Correio Braziliense, n. 19266, 24/02/2016. Economia, p. 9

Salário mínimo fica sem ganho real até 2019

Com perspectiva de PIB negativo para este ano e o próximo, reajuste do piso será somente pela inflação. Regra para aumento não prevê desconto da retração da atividade

Ao contrário do que o governo anunciou, os 40 milhões de brasileiros que recebem salário mínimo não terão aumento real até 2019. A causa é a recessão da economia. A lei prevê correção pela inflação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) dos últimos 12 meses, mais aumento real de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Todas as previsões apontam que o PIB de 2015 será negativo em, pelo menos, 4%. Isso também torna inócua a medida anunciada pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, na semana passada, de que o terceiro gatilho do ajuste fiscal, caso o teto dos gastos públicos seja ultrapassado, seria a suspensão do aumento real do salário mínimo.

“O ministro está fazendo teatro. A proposta é muito geral, não dá para fazer uma análise. Ele não deu o teto da despesa, não diz quando será acionado o gatilho. Se for de ano em ano, só terá validade a partir de 2018. Mas a gente simplesmente não sabe o que vai acontecer”, disse José Marcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e economista da Opus Investimentos.
 

Desconto

Ele considera ainda que, pela lógica, se o PIB for negativo, o correto seria descontar na correção do mínimo, o índice do PIB da inflação. “Mas a lei não prevê isso. Só vale se houver crescimento do PIB. Em 2009, o PIB foi negativo e foi dada a inflação integral”, lembrou. Segundo o professor, a Constituição também prevê que não pode haver rebaixamento de salário. “Mas, do jeito que as contas estão desorganizadas, vai chegar um momento em que o governo não vai ter dinheiro. É certo que sempre se poderá emitir papel-moeda, mas aí o ajuste será feito via inflação, como foi na década de 1980”, analisou.

O professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira lembra que o salário mínimo tem uma conexão muito forte com o deficit da Previdência, além de com contas de estados e municípios e o que Barbosa sugeriu foi congelar o mínimo quando houver aumento do gasto público. “Estudos comparados de países que passaram por depressão, mostram que a maioria teve redução salarial, porque o emprego passa a ser a coisa mais importante”, ressaltou.

Helio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (Fea/USP) lembrou que dentro da “nova matriz econômica”, adotada no primeiro mandado da presidente Dilma Rousseff, o governo usou de um artifício para garantir ganho real do mínimo neste ano. “O governo fez uma malandragem: se esperasse mais uns dias saberia quanto seria a inflação, mas deram o reajuste em cima de uma estimativa que foi maior cerca de 0,5%. Além disso, acrescentaram o 0,1% do PIB de 2014, o que garantiu o aumento real do PIB este ano”, disse.

Na opinião do professor, Barbosa, no anúncio feito sexta-feira, parecia estar se desculpando antecipadamente para a clientela dele, por não poder mais dar aumento real. “O setor privado já está negociando aumentos abaixo da inflação. Se o mesmo raciocínio fosse aplicado no salário mínimo, seria a inflação de 11% menos 4% do PIB, o que daria 7%.”, arrematou.