O Estado de São Paulo, n. 44.676, 11/02/2016. Metrópole, p. A15

Novos casos reforçam elo de zika e microcefalia

Trabalhos nos EUA, Europa e Brasil identificam vírus em recém-nascidos

Por: Giovana Girardi/ Herton Escobar

 

Três novos estudos divulgados nesta quarta-feira, 10, reforçam as evidências de que a epidemia de zika pode estar associada ao surto de casos de bebês nascidos com microcefalia no Brasil. Os trabalhos, provenientes dos Estados Unidos, da Eslovênia e do Brasil, identificaram a presença do vírus no cérebro de bebês com microcefalia.

O estudo europeu foi feito em um bebê abortado com microcefalia, cuja mãe havia engravidado no Brasil. A mulher, de 25 anos, optou por interromper a gravidez com 32 semanas de gestação, após uma ultrassonografia confirmar a existência da má-formação, e autorizou a realização do estudo, feito na Universidade de Ljubljana e publicado na quarta no site da revista médica americanaThe New England Journal of Medicine.

Segundo o relato dos pesquisadores, a paciente era uma mulher europeia que estava fazendo trabalho voluntário em Natal (RN) desde dezembro de 2013. Ela engravidou no final de fevereiro de 2015 e apresentou sintomas de zika - febre alta, manchas vermelhas, coceira, dores nos olhos e musculares - três meses depois. Exames de ultrassonografia realizados na 14.ª e 20.ª semana de gestação não revelaram nenhum problema.

Na 29.ª semana, logo após ela voltar à Europa, uma ultrassonografia identificou os primeiros sinais de anomalia; e semanas depois, foi confirmado a microcefalia. A circunferência craniana do feto era de 26 centímetros. Os médicos constataram no cérebro vários pontos de calcificação, ausência de dobras e acúmulo de líquidos. A presença do zika no órgão foi confirmada por análises genéticas e microscopia eletrônica.

 

Forte evidência. Outro resultado similar veio do Centro de Controle de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), que analisou amostras do Rio Grande do Norte de dois bebês que morreram cerca de 20 horas depois de nascer e de dois fetos abortados. As quatro mães tinham apresentado sinais clínicos de infecção por zika no primeiro trimestre de gravidez. O vírus foi encontrado em amostras de cérebro dos recém-nascidos, no tecido dos fetos e nas placentas.

O diretor do CDC, Thomas Frieden, se dirigiu ao Congresso americano ontem para pedir apoio aos esforços contra a epidemia e disse que a análise do material genético no cérebro de bebês brasileiros é “amais forte evidência até agora” da relação entre zika e microcefalia.

O virologista brasileiro Pedro Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas, que tinha feito a primeira identificação de zika em um bebê com microcefalia no Brasil, informou ao Estado que também no País há novas evidências. Seu grupo acabou de identificar em 12 bebês com microcefalia a presença de zika no líquido cefalorraquiano, encontrado no crânio e na medula espinhal. “Não tenho nenhuma dúvida da relação. Mas isso nos dá a certeza de que estamos no caminho certo e, como não temos vacina nem tratamento, o alvo tem de ser combater o mosquito.”

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Perguntas & Respostas

 

As orientações da OMS

1. Grávidas devem estar preocupadas com o zika vírus?

Embora os sintomas associados com zika sejam geralmente leves, uma possível associação foi observada entre o aumento anormal de zika e casos de microcefalia no Brasil desde 2015.

2. Como se proteger?

Usando repelentes contra insetos, que devem conter o DEET (composto químico à base de dietiltoluamida); vestindo roupas, de preferência com cores claras, que cobrirem o corpo tanto quanto possível; dormindo sob mosquiteiros durante o dia; identificando e eliminando potenciais locais de reprodução do mosquito Aedes Aegypti.

3. O zika pode ser transmitido por relações sexuais?

O zika foi encontrado no sêmen humano. No entanto, são necessárias mais provas para confirmar se o sexo transmite o vírus. Enquanto isso, se recomendam precauções, como o uso de preservativos.

4. Gestantes podem viajar para áreas com zika?

A OMS não recomenda restrição de viagem.

5. O que gestantes com zika devem fazer?

Buscar acompanhamento médico. Ressalta-se que a maioria delas dará à luz crianças normais.

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Bebês com a má-formação têm lesão ocular

Problemas foram relatados em 13 crianças nascidas em Salvador; aparência normal dos olhos dificulta diagnóstico

Por: Giovana Girardi

 

Pelo menos 13 crianças nascidas com microcefalia em Salvador e Recife em casos suspeitos de relação com o vírus zika apresentam também lesões oculares que podem levar à cegueira. A descoberta acrescenta novas evidências à hipótese de que a infecção pode ter impactos em outros órgãos, além do cérebro.

Os resultados, obtidos por equipe liderada pelo oftalmologista Rubens Belfort Jr, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foram divulgados em dois estudos: um na terça, na revista Jama Ophthalmology, e outro em janeiro, na Lancet.

Em ambos, os pesquisadores observaram importantes lesões na retina dos bebês. “Em enormes áreas não existe tecido nervoso. É como se fosse uma tela de televisão com uma parte esburacada, preta, sem condições de enxergar mais”, disse ao Estado Belfort Jr.

Ele iniciou a investigação com três bebês do Recife – cujo resultado saiu em janeiro–e depois analisou mais 31 crianças nascidas em Salvador no hospital Roberto Santos com suspeita de microcefalia. Delas, 29 tiveram a lesão cerebral confirmada, dos quais 27 mães haviam apresentado sintomas de zika durante a gravidez.

Em 10 bebês foram observados variados problemas oculares, e 7 deles tinham dois olhos com anormalidades. “Não tem como reverter essas lesões. As crianças não só terão o cérebro funcionando mal, como a visão não adequada. Pela minha experiência, acredito que várias delas ficarão cegas”, diz.

O pesquisador alerta que a aparência dos olhos dos bebês analisados é normal, o que torna difícil para os pais ou médicos imaginarem que há um problema interno. Por isso, ele recomenda que toda criança nascida de mãe que teve sintoma de zika tenha os olhos examinados, assim como também orienta o Ministério da Saúde.

 

Sem microcefalia. Belfort Jr. afirma ainda que é possível que bebês que nasçam com o cérebro normal de mães que tiveram zika também possam apresentar o problema ocular. Para checar isso, a investigação continua com outros bebês no Nordeste. Nas duas investigações, foi descartada a ocorrência dessas moléstias nas mães. /G.G.