Correio Braziliense, n. 19260, 18/02/2016. Política, p. 2

Promotores vão recorrer para ouvir Lula

Eduardo Militão

João Valadares

Quatro promotores do Ministério Público de São Paulo anunciaram ontem que vão recorrer da decisão do conselho da categoria que suspendeu todos os atos de Cássio Roberto Conserino, da 103ª Promotoria Criminal da capital paulista, na investigação em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é suspeito de lavagem de dinheiro por ocultar a posse de um tríplex no Guarujá. Em nota lida por Conserino ontem, ele, Reinaldo Guimarães, Fernando Henrique Araújo e José Carlos Blat dizem que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) foi induzido a errar pelo pedido do ex-líder do PT na Câmara Paulo Teixeira (SP). O Instituto Lula negou ontem, mais uma vez, que o petista tenha sido dono do imóvel. Do lado de fora do Fórum da Barra Funda, na capital paulistana, onde os depoimentos aconteceriam, militantes pró e contra Lula se agrediram e a polícia teve que intervir.

O quarteto de promotores disse que o objetivo é reverter a decisão para “cumprir o objetivo de apurar os graves fatos envolvendo pessoas que se consideram acima e à margem da lei, algo que não pode ser subtraído da honesta população brasileira”. Ontem, o CNMP informou que o caso será reanalisado na próxima terça-feira pelo plenário. A suspensão foi tomada às 22h30 de terça-feira, por uma liminar do conselheiro Valter Shuenquener. Ele disse, em comunicado, que a medida “não tem o objetivo de blindar nenhuma pessoa de qualquer investigação, mas a de averiguar se o devido processo legal está sendo respeitado”.

Nilo Batista e Cristiano Zanin, advogados de Lula, afirmaram que a nota dos quatro promotores mostra que ex-presidente já foi prejulgado ao ser classificado como pessoa que se considera “acima e à margem da lei”.

No pedido ao CNMP, Paulo Teixeira diz que o processo foi entregue a um promotor sem obedecer à escolha eletrônica da promotoria competente para aquela região. E afirmou que Conserino prejulgou o caso ao dizer à revista Veja que vai denunciar Lula. O promotor informou ao Correio que não afirmou isso e que a decisão de oferecer denúncia se dará no fim das oitivas. Ontem, seriam ouvidos também a ex-primeira-dama Marisa Letícia; o presidente afastado da OAS, Leo Pinheiro; e o engenheiro Igor Pontes.

O CNMP atendeu ao pedido do ex-líder do PT na Câmara impedir a realização do depoimento de todos eles. Um dos argumentos era que o caso não foi distribuído eletronicamente a uma promotoria, mas a diretamente a Conserino e a um grupo de investigadores da Barra Funda.

Um grupo de 21 deputados federais do PT fez ontem um ato em favor de Lula no instituto que leva o nome dele. Lá, encontraram o petista e a mulher dele. Paulo Teixeira disse que o ato também se tornou uma comemoração com a decisão obtida no CNMP. “Esse depoimento seria uma grave violação ao estado de direito”, ressaltou o parlamentar.

A decisão do CNMP coincidiu com o encontro. “É triste chamar isso de vitória, porque havia ali um abuso de um membro de uma instituição e a gente tem o maior respeito por ela”, contou Teixeira. O deputado estava com o ex-presidente no evento, mas não pôde conversar com ele sobre o tema especificamente, embora acredite que Lula esteja feliz com a decisão do conselho. “É claro que é confortante”, avaliou.

 

Briga

No Fórum da Barra Funda, o ato em defesa de Lula acabou em pancadaria. Dois grupos de manifestantes entraram em confronto. Um homem que defendia o ex-presidente levou um golpe na cabeça e teve que ser socorrido por policiais. Uma mulher que estava perto também foi atingida e recebeu atendimento médico. Os grupos contrários precisaram ser separados por uma corda. Os policiais tiveram bastante trabalho para conter o ímpeto dos manifestantes. A todo instante, eram arremessados ovos e frutas de um lado para o outro.

Pouco antes das 11h, o clima ficou mais acirrado. Integrantes do grupo que protestava contra o petista, tentaram inflar o boneco gigante de Lula vestido de presidiário, o “Pixuleco”. Militantes do PT impediram a ação. Os dois lados atiraram pedras um contra o outro. A Polícia Militar precisou lançar bombas de efeito moral e utilizou cassetetes para dispersar a confusão.

O grupo petista informou que quatro integrantes ficaram feridos durante a manifestação. Um deles, identificado com Frederico Bahia, levou um corte na boca e algumas pancadas pelo corpo. Ele foi atingido no momento em que tentava furar o “Pixuleco”. Frederico deixou o local numa cadeira de rodas em direção a um hospital da região.

O Instituto Lula disse ontem que a “exploração” do caso do tríplex “é um dos piores exemplos do rebaixamento da disputa política, por parte dos que se recusam a aceitar os avanços democráticos e sociais do Brasil nos últimos anos”.

 

Quatro perguntas para

Cássio Conserino, promotor do Ministério Público de São Paulo

 

Qual é a avaliação sobre a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público?

O CNMP foi induzido ao erro pelo representante, que apresentou uma versão não compatível com a realidade.

 

A decisão diz que foi descumprida a ordem do promotor natural…

Não tem nada a ver com a promotoria isso. O processo do (promotor José Carlos) Blat já está em fase de sentença. Eu peguei em momento posterior. O caso do Blat vai até a Bancoop, que transfere (o edifício) para a OAS, e a OAS faz as mesmas coisas. A base que temos é o artigo 3º da Resolução 13/06 do CNMP.

 

Lula era mesmo o dono do tríplex?

Tem testemunhas que afiançam que ele era o possuidor, o proprietário era a OAS. A OAS oculta o nome dela (Marisa Letícia). Não é o promotor, mas a investigação do Ministério Público que fala isso.

 

A suspeita é de lavagem de dinheiro. Qual é o crime antecedente da lavagem?

Estelionato. Três mil famílias ficaram sem apartamento, ele ganhou o tríplex.

 

Frase

“É triste chamar isso de vitória, porque havia ali um abuso de um membro de uma instituição e a gente tem o maior respeito por ela”

 

Paulo Teixeira, deputado, autor do pedido para suspender o depoimento de Lula