Correio Braziliense, n. 19266, 24/02/2016. Política, p. 2

Marqueteiro do PT atrás das grades

O marqueteiro do PT nas últimas três eleições presidenciais, João Santana, e a mulher, Mônica Regina Cunha Moura, desembarcaram na manhã de ontem em São Paulo e seguiram, num avião da Polícia Federal, para Curitiba. Eles receberam voz de prisão assim que desceram da aeronave. Os dois, que tiveram as detenções temporárias decretadas para explicar o recebimento no exterior de US$ 7,5 milhões, devem prestar depoimento até sexta-feira no inquérito relativo à 23ª fase da Lava-Jato, denominada Acarajé, uma referência à gíria utilizada por alguns envolvidos para tratar de dinheiro vivo. Ao descer da van da Polícia Federal, Mônica disse: “Não vou abaixar a cabeça, não”. O casal se apresentou sem celular e computadores portáteis. Os dois estavam trabalhando em campanha política na República Dominicana. No entanto, a defesa do marqueteiro informou que eles vão entregar os equipamentos eletrônicos aos investigadores. O desembarque em Curitiba, acompanhado do delegado Eduardo Mauat, ocorreu às 11h40. Por volta das 15h, os dois foram realizar exames de corpo de delito no Instituto de Medicina Legal (IML) e retornaram à carceragem da PF. Além deles, o diretor-presidente da Construtora Norberto Odebrecht, Benedicto Barbosa; o administrador de empresas ligado a offshores controladas pela empreiteira, Vinícius Veiga Borin; e o lobista polonês Zwi Skornick realizaram o exame de praxe no IML. Por determinação dos agentes federais, todos os presos desceram com as mãos para trás. Na chegada e na saída do IML, estavam sem algemas. Ninguém falou com a imprensa.

A prisão temporária decretada pelo juiz federal Sérgio Moro, à frente dos processos relativos à Operação Lava-Jato tem prazo de cinco dias, podendo ser prorrogada se a Justiça entender que existe necessidade. Em alguns casos, a exemplo do que já aconteceu na Lava-Jato, os decretos podem ser convertidos em prisão preventiva. Nesse caso, não há prazo para os envolvidos deixarem a cadeia. Na manhã de ontem, o empresário Marcelo Odebrecht foi transferido do Complexo Médico Penal de Pinhais, no Paraná, onde se encontra preso, para a Superintendência da Polícia Federal com o objetivo de esclarecer alguns pontos dentro da investigação da Acarajé. As dúvidas são relativas a mensagens encontradas no celular do empresário. Em relatório de 44 páginas anexado ao inquérito da 23ª fase, em que complementa pedido de buscas, o delegado Filipe Hille Pace analisa a anotação “Prédio (IL)” encontrada em celular de Marcelo Odebrecht ao lado de valor superior a R$ 12 milhões. “Em relação à anotação ‘Prédio (IL)’ a equipe de análise consignou ser possível que tal rubrica faça referência ao Instituto Lula. Caso a rubrica ‘Prédio (IL)’ refira-se ao Instituto Lula, a conclusão de maior plausibilidade seria a de que o Grupo Odebrecht arcou com os custos de construção da sede da referida entidade e/ou de outras propriedades pertencentes a Luiz Inácio Lula da Silva”, diz.

A investigação da Acarajé teve início após policiais federais localizarem, em fevereiro do ano passado, durante a 9ª fase da Lava-Jato, na casa de Zwi Skornicki, carta escrita por Mônica. No documento, ela dizia que estava encaminhando o número de duas contas no exterior para depósito em dólar ou euro. Também informava que estava mandando o modelo de um contrato e que tinha apagado o nome da empresa por “motivos óbvios”. A maior parte dos recursos recebidos por Santana — 60% — teria sido remetida, em 2013 e 2014, ao exterior por Skornicki, utilizando a empresa Shellbill Finance S.A. A Lava-Jato já sabe que pelo menos US$ 3 milhões, depositados entre abril de 2012 e março de 2013, foram repassados para um conta de Santana a partir de uma articulação de offshores controladas pela construtora Norberto Odebrecht. Na Inovation, a Odebrecht teria repassado US$ 500 mil. A outra parte, no valor de US$ 2,5 milhões, foi encaminhada a Klienfield. As duas offshores transferiram os valores para a Shellbill Finance S.A., que teria repassado a contas de Santana. De acordo com os investigadores, os valores passaram por bancos em Londres e Nova York antes de chegarem à Suíça. Os investigadores apontam que chama a atenção o fato de Santana ter declarado legalmente o recebimento de aproximadamente R$ 170 milhões por serviços eleitorais prestados no Brasil desde 2005 e esconder o recebimento de valores menores no exterior. "Não vou abaixar a cabeça, não” Mônica Regina Cunha Moura, mulher de João Santana, ao descer da van da Polícia Federal Detenção na Suíça O Ministério Público informou ontem que a polícia da Suíça prendeu, em 17 de fevereiro, o funcionário da Odebrecht suspeito de administrar contas secretas da empreiteira no exterior. O juiz da Lava-Jato no Paraná, Sérgio Moro, determinou a prisão de Fernando Migliaccio, mas ele não foi detido pela Polícia Federal na Operação Acarajé, porque estava fora do país. De acordo com o magistrado, a função de Migliaccio era “administrar as contas secretas da Odebrecht e que estas eram utilizadas para repasses de propinas a agentes públicos em transações subreptícias”. Segundo o adido policial da Suíça Marco Marinzoli, o funcionário da empreiteira foi detido no dia 17 por volta do meio-dia. A prisão atendeu a pedido do Ministério Público Federal da Suíça. A informação sobre a detenção foi prestada ao juiz Sérgio Moro na tarde de ontem. O Correio apurou que a prisão de Miggliacio aconteceu em Genebra enquanto ele tentava fechar contas bancárias e esvaziar um cofre que mantinha num banco suíço.

A Operação Acarajé foi deflagrada na segunda-feira, cinco dias depois da detenção de Migliaccio na Suíça. De acordo com a investigação, ele se mudou para os Estados Unidos com a família, no segundo semestre de 2014, quando a Lava-Jato já havia se tornado pública. Quem pagou as despesas foi a Odebrecht. Migliaccio é responsável pela administração de empresas offshores e contas bancárias delas. Segundo Moro, entre elas estão a Finance Inc, Dorchester Ltda., Broken Arrow Investment Partners LP, a Klienfeld Services e a Constructora International del Sur. A Polícia Federal já indicou que as duas últimas foram usadas para lavar dinheiro do esquema, destacou o magistrado. A Klinfield foi usada para pagar propinas para o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada, segundo a PF. Migliacio enviou de seu e-mail funcional (mig@odebrecht.com) para a conta particular o.overlord@hotmail.com uma planilha com uma “espécie de contabilidade de pagamentos ilícitos efetuados pela Odebrecht”, segundo o juiz. O arquivo intitulado “posicao-italiano310712MO.xls” contém anotações como “18.000.000” para “evento 2008 (eleições municipais) via Feira”. Para Moro, trata-se de pagamentos a João Santana para eleições municipais no Brasil. A anotação “5.300.000” no “evento El Salvador via Feira” seria repasses para o marqueteiro naquele país. (EM) PF vê “proximidade” com Dilma e Lula Após analisar relatório referente a uma conta de e-mail do publicitário João Santana em 2015, a Polícia Federal chegou à conclusão de que o marqueteiro “possui relação de muita proximidade” com a presidente Dilma Rousseff e “certa influência sobre as ações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. O documento não traz acusações nem levanta suspeitas sobre os interlocutores de Santana — responsável pela campanha da reeleição de Lula à Presidência, em 2006, e das duas campanhas de Dilma, em 2010 e em 2014. Mostra como esses interlocutores se valiam de uma conta de e-mail do publicitário, com sua anuência, para tentar se comunicar com a presidente ou com o ex-presidente. A peça, de 21 de janeiro, foi encartada pela PF nos autos da Operação Acarajé, deflagrada na segunda-feira....