Correio Braziliense, n. 19260, 18/02/2016. Política, p. 4

Planalto leva a melhor e reelege Picciani

Paulo de Tarso Lyra

Em uma disputa tensa, iniciada em novembro do ano passado e concluída ontem, o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) reelegeu-se líder da bancada peemedebista na Câmara, trouxe alívio ao Planalto e mostrou que o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não tem mais tanta ascendência no maior partido aliado da presidente Dilma Rousseff. Com a presença do ministro da Saúde licenciado, Marcelo Castro, e dos secretários estaduais e municipal do Rio, Marco Antonio Cabral e Pedro Paulo, Picciani conseguiu 37 votos, contra 30 do paraibano Hugo Motta, o candidato de Cunha. Dois deputados votaram em branco.

Tão logo foi reeleito, Picciani prometeu que as indicações da bancada para a comissão especial que analisará o impeachment da presidente Rousseff respeitará todas as correntes partidárias. O racha interno começou no fim do ano passado, quando Picciani indicou para as oito vagas reservadas ao PMDB apenas parlamentares simpáticos a Dilma. O gesto conciliatório não significa, contudo, que ele tenha mudado de ideia quanto ao mérito do debate. “Eu, pessoalmente, sou contra o impeachment por não ver fundamentação jurídica no processo e achar que a presidente não cometeu crime de responsabilidade”, completou.

Após a vitória do aliado palaciano, deve ser acelerada a nomeação do deputado Mauro Lopes (MG) para a Secretaria de Aviação Civil. A vaga já estava prometida a ele, que integra a segunda maior força na bancada peemedebista da Câmara. O Planalto só não fez a nomeação antes para não passar recibo da ingerência na disputa interna do PMDB. Já Eduardo Cunha manteve a tática de declarar-se imune aos fatos e negou que a eleição de Picciani represente um isolamento dele na bancada do PMDB. “Em hipótese nenhuma, não estou isolado. Estaria se tivesse disputado a liderança e perdido. Mas eu não era candidato, apenas defendi Motta — que é próximo ao governo e contrário ao impeachment — por achar que a bancada deveria ser conduzida de outra maneira.”

 

Arrependimento

Para o presidente da Câmara, caberá a Picciani provar que mudou de postura. “Ele próprio demonstrou arrependimento por ter agido como agiu (quando indicou apenas governistas para a comissão do impeachment). Se tivesse agido de outra maneira, não estaríamos na situação que estamos”, declarou Cunha.

Exonerado por 24 horas do Ministério da Saúde — o decreto que o reconduz ao posto será publicado no Diário Oficial de hoje —, o ministro Marcelo Castro defendeu a sua participação na votação. “Eu sou o único deputado do PMDB do Piauí e presidente do diretório estadual da legenda. Não podia deixar de participar deste momento, já que os defensores do deputado Hugo Motta são contra o governo e favoráveis ao impeachment”, afirmou ele.

Castro até conseguiu escapar, antes da votação, dos manifestantes que protestavam contra ele vestidos de mosquito e com raquetes elétricas próprias para matar insetos. O grupo chegou ao corredor das comissões após a chegada de Castro. “Eu sou o mosquito que pinica o ministro, eu sou o mosquito que veio para perturbar”, cantavam eles, numa paródia à canção Mosca na sopa, de Raul Seixas. Mas, no fim da votação, Castro não escapou e foi abraçado por um Aedes aegypti gigante, com sotaque baiano.

A votação teve momentos de tensão. O primeiro questionamento foi quanto à escolha do deputado Newton Cardoso Filho (MG), aliado de Picciani, para conduzir os trabalhos. A justificativa é de que ele é o primeiro vice-líder da bancada. O líder reeleito defendeu, em sua fala, que a bancada peemedebista precisa atuar pela governabilidade em um momento de dificuldades vividos pelo país. Já Motta disse que, caso fosse eleito líder, as decisões seriam tomadas pela bancada, não pelo Planalto. “Será uma ação de dentro para fora, não de fora para dentro”, justificou.

O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) defendeu que as cédulas fossem marcadas com pelo menos um “X”, não com qualquer outro símbolo. Parece uma coisa boba, mas Marun justificou que a intenção era evitar a identificação do voto, já que a escolha era secreta. Foi vaiado, houve um princípio de estranhamento, mas a eleição acabou transcorrendo normalmente, sacramentando a reeleição de Picciani.

 

Frase

“Em hipótese nenhuma, não estou isolado. Estaria se tivesse disputado a liderança e perdido. Mas eu não era candidato”

Eduardo Cunha, presidente da Câmara

 

Análise da notícia

Alívio no governo

Na prática, a reeleição do líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), foi uma disputa plebiscitária entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Quando a notícia da vitória de Picciani chegou ao Planalto, o chefe da Casa Civil, ministro Jaques Wagner, limitou-se a dizer que o importante, agora, era a “reunificação da bancada”. Mais do que isso. O governo respirou aliviado.

A avaliação palaciana é que a eleição de Hugo Motta representaria um fortalecimento de Cunha nas manobras regimentais para escapar da própria cassação. Agora, além de não ter maioria na própria bancada, ainda perde poder para bloquear as votações de interesse do governo na Casa.  De quebra, facilita a vida dos articuladores políticos palacianos, que não precisam construir uma relação com Motta. “O Picciani nós já conhecemos”, resumiu um petista com bom trânsito no Planalto.

Adversários do governo veem o resultado da eleição como uma derrota para o PMDB. “Não podemos mais dizer que o governo é do PT. Eles elegeram nosso líder. Tinham o Senado, agora têm a Câmara”, resumiu um cacique partidário. Cunha perde um fórum fundamental para seu processo de defesa e para as manobras regimentais que protelam a cassação. “Ele tem 10 votos. O Motta teve 30, 20 dos quais formados pelo grupo baiano, sulista e outros peemedebistas contrários ao Planalto, não necessariamente aliados dele”, disse outro integrante da bancada, pedindo anonimato.  (PTL)

 

Perfil

De olho na presidência

Reeleito líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ) descola-se, de vez, da sombra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No quarto mandato como deputado federal, Picciani derrubou a obrigatoriedade de que a reeleição para o cargo de líder fosse definida por dois terços da bancada, assegurando a vitória com maioria simples.

Mostrou prestígio também ao trazer para a votação, com o beneplácito da presidente Dilma, o ministro da Saúde, Marcelo Casto. Celso Pansera, da Ciência e Tecnologia, não se licenciou do cargo, mas foi à Câmara acompanhar a vitória de seu padrinho na Esplanada. Ele e Castro, portanto, pagaram o tributo por terem sido os nomes indicados por Picciani para o primeiro escalão federal.

 

Ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e ex-secretário estadual de Habitação do Rio de Janeiro, Picciani se abriga no guarda-chuva do pai, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, mandatário do PMDB fluminense, para tentar voar mais alto. Ele está de olho na Presidência da Câmara no ano que vem, e já até conversou — acompanhado pelo pai — com Dilma sobre isso. Poderá, mais uma vez, antagonizar com seu o ex-mentor Eduardo Cunha, caso este seja afastado do cargo, seja pelo processo de cassação, seja pelo pedido feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.