Correio Braziliense, n. 19270, 28/02/2016. Política, p. 6

R$ 14,5 bi no ralo da corrupção

Maria Clara Prates

A Operação Lava-Jato, que abalou a República, completará dois anos em 17 de março e está na 23ª fase. São 500 pessoas envolvidas em prejuízos astronômicos na contabilidade da Petrobras: R$ 14,5 bilhões, valor que o Ministério Público Federal (MPF) cobra ressarcimento por parte de empreiteiros, doleiros, políticos, marqueteiros e outros acusados. Somente na última semana, a investida da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República estancou uma sangria de R$ 2,165 bilhões nos cofres da União por meio de fraudes que vão desde o superfaturamento de obras até a remessa ilegal de recursos para o exterior, desta vez envolvendo o marqueteiro da presidente Dilma Rousseff, João Santana.

Uma pequena parte da bilionária fortuna começa a retornar aos cofres públicos, que recebeu R$ 2,9 bilhões, depois que 43 pessoas e cinco empresas resolveram revelar os segredos em acordos de colaboração premiada e de leniência, respectivamente. Além disso, outros R$ 659 milhões foram repatriados e R$ 2,4 bilhões em bens dos investigados estão bloqueados. Com confissão ou não, já estão respondendo criminalmente pelos seus atos 128 pessoas, em 37 denúncias formais.

Mas, se os números do assalto ao cofre da petrolífera assustam pela quantidade de dígitos, os condenados na Operação Lava-Jato também se assustaram com o total das penas: 825 anos e 10 meses de prisão — quase nove séculos — por corrupção, crimes contra o sistema financeiro nacional, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa, lavagem de ativos, entre outros. Essa pena é distribuída entre 84 condenados em primeira instância.

Em relação aos réus com fórum privilegiado, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) 28 inquéritos em razão do pagamento de propina a agentes políticos, a partir da delação premiada do doleiro Alberto Yousseff e do ex-direitor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, entre outros. Neles, governadores, senadores, como o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-RJ), e deputados são alvos. E também é inédita a quantidade de pedidos de instauração de inquérito contra políticos recebidos pelo Supremo. De recorde em recorde, os números da Lava-Jato continuam impressionando. Até agora, foram cumpridos 411 mandados de busca e apreensão, 101 de condução coercitiva, 119 de prisão cumpridos e 92 pedidos de cooperação internacional.

 

Acarajé

O mais recente alvo da Lava-Jato, o marqueteiro João Santana e sua mulher e sócia, Mônica Moura, estão sendo acusados de manter contas no exterior, que teriam sido irrigadas com US$ 7,5 milhões (R$ 30 milhões) de recursos também desviados da Petrobras. Além disso, o casal mantém offshores para facilitar os negócios que, segundo a PF, foram usadas para dar fachada legal a pagamento ilícitos feito pela empreiteira Odebrecht, uma das empresas que fariam parte do clube seleto de empreiteiras que abocanharam contratos superfaturados com a Petrobras. O marqueteiro foi o responsável pela segunda campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e das duas de Dilma Rousseff. Ontem, o casal teve a prisão preventiva prorrogada por mais cinco dias.

Esta etapa das investigações chega próxima à disputa da presidente à reeleição. De acordo com a PF, uma planilha apreendida no escritório do casal demonstra que, entre outubro e novembro de 2014, foram feitos sete pagamentos a João Santana pela Odebrecht. A suspeita é de que se trata de recursos do PT, desviados da Petrobras, injetados na campanha presidencial. O desafio agora é revelar se, de fato, dinheiro ilegal ajudou a dar fôlego aos candidatos petistas à Presidência. O único presidente a ter sua vida esmiuçada por uma investigação justamente por movimentação de campanha foi Fernando Collor de Melo, que deixou o cargo depois de sofrer um impeachment. Hoje senador, ele volta a ser investigado na Lava-Jato como beneficiário de propina da Petrobras.

 

Jefferson e mais 6  indiciados por Furnas

 

O ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e mais seis acusados foram indiciados ontem pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por corrupção ativa e lavagem de dinheiro na estatal Furnas, da Eletrobras. O esquema ficou conhecido como “a lista de Furnas”. Entre os envolvidos estão empresários, lobistas e políticos, que, segundo a delegada Renata Araújo, desviaram R$ 54,9 milhões para contratar empresas para a construção de usinas térmicas em São Gonçalo e em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro. O esquema ocorreu de 2000 a 2004, sob a liderança do então diretor de Planejamento da estatal, Dimas Fabiano Toledo. Ele só não foi indiciado por ter mais de 70 anos, o que fez o crime ser prescrito por excesso de prazo no processo. O caso estava sem andamento na delegacia desde outubro de 2012, segundo o jornal O Estado de S.Paulo.

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Delcídio nega ameaças

O senador Delcídio do Amaral (PT-MS) enviou uma carta ao gabinete de todos os senadores em que pede “imparcialidade” na análise da cassação. Segundo Delcídio, as informações de que ele teria ameaçado entregar parlamentares no caso de perda do mandato “são falsas e delirantes”. Na última semana, o senador já havia disparado ligações pelo Senado em que se explicava das “falsas” acusações e falava sobre a volta aos trabalhos.

Na carta, enviada na sexta-feira, Delcídio afirma ter mantido a “serenidade” e diz que se manteve “fiel a seus princípios”. “Alguns órgãos da mídia nacional publicaram, nesta semana, inverdades imputando-me a propagação de ameaças e constrangimentos aos meus pares do Senado, com o objetivo de evitar uma eventual cassação do meu mandato parlamentar”, afirma, em trecho do documento.

O Conselho de Ética do Senado analisa um processo contra o ex-líder de governo por quebra de decoro parlamentar, o que pode levar à cassação. Na próxima quarta-feira, será sorteado um novo relator para o caso, já que o tucano Ataíde de Oliveira (TO) foi destituído do cargo a pedido da defesa do petista. A maior preocupação de Delcídio é manter-se senador e, assim, garantir o foro privilegiado, que o deixa fora das investigações do juiz Sérgio Moro, responsável pela apuração da Operação Lava-Jato em Curitiba. “Jamais fiz ou farei ameaças a qualquer pessoa. Em momento algum os signatários dessas notícias procuraram a mim ou a meus advogados para checarem as informações publicadas. Tal conduta, temerária e leviana, fere os princípios do bom jornalismo e merece o meu repúdio veemente”, continuou, na carta.

 

Delcídio foi preso em novembro de 2015 e passou 87 dias encarcerado sob a acusação de tentar atrapalhar as investigações da Lava-Jato. No documento enviado ao gabinete dos 80 senadores, ele afirma que o “injusto encarceramento” o “afastou temporariamente da vida familiar, social e política, mas não o “exonerou da coerência e da razão”. Solto há uma semana, Delcídio apresentou licença médica de 15 dias e está em São Paulo realizando exames.