Correio Braziliense, n. 19260, 18/02/2016. Economia, p. 9

Brasil vira "lixo" para S&P e retrocede 10 anos

Simone Kafruni

As barbeiragens do governo na condução da política econômica fizeram a avaliação de risco do Brasil retroceder 10 anos. Ontem, a agência de classificação Standard & Poors rebaixou a nota de crédito do país para o grau considerado “lixo”, o que significa que o Brasil, que já tinha perdido o selo de bom pagador no ano passado, agora é considerado de alto risco. O rebaixamento de BB+ para BB ocorreu mais rápido do que se esperava e vai balançar os mercados financeiros. A medida dificulta a recuperação da confiança e deve afundar ainda mais o país na recessão.
A justificativa da agência é que os desafios políticos e econômicos do Brasil continuam consideráveis. “O processo de ajuste deve ser mais prolongado, com ajuste fiscal lento e continuidade da contração econômica este ano”, argumentou. A S&P também avaliou os passivos do país, como a dívida da Petrobras, de mais de R$ 500 bilhões, a maior do mundo entre empresas petrolíferas. Como a petroleira está muito enfraquecida financeiramente, a agência considera alta a probabilidade de o governo precisar fazer aportes extraordinários na companhia.
Para piorar, além de jogar a nota do país no lixo, a agência manteve a perspectiva negativa, o que significa que mais rebaixamentos estão por vir, além dos diversos downgrades de empresas que devem suceder essa reavaliação. “Achamos que não deve ocorrer reversão do quadro, dadas as iniciativas políticas inconsistentes do governo, o que deve resultar em maior turbulência econômica”, justificou. A percepção é de que o perfil de crédito do Brasil se agravou muito desde setembro de 2015, quando a S&P tirou o grau de investimento, passando a nota de BBB- para BB+, com perspectiva negativa.
Pelo Twitter, o diretor do Departamento Econômico do Bradesco, Octavio de Barros, disse que a S&P reagiu à proposta do governo de “meta flexível de primário, às novas frustrações com o primário e à certeza da piora da relação dívida/PIB, com menor crescimento do Produto Interno Bruto”.
A agência avisou que mais um downgrade era possível, mas o movimento, apenas dois meses após a advertência, ressaltou a rapidez com que a economia brasileira e as finanças públicas se deterioraram desde então. Para a S&P, é improvável uma correção da política fiscal pela incapacidade do governo de aprovar medidas, agora agravadas pela possibilidade de um impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Além da falta de coesão dentro do gabinete da Presidência, há as incertezas durante ou após um possível processo de impeachment”, argumentou.
“Apesar de o governo planejar uma reforma estrutural, como a previdenciária, o ambiente político com o processo de impeachment no Congresso vai limitar a viabilidade de aprovação dessas medidas, independentemente de quem seja o presidente”. Além disso, explicou a S&P, as investigações de corrupção em curso continuam a pesar sobre a coesão política num curto prazo.

Efeitos
O primeiro reflexo para o país com uma nota baixa de crédito é o encarecimento dos financiamentos, assinalou o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa. “A avaliação mostra que há uma desconfiança muito grande sobre a economia do país. Isso significa que pegar dinheiro lá fora vai ficar mais caro porque o prêmio de risco e os juros subirão”, esclareceu. Conforme o especialista, o primeiro impacto é que os investimentos, tão necessários para a retomada do crescimento, são retardados. “O quadro econômico é tão ruim que voltamos à mesma nota de crédito que tínhamos há 10 anos, ou seja, perdemos tudo o que foi construído em uma década”, disse.

 

Frustração

 

O Brasil ganhou o grau de investimento durante o boom das commodities, que chegou a tornar o país uma promessa de potência econômica por conta da descoberta de petróleo no pré-sal e da alta produção de minério de ferro e grãos. A desaceleração da China, o maior mercado de exportação do Brasil, provocou uma queda no preço das commodities. A mudança no cenário internacional somada às barbeiragens macroeconômicas do governo e às incertezas políticas colocaram o país de volta ao grau considerado lixo por investidores.

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Novo rebaixamento à vista

A expectativa de indicadores econômicos ainda mais deprimidos neste ano e em 2017 foi o principal motivo para a Standard and Poor’s (S&P) rebaixar a nota do Brasil. A agência de classificação de risco projetou queda do Produto Interno Bruto (PIB) real de 3,6% em 2015 e de 3% este ano, antes de retomar crescimento de 1% em 2017. A S&P também aposta que o governo não vai conseguir fazer superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) antes de 2018, com deficit de 1,3% do PIB em 2016 e de 0,7% em 2017. A justificativa é de que “há menos certeza sobre a política fiscal”.
Sem capacidade de cumprir as metas fiscais, o governo está inflando cada vez mais a dívida pública. Na perspectiva da S&P, a dívida bruta deve fechar 2015 em 65% do PIB, aumentar para 73,3% este ano e saltar para 76,5% do PIB no ano que vem. A dívida líquida das administrações públicas (excluindo as reservas internacionais) é estimada em 58,3% do PIB, este ano; em 62,6%, em 2017; e em 63%, em 2018.
“Acreditamos que a fraqueza econômica agrava o risco de execução das contas fiscais, com a contração do PIB real profunda e longa. Além disso, o PIB per capita deverá diminuir para cerca de US$ 7,3 mil em 2016. Na nossa opinião, as perspectivas de crescimento do Brasil são muito inferiores às de outros países emergentes”, avaliou.
Pelas projeções da agência, os dois principais vetores de crescimento, o consumo e o investimento, estão derretendo no Brasil, o que deve prolongar a recessão. Além do aumento do desemprego, o rendimento dos brasileiros deve encolher, reduzindo o consumo e a capacidade de fazer a economia girar. Pela estimativa da S&P, a renda per capita deve fechar 2015 com queda de 4,4% e vai cair mais 3,8% este ano.

Queda livre
Os investimentos também estão em queda livre: caíram 4,5% em 2014 e 12,1% no ano passado. A projeção da S&P para este ano é de novo recuo, de 6,3%. “As incertezas e os efeitos colaterais associados às investigações de corrupção reduziram os investimentos por parte da Petrobras e seus fornecedores”, assinalou a agência. A falta de confiança e de um ambiente regulatório também afasta os recursos em aplicações de longo prazo, como as concessões de infraestrutura.
Pelo lado positivo, a S&P sinalizou o caminho para o país voltar a recuperar a credibilidade. “Só há possibilidade de alterar a perspectiva de negativa para estável se as incertezas políticas do Brasil forem resolvidas, dando mais condições para a execução de uma política consistente, de forma a estancar a deterioração fiscal e reforçar as perspectivas de crescimento”, diz o relatório.
Na avaliação da pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington, Monica de Bolle, o rebaixamento é resultado da falta de credibilidade do governo. Ele não consegue transmitir confiança para o mercado de que conseguirá equilibrar as contas públicas, que estão levando a taxa da dívida pública bruta para 75% do PIB neste ano. “O mercado já estava prevendo esse rebaixamento, mas ele veio antes do que se esperava. O problema maior é para as empresas, que foram pegas de surpresa e terão mais dificuldade para conseguirem financiamento”, disse. “Para o mercado financeiro, o impacto é menor, mas na economia real, isso implica mais demissão”, alertou.