O globo, n. 30152, 25/02/2016. Economia, p. 19

TRIPLAMENTE REBAIXADO

Moody’s corta nota do Brasil, que não tem mais grau de investimento em nenhuma agência
Por: ANA PAULA RIBEIRO, MARCELLO CORRÊA, MARTHA BECK BÁRBARA NASCIMENTO

ANA PAULA RIBEIRO, MARCELLO CORRÊA, MARTHA BECK BÁRBARA NASCIMENTO

 

SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA- O Brasil perdeu ontem o último selo de bom pagador e não é mais considerado grau de investimento por nenhuma das três principais agências de classificação de risco do mundo. Depois de Standard & Poor’s (S& P) e Fitch, foi a vez de a Moody’s suspender do país a chancela de bom pagador, conferida a economias com baixa probabilidade de dar calote em seus credores. A agência cortou a nota da dívida brasileira em moeda estrangeira, de uma só vez, em dois degraus: de “Baa3” para “Ba2”. A decisão era esperada por analistas há semanas, mas a dupla redução surpreendeu parte do mercado financeiro. A perspectiva negativa foi mantida, o que indica que novos rebaixamentos podem ser anunciados nos próximos meses.

A Moody’s baseou sua avaliação na piora do cenário fiscal do país, agravado pela “desafiadora dinâmica política”, informou a agência em comunicado. Um dos indicadores observados com preocupação é a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto ( PIB), que ajuda a medir a capacidade de pagamento de um país. A expectativa da agência é que essa proporção supere 80% a partir do ano que vem. No ano passado, fechou em 66,2%.

 

‘PERDER DOIS PONTOS É DESCONFIANÇA PROFUNDA’

A agência calcula que, para estabilizar esse cenário, o Brasil terá de crescer entre 2%e 3% ao ano. Além disso, terá que fazer superávits primários ( economia para pagar os juros da dívida) na mesma dimensão. Desempenho bem diferente do esperado pelo mercado, que projeta que o crescimento somente voltará à casa dos 2% em 2019.

A Moody’s afirma que, para evitar novos rebaixamentos, o governo precisa fazer reformas estruturais. Uma das preocupações manifestadas pela agência diz respeito à indexação que existe no Orçamento e à rigidez em sua execução.

— São, principalmente, reformas que reduzam a rigidez orçamentária, a indexação das receitas e o crescimento mandatório de várias categorias de despesas apesar do fraco desempenho das receitas — avaliou Samar Maziad, analista sênior da Moody’s, que destaca ainda a necessidade de reduzir incertezas em relação a possíveis passivos da Petrobras.

A analista afirmou ainda que é possível que o atual impasse no cenário político, que pode ser agravado pelo avanço do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, limite a capacidade do atuação do governo e, consequentemente, o avanço das reformas:

— Esses fatores continuarão limitando a capacidade do governo de avançar com as agendas fiscal e econômica no Congresso.

O movimento da agência veio com atraso, na avaliação de economistas. A primeira a retirar o grau de investimento do Brasil foi a S& P, em setembro. Em dezembro, a Fitch também tirou do país o selo de bom pagador. Naquele mês, a Moody’s colocou a nota brasileira em perspectiva negativa, mas manteve o rating “Baa3”, definido em agosto. A redução dupla de ontem pode ter sido uma forma de compensar essa demora em reavaliar o país, destaca o economista Istvan Kazsnar, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Mas também evidencia o quadro frágil da economia brasileira:

— Rebaixar é uma coisa, mas perder dois pontos com viés de baixa é uma demonstração de desconfiança profunda. A agência pode ter saltado uma etapa porque não foi ágil o suficiente.

Para Sérgio Vale, economista- chefe da MB Associados, a piora no quadro político nos últimos dias pode ter contribuído para a decisão, mas a situação econômica já era suficiente para que a agência rebaixasse o país:

— Enquanto a crise política se mantiver, nada conseguirá melhorar. Isso significa especialmente que o perfil fiscal do país vai piorar muito e veremos mais empresas entrando em falência.

Já o economista Carlos Thadeu de Freitas, exdiretor do Banco Central, observa que boa parte do impacto da decisão já estava na conta do mercado. Ontem, o dólar chegou a superar os R$ 4, mas perdeu força e fechou em queda de 0,12%, a R$ 3,956. O Ibovespa recuou 1,03%.

— Não é ideal que haja o corte. Mas, como temos um índice muito bom de reservas cambiais, não é um problema imediato — disse o economista.

O governo brasileiro já esperava o rebaixamento e teria recebido uma sinalização da própria agência na semana passada, segundo uma fonte ligada ao Palácio do Planalto. Nos bastidores, integrantes do governo se queixavam de que as agências assumiram informalmente o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) e “ficam no cangote dos países emergentes”.

A equipe econômica avalia que o mercado e as agências de classificação poderão ter uma visão mais favorável a partir de abril, quando o governo vai enviar ao Congresso sua proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, traçando um cenário para os principais indicadores da economia nos próximos anos.

Para a área econômica, a decisão não levou em consideração medidas anunciadas na semana passada, pois não houve tempo para uma análise da reforma fiscal proposta. Segundo técnicos, o movimento da agência já era esperado, após S& P e Fitch.

— Não será a curto prazo (a recuperação do grau de investimento), mas, quando o mercado conhecer os números e a estratégia, o humor já poderá mudar — afirmou um integrante do governo.

Em nota à imprensa, o Ministério da Fazenda afirmou que está adotando medidas estruturais para reverter as incertezas do mercado em relação à trajetória da dívida pública. Entre elas, cita as propostas de reforma da Previdência e fixação de um teto para os gastos públicos.

Ao divulgar, ontem, o valor da dívida pública federal em janeiro — R$ 2,74 trilhões, com queda de 1,54% ante dezembro — o coordenador- geral de operações da dívida pública, José Franco, ressaltou que o mercado já havia se antecipado após os dois rebaixamentos anteriores. Colaboraram Geralda Doca e Gabriela Valente