O globo, n. 30153, 26/02/2016. País, p. 8

IRRITADA COM PT, DILMA PODE NÃO IR À FESTA

Aniversário de 36 anos do partido será marcado por desagravo ao ex- presidente Lula e críticas ao governo
 
 
SIMONE IGLESIAS, EDUARDO BARRETTO,
JÚNIA GAMA E FERNANDA KRAKOVICS
opais@oglobo.com.br
    -BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff cogita não ir à comemoração do aniversário do PT, amanhã, no Rio. Incomodada com as críticas do partido à política econômica e à reforma da Previdência, ela poderá ampliar sua estada no Chile, para onde viaja hoje em visita oficial. A festa do PT será um desagravo ao ex- presidente Lula, que passou a ser alvo de investigação por receber favores de empresas que participaram do esquema de propinas da Petrobras. A presidente já não havia participado do programa do PT que foi ao ar na noite da última terça- feira, recusando o convite feito pela direção partidária.

    A viagem ao Chile garante a Dilma um “álibi” para faltar à festa. Até o começo da semana, funcionários do Planalto que organizam as viagens presidenciais tinham a orientação de que ela voltaria ao Brasil amanhã à tarde, a tempo de ir à festa petista. Ontem, no entanto, a decisão quanto ao retorno foi suspensa, uma vez que os compromissos que ela tem no Chile poderiam se estender até o fim da tarde de sábado, inviabilizando a chegada a tempo da festa.

    Ministros mais próximos da presidente defendem sua presença no evento, alegando que, neste momento em que o partido e o governo estão na berlinda devido às denúncias no âmbito da Operação Lava- Jato e à má situação da economia, a ausência seria um sinal de fragilidade ainda maior ao público externo. Para completar, Dilma ainda luta no Congresso para aprovar a CPMF e derrubar o impeachment.

    — Ela não vai brigar com o PT. Esses tensionamentos são comuns, ainda mais em ano eleitoral — disse um assessor do Planalto.

    A votação do projeto que mudou as regras para a exploração do pré- sal pelo Senado, na quarta- feira, deixou o PT ainda mais irritado com Dilma. Os senadores petistas receberam orientação dos ministros para votarem contra a proposta que tirava a exclusividade da Petrobras no pré- sal. No entanto, pouco antes da votação, o governo mudou de ideia, passou a apoiar o projeto do tucano José Serra ( SP) e não avisou a bancada.

     

    CARDOZO PRESSIONADO A NÃO IR

    Outro alvo da guerra interna do partido é o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que nem deve ir à festa do PT. As investigações em torno do ex- presidente Lula reacenderam no partido a animosidade contra o ministro e as pressões para que deixe o cargo.

    Esta semana, deputados petistas, entre eles o líder na Câmara, Afonso Florence ( PT- BA), Wadih Damous ( PT- RJ) e Moema Gramacho ( PT- BA), estiveram no Ministério da Justiça e cobraram de Cardozo providências sobre os vazamentos das investigações relativas a Lula. Segundo relatos, o ministro respondeu ser “praticamente impossível” identificar e impedir os vazamentos.

    Deputados subiram o tom com o ministro e um deles chegou a dizer que, caso Cardozo não tomasse providências, Lula poderia acabar preso. A visita reforçou a ideia de que a presença de Cardozo no aniversário do PT não é conveniente.

    O diretório nacional do PT deve pedir hoje que o partido tenha como prioridade a montagem de ações e mobilizações de solidariedade a Lula.

    “Tarefa muito especial e prioritária neste início de 2016 é a montagem de uma poderosa bateria de ações, recursos, debates e mobilizações de solidariedade a Lula, o presidente que segue iluminando de esperança o coração do povo mais humilde e já provou, em seus dois mandatos, que o Brasil pode ser o país pioneiro na consolidação de uma autêntica democracia com os pobres dentro”, diz documento que será submetido ao diretório nacional e ainda deve sofrer alterações.

    Assinado pelo presidente do PT, Rui Falcão, e sob o título “Em defesa da democracia”, o texto- base diz que “o ataque a Lula” mira um projeto de nação que busca a justiça, igualdade, liberdade, inclusão e participação de todos.

    O texto, de seis páginas, reserva meio parágrafo para autocrítica. O documento petista diz que “algumas práticas condenáveis da vida política brasileira terminaram impregnando segmentos do partido e resultaram em equívocos e irregularidades que abriram flancos por onde tentam atacar as forças conservadoras, buscando sempre camuflar seu objetivo maior em anular todas as conquistas da era Lula”.

    O documento diz ainda que o partido “falhou” ao não realizar uma investigação ampla “na privataria tucana” — privatizações realizadas no governo Fernando Henrique Cardoso — e ao não “democratizar” a comunicação social.

    Senadores relacionados:

    • José Serra

    Órgãos relacionados:

    • Câmara dos Deputados
    • Congresso Nacional
    • Senado Federal

     

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    Na contramão do governo, PT critica reforma da Previdência

    Propostas do partido contrariam linha adotada por Dilma
     
    FERNANDA KRAKOVICS
    fernanda@bsb.oglobo.com.br
     

    O diretório nacional do PT deve aprovar hoje um “programa nacional de emergência”, com 16 propostas para a recuperação da economia que vão na contramão do que tem sido adotado pelo governo Dilma Rousseff. O documento, intitulado “O futuro está na retomada das mudanças”, é assinado pelo presidente do PT, Rui Falcão, e ainda deve sofrer alterações durante o encontro do comando petista. Em outubro de 2015, o PMDB, o maior partido aliado do governo, também lançou um documento, com medidas se chocavam com a política do governo.

    Outro documento do PT, intitulado “Em defesa da democracia”, que também será submetido ao diretório nacional, afirma que Dilma precisa anunciar logo medidas para o reaquecimento da economia e afastar o risco de impeachment. “Se demorar mais a obtenção de resultados concretos, capazes de reacender expectativas otimistas, a histeria golpista encontrará sempre suas fontes de alimentação no pessimismo, no descontentamento e nas frustrações de toda uma população brasileira que, uma vez despertada para a consciência de seus direitos — também por obra de nossos governos —, não se contentará com pouco, nem aplaudirá, às cegas, medidas adotadas sem o devido debate junto à sociedade civil”, diz o texto.

    No momento em que o governo promove um ajuste fiscal, com corte de gastos, o “programa nacional de emergência” propõe reajuste de 20% nos valores do Bolsa Família. O argumento é que a expansão dos gastos sociais e um plano “audacioso” de investimentos públicos aumentam a demanda do mercado interno e aquecem a economia.

    O texto- base propõe ainda a utilização de parte das reservas internacionais para um Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego, destinado a obras de infraestrutura, saneamento e habitação, com destaque para a ampliação do programa Minha Casa Minha Vida.

    No início do mês, Dilma reconheceu que não vai cumprir a promessa, feita na campanha à reeleição, de construir 3 milhões de moradias na terceira etapa do Minha Casa Minha Vida, até o fim de 2018. A meta deve ser reduzida para cerca de 2 milhões de unidades.

    O documento não poupa críticas à atual política econômica e expõe a diferença de visões entre o partido e o governo. “Nossa convicção é que a saída para a crise se encontra na retomada do combate à desigualdade de renda e riqueza como princípio reitor de um segundo ciclo de desenvolvimento com inclusão social”.

    O ex- ministro da Fazenda Joaquim Levy não foi poupado, mesmo já estando fora do governo. Segundo o programa petista, a política de ajuste fiscal conduzida por ele não teve os resultados esperados. “O corte de gastos e investimentos públicos, além de frear ainda mais o ritmo da economia e da arrecadação, foi folgadamente superado pelo aumento das despesas financeiras, levando o déficit nominal às alturas”, diz o texto.

    Outro item do programa nacional de emergência é a “forte redução” da taxa básica de juros e o barateamento do crédito. O documento cita o economistachefe para a América Latina da Standard & Poor’s, Joaquín Cottani, para dizer que até ele, “insuspeito de heterodoxia”, propôs a redução imediata da taxa Selic dos atuais 14,25% para 7,25% anuais, com o propósito de derrubar o déficit nominal brasileiro para 2,5% do PIB até o final de 2017.

    Um dos pilares da proposta petista é a implementação de mudanças tributárias progressivas, com aumento de impostos sobre o capital e os cidadãos mais ricos, desonerando os salários, o consumo essencial, os mais pobres e as camadas médias. Entre as medidas defendidas estão a correção da tabela do Imposto de Renda, com a adoção de alíquotas mais altas e um teto de isenção superior ao atual; a adoção de imposto sobre grandes fortunas; e a tributação sobre lucros e dividendos.

    O documento cita a reforma da Previdência e o projeto que acaba com a exigência dos 30% de participação da Petrobras no pré- sal, apoiada pelo governo, como parte de uma agenda que visa a “eliminação de conquistas da classe trabalhadora, a redução do Estado e a desnacionalização do parque produtivo”.

     

    Programa propõe reajuste de 20% nos valores do Bolsa Família e investimentos públicos para aquecer a economia