Título: Planalto muda regras de comitê
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 08/10/2011, Brasil, p. 11

Diferentemente do combinado com entidades civis, o governo envia ao Congresso projeto que lhe dá exclusividade na escolha dos membros do grupo responsável por fiscalizar presídios

Quando o Executivo enviou ao Congresso Nacional, cinco dias atrás, o projeto de lei criando o Sistema Nacional de Prevenção à Tortura, que prevê fiscalizações sem aviso-prévio em instituições fechadas do país, os movimentos da sociedade civil comemoraram. Afinal, uma reivindicação histórica desses grupos, que inclusive ajudaram a formatar o texto da proposta, começava a ser atendida.

A celebração, porém, durou pouco. O projeto encaminhado pelo Planalto sofreu uma mudança significativa, de última hora, que confere ao presidente da República o poder de nomear todos os 23 membros do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura ¿ tarefa que, pela proposta original, seria partilhada entre o chefe do Executivo e grupos organizados ligados ao tema.

¿De que adiantou ficarmos cinco anos trabalhando na construção desse sistema se a Casa Civil simplesmente alterou o texto, minando a independência funcional que seria garantida aos novos órgãos. Antes, as pessoas seriam escolhidas por meio de eleições, agora pode ser tudo a portas fechadas¿, afirma José de Jesus Filho, advogado da Pastoral Carcerária. Ele destacou que a alteração contraria o Protocolo Facultativo à Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Tortura, tratado ratificado pelo Brasil em 2007, que exige um processo público e participativo de seleção dos membros do comitê. ¿Vamos denunciar à ONU e já começar um trabalho, dentro do Congresso, para a apresentação de uma emenda¿, diz.

Para a Secretaria de Direitos Humanos, entretanto, o texto atende as exigências da ONU. Em nota, a pasta destacou que o comitê terá maioria de representantes não governamentais, com 12 membros, contra 11 do governo.

Mas não comentou, de forma direta, a modificação no projeto de lei. Limitou-se a reiterar que os 11 peritos indicados pelo comitê terão ¿total independência e autonomia para a fiscalização permanente das instituições de privação de liberdade no nosso país¿.

A secretaria também lembrou que inaugurou recentemente um módulo no Disque 100 ¿ canal federal de denúncias ¿ para o tema da tortura.

Entenda o caso » Projeto de lei do Executivo, cujo texto inicial foi escrito pelo governo com o apoio das entidades da sociedade civil, cria o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura ¿ formado por dois órgãos centrais: o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura (CPCT) e o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura (MCT).

» O CPCT terá 23 membros, sendo 11 representantes do governo federal e 12 de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil. A principal missão desse órgão é indicar os 11 peritos que formarão o MCT, responsável pela fiscalização das instituições de privação de liberdade do Brasil.

» Pelo texto original, a escolha dos 12 representantes da sociedade civil para o CPCT seria feita por meio de eleições, chamadas por edital público e seguindo um regulamento. Os votantes seriam as organizações não governamentais e os conselhos de classe ligados ao tema. O texto mudado pelo Planalto e enviado ao Legislativo dá o poder de escolher esses membros exclusivamente ao presidente da República.

» Na avaliação da sociedade civil organizada, o novo texto tirou a autonomia desse equipamento inédito de combate à tortura. Com um CPCT formado apenas por indicados do presidente, vem o risco de apadrinhamento ¿ os peritos indicados receberão remuneração de cerca de R$ 7 mil ¿ e de engessamento das ações.