Correio Braziliense, n. 19269, 27/02/2016. Política, p. 4

Planilha aponta pagamentos

Documento apreendido na casa de funcionária da Odebrecht sinaliza que João Santana recebeu R$ 4 milhões da empreiteira na época da campanha presidencial em 2014.O marqueteiro e a mulher têm a prisão prorrogada por cinco dias

 

Uma planilha apreendida na casa de uma funcionária da Odebrecht mostra R$ 4 milhões em pagamentos da empreiteira atribuídos ao marqueteiro João Santana no mesmo período em que ele fazia a campanha da presidente Dilma Rousseff em 2014. No mesmo documento, considerado “base de dados da propina”, a Polícia Federal identificou anotação que indicaria uma negociação total de R$ 24,2 milhões.

 

A planilha foi obtida nas buscas realizadas na segunda-feira na casa de Maria Lúcia Tavares. Para a PF, o arquivo de possíveis pagamentos suspeitos se refere ao marqueteiro João Santana, identificado como “Feira” — alusão a Feira de Santana, na Bahia. “A planilha de pagamentos apreendida na residência de Maria Lúcia revela a existência de negociação de R$ 24,2 milhões vinculados a ‘Feira’”, diz relatório da Polícia Federal. Tal tabela relata claramente a existência de sete pagamentos em que o status da planilha aponta para ‘totalmente atendida’, demonstrando que, dos R$ 24,2 milhões, pelo menos R$ 4 milhões foram entregues pela Odebrecht a João Santana e Mônica Moura, referidos como ‘Feira’ até a data de 3 de julho de 2014”, informa a Polícia Federal.

 Ontem, o juiz Sérgio Moro prorrogou por cinco dias a prisão temporária de João Santana e da mulher, Mônica Moura. No pedido apresentado pela Polícia Federal, foram anexadas as trocas de mensagens de pessoas ligadas à Odebrecht em que dinheiro é tratado como “acarajé” e anotações manuscritas de “Feira — Mônica Moura” seguidas de telefones usados pelos alvos.

 Santana e a mulher — responsáveis pelas campanhas da presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2006) — estão presos desde terça-feira, em Curitiba, alvos da 23ª fase da Lava-Jato, batizada de Operação Acarajé, em alusão ao termo usado para propina. Os dois teriam recebido US$ 7,5 milhões, pelo menos, de dois acusados de corrupção na Petrobras, entre 2012 e 2014, em conta secreta em nome da offshore Shellbill Finance SA.

 “A defesa reduz os inúmeros indícios expostos nos presentes autos a meras especulações, mas até o presente momento nada apresentou que possa fazer prova em contrário. Não há um contrato, uma invoice, um registro ou mesmo uma troca de e-mails ou qualquer indício, por menor que seja, apto a corroborar os fatos alegados pela defesa de João Santana e Mônica Moura”, afirma a PF.

O casal, em depoimento, afirmou que os valores recebidos em conta secreta na Suíça são relativos a campanhas eleitorais realizadas na Venezuela e em Angola. O criminalista Fábio Tofic, com base nos depoimentos, pediu a liberdade do casal e afastou o elo dos recebimentos irregulares com campanhas no Brasil.

 No despacho que prorrogou as prisões, o juiz Sérgio Moro afirmou que não excluiu a possibilidade “da existência de outras contas secretas no exterior ou no Brasil controladas pelo casal”. “Como rastreados no exterior depósitos na conta Shellbill de apenas US$ 7,5 milhões, não excluo a possibilidade da existência de outras contas secretas no exterior ou no Brasil controladas pelo casal, já que as planilhas acima apontadas indicam pagamentos bem superiores a este valor”, afirmou Moro.

 Segundo o juiz, a prorrogação da prisão do casal servirá para propiciar “mais tempo para o rastreamento dos possíveis pagamentos em reais efetuados no Brasil e a sua completa totalização”. A renovação da temporária do marqueteiro e de sua mulher e sócia foi requerida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Onze procuradores da República que subscrevem o pedido de renovação da custódia alegam que João Santana e Mônica ‘mentiram’ em seus interrogatórios. Eles apresentaram versões que não convenceram os investigadores, principalmente na parte relativa a pagamentos realizados pela empreiteira Odebrecht.

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Ferrovias na mira da Polícia Federal

A Polícia Federal deflagrou na manhã de ontem a Operação O Recebedor, que investiga um esquema de corrupção envolvendo empreiteiras na construção das ferrovias Norte-Sul e de Integração Oeste e Leste (Fiol). A ação foi feita a partir de informações obtidas pela Operação Lava-Jato nos acordos de colaboração firmados pela Camargo Corrêa e seus executivos.

As investigações revelaram prática de cartel e lavagem de dinheiro ilícito obtido por meio de superfaturamento das obras públicas. Somente no Estado de Goiás foi detectado desvio de cerca de R$ 630 milhões, considerando-se somente trechos executados na construção da Ferrovia Norte-Sul. Odebrecht, Queiroz Galvão, Mendes Junior, Serveng e Constran estão entre as empreiteiras investigadas nessa operação.

Nos depoimentos de colaboração, os executivos da Camargo Corrêa entregaram provas contra o ex-presidente da Valec (a estatal das ferrovias) José Francisco das Neves, o Juquinha. Ele foi afastado do cargo em 2011, por suspeita de corrupção, na “faxina” da presidente Dilma Rousseff. Conforme as colaborações, ele teria recebido R$ 800 mil em propina.

Indicado à Presidência da Valec em 2003 pelo PR — partido do deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), seu padrinho político —, Juquinha precisou do aval do ex-senador José Sarney (PMDB-AP) para assumir o cargo na estatal.

A Camargo Corrêa, que é alvo da Lava-Jato, já anunciou acordos de colaboração com o Ministério Público Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por meio dos quais se comprometeu a pagar mais de R$ 800 milhões.

Fachada

Os investigadores concluíram que empreiteiras realizavam pagamentos regulares, por meio de contratos simulados, a um escritório de advocacia e mais duas empresas sediadas em Goiás, indicadas por Juquinha, usadas como fachada para maquiar origem lícita para o dinheiro proveniente de fraudes em licitações públicas.

Os delatores da Camargo forneceram provas documentais e indicaram testemunhas contra outras empresas e pessoas que também teriam participado do esquema criminoso apurado pela O Recebedor. O nome da operação é referência à defesa apresentada por Juquinha na operação intitulada Trem Pagador. Seus advogados alegaram que, “se o trem era pagador, o alvo não era o recebedor”. Juquinha foi preso na ocasião.

As investigações da Trem Pagador começaram quando a Procuradoria da República em Goiás fazia levantamento para pedir à Justiça a indisponibilidade de bens de Juquinha, investigado por inflar preços da obra da Ferrovia Norte-Sul quando presidente da Valec, beneficiando empreiteiras. O trabalho mostrou que um vasto patrimônio, avaliado em R$ 60 milhões, foi posto em nome do ex-dirigente, parentes e laranjas. Em dezembro, a PF fez a primeira operação resultado de investigações da Lava Jato, a Crátons, que teve como foco a extração e comercialização ilegal de diamantes em terras dos índios cinta-larga, em Rondônia.

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Lula vai ao Supremo

Após ser intimado para prestar um novo depoimento ao Ministério Público de São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender investigações do promotor Cássio Conserino e da força-tarefa da Lava-Jato que apuram suposto favorecimento de empreiteiras ao petista, segundo informou o site do jornal Folha de S.Paulo.

De acordo com informações da defesa, Lula terá que prestar novo depoimento na próxima quinta-feira sobre a situação do tríplex no condomínio Solaris, no Guarujá (SP), e suspeitas de irregularidades na transferência para a empreiteira OAS de obras inacabadas da Bancoop. Os advogados alertam que se não comparecer, Lula pode ter condução coercitiva, quando a pessoa a levada a prestar esclarecimentos e liberada em seguida.

A Promotoria Criminal em São Paulo intimou novamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a mulher, Marisa Letícia, para prestar depoimento na condição de investigados no procedimento sobre o tríplex 164-A no condomínio Solaris.

O promotor Cássio Conserino suspeita que o ex-presidente e família são os verdadeiros proprietários do apartamento no Guarujá. Ele trabalha com a hipótese de crime de lavagem de dinheiro por meio de ocultação de patrimônio.

O depoimento do petista estava marcado, inicialmente, para 17 de fevereiro, mas uma liminar do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu a audiência a pedido do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que ingressou no colegiado com pedido de providências contra Cássio Conserino.

Para o deputado, o promotor “antecipou juízo de valor” em relação a Lula ao afirmar, em entrevista à revista Veja, que denunciaria o ex-presidente antes de ouvir a defesa do petista. Na terça-feira passada, por unanimidade, o Conselho Nacional do Ministério Publico destravou o caso e autorizou o promotor paulista a dar continuidade à investigação.

 

O promotor vai ouvir, ainda, o empreiteiro Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS; um engenheiro da empresa Igor Pontes; e ex-dirigentes da Cooperativa Habitacional dos Bancários do Estado de São Paulo (Bancoop) — responsável inicialmente pela construção do Solaris, empreendimento que acabou assumido pela OAS.

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Pedido de investigação de sete empresas

Julia Chaib

O vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, pediu investigação sobre supostas irregularidades em sete empresas que prestaram serviços ao PT durante a campanha presidencial de 2014. Gilmar enviou a pelo menos seis órgãos as cópias de notas fiscais e outros documentos das firmas para que seja feita a análise se houve delitos praticados. O ministro foi o relator da prestação de contas da presidente Dilma Rousseff. A defesa da campanha presidencial informou que recorrerá da decisão.

Mendes solicitou ontem a apuração das empresas ao Ministério Público Federal e de São Paulo; à Polícia Federal; à Secretaria de Fazenda de São Paulo; à Secretaria da Receita Federal; e ao Conselho de Administrações de Operações Financeiras (Coaf). As apurações abrangem sete empresas: Mariana Produtos Promocionais Ltda., Rede Seg Gráfica e Editora; Vitor H G de Souza Design Gráfico ME; Marte Ind. e Com. de Artefatos de Papéis Ltda.; Francisco Carlos de Souza Eirelli; Door2Door Serviços Ltda.; e DCO Informática. Juntas, as companhias receberam R$ 22,6 milhões da campanha.

O pedido do ministro atende a um requerimento feito à época pelo PSDB, que questionou a aprovação das contas. O partido apontou irregularidades e afirmou haver provas de que havia empresas “de fachada”, contratadas para prestar serviços avançados por valores “exorbitantes e desproporcionais”.  O partido alegou que há indícios de “irregularidade e ilegalidade na contratação e pagamento efetuado a empresas”.

As contas de Dilma foram aprovadas por unanimidade, com ressalvas, em 2014. Apesar da aprovação, o ministro ainda determinou que autoridades continuassem a apurar suspeitas de irregularidades. Nos pedidos, o ministro aponta para supostas práticas criminosas por parte das empresas, como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Em nota, a campanha petista informou que recorrerá dos pedidos de Gilmar “por considerar ser referida decisão inconstitucional, com ofensa aos princípios do respeito à coisa julgada, do contraditório e ampla defesa, e da imparcialidade”. “Oportuno frisar, mais uma vez, que as contas da campanha presidencial foram aprovadas por unanimidade pelo TSE”, completa a nota.

 

Ações

Além do pedido de Gilmar, o TSE tem quatro ações do PSDB que pedem a cassação da chapa de Dilma e do vice-presidente Michel Temer. Os processos estão sob a relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, corregedora-geral. A expectativa é de que as ações demorem pelo menos seis meses para serem julgadas. Como Maria Thereza deixa a Corregedoria em setembro, a tendência é que passem a ser relatadas pelo próximo corregedor, que deve ser o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin.

 

R$ 22,6 milhões

 

É o valor que as sete empresas investigadas receberam por prestar serviços ao PT