O globo, n. 30153, 26/02/2016. Rio, p. 9

Uma nova ameaça do zika

 

Gestante sem sintomas perdeu feto que tinha, além de severa microcefalia, raras deformações

Caso de bebê com raras deformações e microcefalia intriga médicos. Pela primeira vez, mãe teve zika assintomática e contagiou feto. A tragédia de uma jovem mãe de Salvador, na Bahia, levou à descoberta de outros tipos de defeitos congênitos com possível associação à infecção pelo zika. A diferença neste caso é que a paciente assegura não ter apresentado sintomas do vírus. No entanto, o feto tinha o zika no cérebro e na medula e morreu em consequência de uma série de malformações. É o primeiro caso relatado em revista científica de hidranencefalia, hidropsia e aborto espontâneo relacionados ao zika.

A jovem sofreu o aborto na 32 ª semana de gestação. O feto, uma menina, tinha hidranencefalia — não confundir com hidrocefalia. Neste caso, o feto não tinha a maior parte do cérebro. O crânio estava preenchido em sua maior parte por fluidos. O feto apresentava ainda microcefalia severa e artrogripose, que causa malformação grave dos membros. Tinha também hidropsia, um distúrbio congênito no qual pulmões e outros órgãos e tecidos se enchem de fluidos.

Publicado na revista científica “PLOS Neglected Tropical Diseases”, o estudo do caso foi realizado por uma equipe do Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador. A pesquisa foi liderada por Alberto Ko, da Universidade de Yale ( nos Estados Unidos), e Antônio Raimundo de Almeida, da Universidade Federal da Bahia. Contou ainda com cientistas de outras instituições brasileiras e americanas.

— Estamos numa corrida porque é uma situação muito grave. Nós, que somos médicos e estamos na linha de frente, ficamos muito incomodados com o que está acontecendo — diz Antônio Raimundo, que é diretor- geral do Hospital Roberto Santos.

MÃE CORRIA RISCO DE VIDA

A jovem foi encaminhada ao hospital após a detecção, na 18 ª semana de gestação, de defeitos congênitos no feto. Estes só se agravaram à medida que a gravidez evoluía. Até que, no oitavo mês, ela começou a abortar e teve o parto induzido, devido ao risco de vida para a mãe. O bebê nasceu morto.

Segundo o estudo, a mãe começou o pré- natal na quarta semana de gestação. Até o primeiro trimestre, o feto era normal. Exames descartaram todas as causas mais conhecidas de malformações congênitas, como citomegalovírus, rubéola, toxoplasmose. Tampouco a mulher tem história familiar de doença congênita.

Chamou a atenção dos pesquisadores o fato de a mãe, que doou o feto para o estudo, ser assintomática para o zika. Este é o primeiro caso cientificamente registrado de uma gestante assintomática cujo feto tinha malformações. A mãe fez o exame molecular de PCR, que deu negativo, mas somente um teste sorológico poderia confirmar se ela de fato foi contaminada.

O zika, porém, foi encontrado por exame de PCR em remanescentes do córtex cerebral, na medula e nos fluidos cerebrospinal e amniótico do feto. Não foi achado em coração, pulmões e placenta. Os resultados sugerem que o vír us permaneceu com o feto até o fim. Embora não seja possível usar um único caso para explicar complicações numa população, os pesquisadores destacaram que o caso serve como um aviso.“Essas descobertas trazem o alerta de que o zika pode causar abortos de natimortos e outros tipos de complicações neurológicas não observadas até agora”, destacou Albert Ko no estudo. O pesquisador dirige o Departamento de Epidemiologia de Yale e tem trabalhado com casos de zika na Bahia desde o início de 2015.