O Estado de São Paulo, n. 44.693, 28/02/2016. Economia, p. B5

ENTREVISTA - Manoel Pires

‘Estamos fazendo todo o esforço para estabilizar a dívida’ Manoel Pires, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Por: Lu Aiko Otta / Adriana Fernandes

De acordo com o secretário de Política Econômica da Fazenda, o Brasil não corre hoje risco de insolvência

 

Apesar da difícil situação das contas públicas, não há risco de o Brasil dar um “calote” na dívida, assegurou o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires. “Estamos adotando todas as medidas para estabilizar a dívida o mais rápido possível.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

A reforma fiscal conseguirá conter o avanço das despesas obrigatórias?

Sim. A reforma fiscal possui uma regra de controle dos gastos que reforçará o planejamento fiscal do governo, que poderá adotar as medidas adequadas para conter o crescimento da despesa.

 

Há um conjunto de despesas que, embora não sejam classificadas como obrigatórias, não podem ser cortadas. O governo não tem como reduzi-las?

A redução da despesa promovida desde 2015 fez com que o gasto discricionário real retornasse ao nível de 2009.

 

O que mais o governo pode fazer para evitar o déficit?

É importante, em paralelo, retomar o crescimento econômico. No ano passado, com a queda da atividade, as receitas frustraram e, apesar de todo o esforço realizado, terminamos o ano com um déficit. Precisamos estabilizar o nível de atividade e voltar a crescer.

 

O Brasil corre risco de insolvência da dívida?

Não. Estamos adotando todas as medidas para estabilizar a dívida o mais rápido possível.

 

Como as despesas obrigatórias chegaram ao ponto atual?

O gasto cresceu principalmente a partir de 2009. A despesa obrigatória cresce de 12,4% para 15,2% do PIB entre 2002 e 2016. Cresce mais do que a despesa total e vai comendo espaço das despesas discricionárias ao longo do tempo. Tem uma dinâmica que é própria, decorrente de regras de acesso aos benefícios previdenciários, da LOAS (de assistência social). Há alguns pisos importantes de gastos, além do pagamento do Fundeb e de subsídios. Ao longo dos anos, essas despesas foram crescendo mais do que o PIB e aceleraram a partir de 2010.

 

O que mais influenciou para essa dinâmica tão perversa para as contas públicas?

Além do efeito PIB, o debate que estamos fazendo é a questão previdenciária, que é o principal item da despesa obrigatória junto com os benefícios assistenciais. Elas acabam respondendo pela maior parte desse crescimento das despesas obrigatórias. E a tendência é que cresçam mais em função da dinâmica demográfica. No fórum da Previdência, demos um passo a frente no debate da reforma da Previdência e apontamos sete temas para debater e encaminhar algumas propostas e reduzir o crescimento dessas despesas.

 

Por que essas despesas crescem tão rápido? É por causa da indexação.

Tem várias coisas. Tem a diferença de idade, quando se compara o Brasil com outros países, a idade média de aposentadoria é mais baixa. Foi de 58 anos em 2015. O acesso ao sistema acaba sendo antecipado. Estamos avançando nessa agenda. É o principal item.

 

Mas a Previdência não foi responsável sozinha pelo problema?

Tem alguns outros itens, como a despesa de pessoal. Mas, quando se olha a dinâmica de despesa de pessoal, vemos que está bastante controlada. Em porcentual do PIB, está no nível mais baixo da série histórica. Gira em torno de 4% do PIB. Estamos sempre trabalhando para reduzir essa despesa, mas ela está estável. Na verdade, está em queda em porcentual do PIB.

 

Por que a despesa com pessoal ficou estável?

Por causa da política de reajuste, de contratação. Isso acaba levando a uma estabilidade. O ponto mais alto dela foi em 2002. E, desde então, está controlada. Seja pelo efeito PIB e seja pelo controle de crescimento de folha de servidores que a gente tem praticado nos últimos anos. É bom lembrar que em 2011 não teve reajuste para a maioria das carreiras. E temos tentado fazer uma negociação salarial plurianual. Dessa forma, se consegue controlar mais.

 

O aumento dos gastos com subsídios também tem pesado nas contas do governo.

É item importante, mas entendemos que está endereçado. Já revisamos todas as taxas de juros, todas as linhas de crédito. Todas as linhas que têm sido apresentadas não contam mais com a equalização. O que temos é o estoque dos contratos passados que têm de pagar, equalizar, mas depois essa despesa volta. Minha expectativa é que em três, quatro anos a despesa com subsídio já volte ao normal, no nível anterior ao da crise por causa do ciclo de contratação.

 

O quadro de aumento das despesas obrigatórias não tem solução de curto prazo, sobretudo os gastos da Previdência?

Essas mexidas têm impacto imediato. O fato de melhorar a trajetória de longo prazo das finanças públicas faz com que se colha benefícios hoje. Diminui a percepção de risco fiscal que a economia tem. Os investidores trazem isso a valor presente. Fazendo reformas estruturais, as taxas longas de juros caem imediatamente. O governo já se beneficia disso ao pagar taxas mais baixas. E existe alguma economia fiscal porque posterga aposentadorias. Vai gradativamente gerando impacto, sim.

 

Mas não tem impacto no curto prazo no resultado das contas públicas?

Relevante, não. O ganho é o econômico. De as pessoas verem uma melhora fiscal. O conceito de sustentabilidade fiscal é de médio prazo. A preocupação das pessoas é de enxergar o endereçamento das questões fiscais que estão postas. Com a reforma da Previdência, tenho certeza de que isso será feito.

 

Desses três grandes grupos de despesas obrigatórias – Previdência, pessoal e subsídios –, qual o foco maior?

Tem várias coisas que podemos fazer. Mais importante é a Previdência. A ideia do teto de gasto apresentada pelo governo, além de controlar a despesa em si, traz o debate à tona. Uma vez estabelecido o limite, aumenta o peso na discussão do gasto. A experiência internacional mostra que países que têm regras de gasto têm resultados fiscais maiores. Com o teto, há um sinalizador que melhora o planejamento. É igual seguro. Não usar, não chegar ao limite de gasto. Se transforma o planejamento para evitar aquela situação, desarmando algumas despesas a partir do limite.

 

E corta as despesas discricionárias, que são os gastos que o governo em tese pode contingenciar?

O esforço que temos feito para reduzir as despesas discricionárias é enorme.

 

Mas esse esforço é sustentável?

Vai ter de ser na situação que estamos. Revisamos muitos programas. E estamos continuando esse processo de revisão. Agora, estamos trabalhando em duas frentes. O que não é sustentável é reproduzir o corte que foi feito ano passado (R$ 80 bilhões) inúmeras vezes. Por isso, temos de atacar o gasto obrigatório. Não vamos abrir mão do esforço que temos feito nas despesas discricionárias.

 

Mas no Brasil é possível ver despesas discricionárias que o governo não pode deixar de pagar, como comida de presos e manutenção de estradas?

Temos feito o trabalho de aumentar a eficiência do gasto. A ideia é tornar essa despesa discricionária o mais sustentável possível. Cada ano vai ficando mais difícil. Tem um trabalho permanente que é de revisão de programa e aumento da eficiência. Com o PIB, isso vai gerando mais resultado. Essa é uma frente de trabalho. A outra é atuar na despesa obrigatória. Aí, abre espaço de longo prazo. É importante trabalhar nessas duas frentes. Estamos trabalhando para revisar os programas, mas com a sua manutenção.

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Por ajuste nas contas, Estados cortam investimentos

No ano passado,os governos estaduais reduziram os gastos com investimentos em 37%, na comparação com 2014

Por: Luiz Guilherme Gerbelli

 

A queda nas receitas e o aumento das despesas obrigatórias estão tornando as finanças estaduais insustentáveis. Essa combinação perversa provocou a suspensão de obras, interrupção de serviços públicos básicos e atraso no salário dos funcionários em diversos Estados.

As finanças estaduais se agravaram no ano passado em meio a um cenário de forte recessão – o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter recuado 4% em 2015 – e a inflação superou 10%. A crise atual já arrastou importantes Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal.

Com pouca margem de manobra, os governadores escolheram um corte profundo nas despesas de investimento como uma das maneiras de fazer o ajuste fiscal. No ano passado, os governos estaduais reduziram os investimentos em 37% na comparação com 2014, de acordo com um levantamento feito por Pedro Jucá Maciel, consultor econômico do Senado, com base nos dados disponíveis de 24 Estados e do Distrito Federal.

Os Estados brasileiros já vinham com uma estrutura fiscal bastante ruim. Os primeiros sinais começaram em 2012, quando a economia brasileira começou a desacelerar. Para evitar um agravamento maior do quadro, o governo federal promoveu uma série de empréstimos para os Estados, o que resultou numa nova onda de endividamento.

“Se a lição de casa tivesse sido feita em 2012, não estaríamos passando pela dificuldade que enfrentamos agora”, afirma Maciel. Segundo o consultor, no ano passado, o avanço da receita ficou abaixo da inflação em todos os Estados.

Diante desse quadro, a conta dos Estados passou a não fechar porque os governadores não conseguiram um alívio nas despesas. Pelo contrário. Elas continuaram crescendo. O aumento da inflação contribuiu para a elevação do gasto com pessoal. “É preciso atentar que atrasar pagamento é como febre: um sintoma da doença. É preciso combater as razões estruturais para a crise federativa e também recuperar a economia”, afirma José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Na avaliação dos analistas em finanças públicas, está claro que o problema fiscal dos Estados não é conjuntural, mas estrutural. Na semana passada, o governo federal começou a acenar com uma série de medidas para tentar aliviar os Estados.

Uma das propostas em estudo é a possibilidade de federalizar as empresas estaduais como parte da renegociação do débito dos Estados. “Como o diabo mora nos detalhes, é preciso assegurar que as mudanças serão promovidas e em profundidade para salvar os Estados. E não seja apenas uma forma de angariar apoio de governadores para salvar o mandato da Presidenta Dilma”, diz Afonso, do Ibre/FGV.

 

Sem lição de casa

“Se a lição de casa tivesse sido feita em 2012, não estaríamos passando pela dificuldade que enfrentamos agora.”

Pedro Jucá Maciel

CONSULTOR ECONÔMICO DO SENADO

Órgãos relacionados:

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3 perguntas para...

Julio Bueno, secretário da Fazenda do Estado do Rio

 

1.Qual é a situação do Rio?

A questão do Rio, talvez, seja a mais grave do Brasil.

O Rio tem uma economia diversificada. Tem centro automotivo, setor petroquímico e siderúrgico. Isso tudo caiu de forma avassaladora. O Rio também sofreu por causa do preço do petróleo, e os royalties são um pedaço importantíssimo da nossa economia. Um terceiro ponto é a inação da Petrobrás.

 

2.A falta de recursos públicos provocou recentemente um caos na saúde.Essa situação pode voltar a ocorrer de algum modo no Rio de Janeiro?

Seria irresponsável dizer que está tudo resolvido. Nós estamos lutando para que não aconteça de novo. Mas não tenho nada definido: quem tem R$ 19 bilhões de déficit não pode estar tranquilo com nada.

 

3.O caos das finanças não poderia ter sido previsto?

Depois de eu ter a mais difícil posição da minha vida – ser secretário da Fazenda nessa crise –, a próxima posição que eu quero ter é de comentarista de jogo jogado.

Nós fizemos muita coisa importante, mas o que aconteceu na economia brasileira foi um tsunami sem precedentes.