O globo, n. 30152, 25/02/2016. Economia, p. 20

STF DÁ AVAL PARA QUE RECEITA MONITORE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS

Lei que permite acesso a informações é declarada constitucional
Por: CAROLINA BRÍGIDO

CAROLINA BRÍGIDO

carolina@bsboglobo.com.br

 

- BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a regra que permite à Receita Federal monitorar movimentações financeiras de pessoas físicas e jurídicas sem autorização judicial. Com base nessa lei, foi editada em julho de 2015, a Instrução Normativa (IN) 1.571, da Receita, determinando que os bancos informem ao Fisco movimentação financeira mensal acima de R$ 2 mil, feita por pessoas físicas, e acima de R$ 6 mil, no caso de empresas. A IN criou a e- Financeira, um sistema que obriga as instituições financeiras a informar eletronicamente essas transações à Receita Federal.

A decisão do STF foi tomada por nove votos a dois e representa alívio para o Fisco, que considera a norma fundamental para evitar sonegação fiscal e outros crimes financeiros. Os processos questionam a Lei Complementar 105, de 2001, que autorizou as autoridades fiscais a acessar informações bancárias de contribuintes sem necessidade de decisão judicial autorizando a quebra do sigilo.

 

TRIBUTARISTAS CRITICAM

Os ministros do STF afirmaram que o monitoramento da Receita só pode ser realizado se houver procedimento administrativo instaurado para apurar a suposta infração cometida pelo contribuinte. Nesses casos, o contribuinte terá de ser notificado imediatamente para providenciar a defesa. Essa conduta deve ser adotada por órgãos federais, estaduais e municipais.

— Não é possível permitir que o Fisco fique manipulando os dados sigilosos por muito tempo sem notificar o contribuinte — disse o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski.

Segundo uma fonte da área econômica, com o respaldo da legislação de 2001, a instrução normativa ganhou força. A IN não prevê esses critérios e permitiu o acesso a operações de qualquer contribuinte.

— Essa decisão do STF é preocupante, pois desprestigia um comando constitucional que garante o direito à privacidade. Além disso, a instrução normativa de 2015 continua valendo, sem prever o que diz a Lei Complementar 105, que o acesso só deve ser feito se houver procedimento administrativo. A Receita pode passar por cima disso — disse o advogado tributarista Rafael Korff Wagner, vice- presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET).

O Ministério da Fazenda divulgou nota comemorando “a obtenção de importante vitória” com o reconhecimento do STF do direito do Fisco ter acesso direto aos dados bancários de contribuintes, sem precisar recorrer à Justiça. Segundo a nota, “a decisão reafirma a retidão do procedimento estabelecido no âmbito da Receita Federal do Brasil, forte no zelo pela observância do devido processo legal e na preservação do sigilo fiscal”. O texto ainda diz que a decisão garante a manutenção do Brasil no rol de países que estabeleceram cooperação internacional para troca de informações (como dados bancários), a fim de identificar possíveis casos de lavagem de dinheiro, narcotráfico e terrorismo.

O julgamento começou na semana passada, quando foi delineado placar favorável à Receita. A sessão de ontem sacramentou a vitória do Fisco. A decisão foi tomada no julgamento de ações em que a Confederação Nacional do Comércio (CNC), da Indústria (CNI), o Partido Social Liberal (PSL) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pediam a invalidação da lei. Também foi analisado um recurso proposto por um contribuinte, que tem repercussão geral — ou seja, a decisão no caso específico terá de ser aplicada por juízes de todo o país a casos semelhantes.

Nas ações, as entidades sustentaram que a regra da Receita fere garantias constitucionais à intimidade e ao sigilo de dados pessoais. Para a maioria dos ministros do STF, a norma não representa quebra de sigilo, porque as informações seriam apenas transferidas das instituições financeiras para o Fisco, sem a permissão para serem divulgadas a outros órgãos ou pessoas.

 

INFORMAÇÕES SERÃO CRUZADAS COM IR

Os ministros lembraram que auditores da Receita que vazarem informações sigilosas sobre contribuintes podem ser responsabilizados administrativa e criminalmente por desvio de comportamento. Os ministros também ponderaram que a norma é importante para garantir a arrecadação de impostos e frear a prática de crimes.

Os dois relatores das ações, ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, defenderam a constitucionalidade da lei. Concordaram com eles os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

— Ninguém duvida que o indivíduo tem o direito de manter longe dos olhos públicos suas informações privadas, inclusive as relativas à vida financeira. No entanto, o Fisco tem o dever de identificar o patrimônio, o rendimento e as atividades econômicas do contribuinte, conforme previsto na Constituição, e precisa dos meios necessários para tanto — declarou Gilmar Mendes.

Os ministros Marco Aurélio, que votou na semana passada, e Celso de Mello, que votou ontem, argumentaram que o poder público não pode vasculhar as contas arbitrariamente, sem autorização do Judiciário. Segundo esses ministros, a quebra de sigilo bancário deve ser autorizada por um juiz diante de indícios de crime.

A entrega de dados é feita não só por bancos, mas por seguradoras, corretoras de valores, distribuidores de títulos e valores mobiliários, administradores de consórcios e entidades de previdência complementar. Com os dados, o Fisco vai cruzar informações para verificar a compatibilidade com os valores da declaração do Imposto de Renda.