 7,13%, o que representou uma perda de R$ 2,4 bilhões. O resultado só não foi pior porque o governo reonerou as empresas e recebeu R$ 802 milhões a mais sobre a folha de salários. No ano passado, o Executivo encaminhou ao Congresso projeto para aumentar as alíquotas; o texto aprovado passou a valer em janeiro.
O técnico da Receita não projetou a arrecadação em 2016, mas sinalizou que a tendência é de queda. “A arrecadação acompanha o cenário econômico. Se ele continuar se deteriorando, diminuirá o volume de tributos”, disse. Apesar da queda generalizada, o montante de pagamentos de IRPF que incide sobre ganhos de capital na alienação de bens aumento 87,5% e chegou a R$ 1,1 bilhão. Para Malaquias, muitos contribuintes podem ter se antecipado ao aumento do imposto discutido no Congresso Nacional e venderam imóveis.
O economista Paulo Gomes, da Azimut Brasil Wealth Management, ressaltou que a tendência de queda da arrecadação continuará em 2016 e que os esforços do governo de aprovar a recriação da CPMF enfrentam bastante resistência no Congresso Nacional. “A situação é preocupante. Recorrer ao setor privado para pagar a conta é um problema e isso pode implicar em mais recessão e mais desemprego. O ideal é que o Executivo corte mais despesas”, disse.

 


Desconfiança do mercado
Os investidores estão cada vez mais desconfiados sobre a capacidade do governo de ajustar as contas públicas. Apesar de o Tesouro Nacional ter anunciado superavit primário de R$ 14,8 bilhões em janeiro, o número não convenceu por estar inflado com receitas de concessões. Com isso, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), que chegou a esboçar alta pela manhã, encerrou as negociações de ontem em baixa — a terceira queda consecutiva. O Ibovespa, que mede a lucratividade das principais ações do pregão paulista, cedeu 0,47%, aos 41.887 pontos. O dólar também recuou, cotado a R$ 3,950 para venda, com baixa de 0,17% ante a véspera. O desânimo em relação aos rumos da economia só aumenta. A persperctiva é de que o Produto Interno Bruto (PIB)