O globo, n. 30153, 26/02/2016. Economia, p. 23

Gerdau se torna alvo em nova fase da Zelotes

Empresa é suspeita de corrupção em caso de manipulação de decisões sobre multas, no valor de R$ 1,5 bi

A Operação Zelotes ouviu ontem o diretor- presidente da Gerdau, André Gerdau Johannpeter. A empresa é suspeita de tentar interferir em julgamentos sobre multas tributárias, o que nega. - BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Polícia Federal ( PF) realizou ontem a sexta fase da Operação Zelotes. O alvo foi a siderúrgica Gerdau, que pode ter tentado interferir no pagamento de multas, no valor de até R$ 1,5 bilhão. A suspeita é que ela tenha se beneficiado de fraudes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ( Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda e que tem poder de rever multas aplicadas aos contribuintes. Foram 18 mandados de busca e apreensão e outros 20 de condução coercitiva — quando a pessoa é obrigada a depor —, sendo um deles contra o diretor- presidente da empresa, André Gerdau Johannpeter. A Gerdau nega irregularidades e diz que os recursos ao Carf são legítimos e feitos dentro lei.

EDILSON DANTASÀ disposição das autoridades. O empresário André Gerdau Johannpeter deixa a PF em São Paulo, após depor

Os mandados foram cumpridos no Distrito Federal, em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco. Houve busca e apreensão em dois endereços da Gerdau, inclusive na sua sede administrativa, em Porto Alegre. André Gerdau se encontrava em São Paulo e, à tarde, apresentouse espontaneamente à PF na capital paulista.

Os crimes investigados são tráfico de influência, corrupção, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa fazendária e associação criminosa. Os dados e materiais apreendidos serão compartilhados com a Procuradoria da Fazenda Nacional e a Receita Federal, que fazem parte da forçatarefa da Zelotes. Entre outras coisas, foram apreendidos documentos, pen- drives, computadores e celulares. Algumas das buscas foram feitas em endereços onde podem funcionar escritórios de advocacia. Nesses casos, o juiz disse que só poderiam ser apreendidos exclusivamente materiais relacionados aos fatos investigados.

O depoimento do empresário durou 45 minutos. De acordo com o advogado Arnaldo Malheiros Filho, que o acompanhou, André Gerdau negou que empresas do grupo tenham tido qualquer participação em atos de corrupção na esfera do Carf.

— Ele esclareceu que a empresa não sonegou nada. A empresa recebeu um auto de infração e recorreu ao Carf na forma da lei. E não teve êxito nenhum até o momento. Não pagou nada, nem teve benefício algum. É uma suspeita infundada ( de que a empresa esteja envolvida em corrupção) — disse Malheiros Filho, ao sair da sede paulista da PF com o cliente, que não falou com a imprensa.

ADVOGADO: EMPRESA SÓ BUSCOU ASSESSORIA Segundo o advogado, o único caso envolvendo a Gerdau já julgado em definitivo no âmbito do Carf teve resultado contrário ao grupo. Por isso, ressaltou, não há indícios de que os advogados contratados pela Gerdau estejam envolvidos em corrupção.

— Só se fosse corrupção contra a própria empresa — ironizou Malheiros Filho. — Ele não contratou ninguém para corromper ninguém. Contratou consultoria para auxiliar na exposição dos fatos, era uma causa de valor muito grande, mesmo para uma empresa do porte da Gerdau. Então, a linha da empresa foi se cercar da melhor assessoria possível.

Ele disse ainda que, em sindicância interna, a empresa não apurou qualquer indício de que funcionários do grupo estivessem envolvidos em práticas ilegais ou esquemas de corrupção.

Já segundo a PF, a empresa continuou a cometer ilícitos mesmo depois de a Zelotes ter sido deflagrada, em 26 de março de 2015. As investigações apontaram um esquema de pagamento de propinas a conselheiros do Carf para reverter multas. Foram identificados 70 contribuintes que podem ter se beneficiado da prática, num prejuízo bilionário aos cofres públicos. A Gerdau foi a primeira empresa a ter uma fase da operação só para ela. Contribuintes com casos complexos também deverão ter inquéritos próprios. Outros, mais simples, continuarão dentro do inquérito principal.

A delegada da PF Fernanda Costa de Oliveira afirmou ter sido verificado que a Gerdau atuou para manipular decisões do Carf:

— Basicamente os contribuintes buscavam escritórios de advocacia que tinham vínculos indiretos e diretos com conselheiros e ex- conselheiros do Carf. Então havia tratativas e negociatas para que esses conselheiros atuassem nesses processos específicos da Gerdau visando benefício à empresa.

Na decisão que autorizou os mandados, o juiz Vallisney de Souza Oliveira destacou que alguns dos investigados corromperam vários conselheiros do Carf para beneficiar empresas. Ele concordou com o argumento do Ministério Público Federal ( MPF) de que a Gerdau fez contratações e subcontratações para viabilizar pagamentos ao ex- conselheiro do Carf José Ricardo da Silva. A contratação direta dele ou da empresa da qual era sócio, a SGR, não seria possível, por se tratar de um então conselheiro do Carf.

“Por meio das empresas SGR Consultoria Empresarial LTDA, Planeja Assessoria Empresarial e Alfa Atenas Assessoria Empresarial LTDA, com a participação de Alexandre Paes dos Santos ( suposto sócio informal de José Ricardo dos Santos), Edison Pereira Rodrigues, João Batista Gruginski, Adriana Oliveira e Ribeiro, Eivanice Canário da Silva e Paulo Cortez fizeram funcionar um esquema de articulação, cooptação e corrupção de diversos conselheiros do Carf com a finalidade de obterem julgamento favorável a diversas empresas, dentre as quais a Gerdau”, escreveu o juiz.

A PF pediu busca e apreensão na residência de André Gerdau em Porto Alegre, mas o MPF entendeu que não seria necessário. O juiz ficou do lado da PF, dizendo que a medida seria importante para esclarecimento dos fatos. E determinou que a PF faça, em até 15 dias, uma cópia das mídias apreendidas, para devolvê- las aos donos.

Malheiros Filho argumentou que o pedido de condução coercitiva não era necessário, pois, ao tomar conhecimento da nova fase da operação, André Gerdau se prontificou a prestar esclarecimentos. Segundo o advogado, o empresário não se constrangeu em responder a nenhuma pergunta dos investigadores e continua à disposição da PF.

Além de André Gerdau, outras quatro pessoas depuseram sobre o caso na sede da PF paulista ontem. Malheiros Filho não soube dizer se entre eles havia algum funcionário do grupo Gerdau.

Em nota, a Gerdau afirmou que tudo foi feito dentro da lei e “não concedeu qualquer autorização para que seu nome fosse utilizado em pretensas negociações ilegais, repelindo veementemente qualquer atitude que tenha ocorrido com esse fim”. Colocando- se à disposição das autoridades, assegura que não teve intenção de sonegar impostos. A Gerdau informou ainda que rescindiu contratos com prestadores de serviço cujos nomes estão sob suspeita de ações ilícitas.

SIDERÚRGICAS SE REÚNEM NO PLANALTO Ontem pela manhã, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter esteve no Palácio do Planalto, onde foi recebido pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. Ele estava acompanhado do ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, e por pesos- pesados do ramo do aço para discutir ações para o setor, que enfrenta dificuldades, como a concorrência com importados. Segundo integrantes do governo, ele não falou com a presidente Dilma Rousseff e estava visivelmente preocupado, com fisionomia séria. O clima era de constrangimento, mas ninguém perguntou sobre o seu filho, André Gerdau.

Na Superintendência da PF em Brasília, foram ouvidos José Ricardo da Silva e o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS. Ambos estão presos preventivamente no Complexo Penitenciário da Papuda, no DF, e são réus na ação penal aberta em decorrência da Zelotes para investigar a possível compra de trechos de medidas provisórias que beneficiaram o setor automotivo.