O globo, n. 30154, 27/02/2016. País, p. 7

PF ABRE INQUÉRITO PARA APURAR REMESSAS DE FH

Ex-amante de Fernando Henrique disse que assinou contrato fictício com empresa que explorava free shops
Por: André de Souza

 

ANDRÉ DE SOUZA

andre. renato@ bsb.oglobo.com. br

BRASÍLIA- Polícia Federal abriu inquérito para investigar o envio de dinheiro pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à sua ex-amante Mirian Dutra no exterior. A jornalista afirmou que recebeu os recursos por meio de um contrato fictício com a Brasif. FH nega ter usado a empresa. A Polícia Federal instaurou ontem um inquérito sigiloso para investigar declarações dadas pela jornalista Mirian Dutra, ex-amante do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ela afirmou que a Brasif S.A. Exportação e Importação ajudou Fernando Henrique a enviar recursos ao exterior. O dinheiro seria para Mirian e seu filho, Tomás Dutra, que foi registrado pelo expresidente. Segundo ela, a transferência ocorreu por meio da assinatura de um contrato fictício de trabalho, com validade entre dezembro de 2002 e dezembro de 2006. Fernando Henrique foi presidente da República entre 1º de janeiro de 1995 e 1º de janeiro de 2003.

POR MÊS, R$ 3 MIL PARA PESQUISAR

Na época, a Brasif explorava as lojas de free shops nos aeroportos brasileiros. Pelo contrato firmado com a empresa, Mirian Dutra receberia US$ 3 mil mensais para fazer pesquisas “tanto em lojas convencionais como em duty free shops e tax free shops” em países da Europa. Ela disse, no entanto, que jamais teve de prestar o serviço. O acordo, segundo ela, foi articulado pelo lobista Fernando Lemos, que era casado com sua irmã, Margrit Dutra Schmidt.

“O Ministério da Justiça determinou à Polícia Federal, nesta sexta-feira (26), a abertura de inquérito para apurar a ocorrência de eventuais ilícitos criminais informados por Mirian Dutra Schimidt, em matéria publicada pela Folha de São Paulo, na coluna Mônica Bergamo, no último dia 17 de fevereiro de 2016. O inquérito tramitará em sigilo, na forma da legislação em vigor’,’ informou o Ministério da Justiça, em nota distribuída ontem à imprensa.

Na sexta-feira da semana passada, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já tinha afirmado que as denúncias de Mirian Dutra seriam analisadas por uma área técnica da pasta. Na ocasião, o ministro disse que, se comprovado indício de crime, a PF realizaria uma investigação mais aprofundada. Ele também afirmou que o caso deve ser analisado da mesma forma que ocorreria com qualquer outro cidadão.

Fernando Henrique admitiu ter mandado dinheiro, mas negou ter usado a empresa. Ele manteve um relacionamento extraconjugal com Mirian nos anos 1980 e 1990, período em que a jornalista ficou grávida. Ela alega que Tomás é filho de Fernando Henrique, mas exames de DNA realizados em 2011 apresentaram resultado negativo. Apesar do exame de DNA, o ex-presidente continuou a tratar Tomás como filho. Mirian também afirmou ter ficado grávida outras duas vezes em seis anos de relacionamento, mas que o ex- presidente pagou o aborto nas duas ocasiões.

Mirian disse ainda que, quando Tomás fez três anos de idade, em 1994, aceitou que Fernando Henrique pagasse o colégio da criança. Depois, quando já vivia em Barcelona, não lhe foi permitida a volta ao Brasil. Segundo ela, a pressão partia do então senador Antonio Carlos Magalhães e de seu filho, Luís Eduardo Magalhães (ambos também do PFL).

A jornalista foi colaboradora da TV Globo por 35 anos, até 31 de dezembro do ano passado. Em nota, na semana passada, a emissora se pronunciou sobre o episódio: “A TV Globo não interfere na vida privada de seus colaboradores. Esclarece, porém, que jamais foi avisada por Mirian Dutra sobre o contrato fictício de trabalho e que, se tivesse sido avisada, condenaria a prática. A TV Globo acrescenta que em junho de 2004, e não em 2002, o contrato da colaboradora Mirian Dutra foi alterado com mudanças em suas atribuições, o que acarretou nova remuneração, tudo segundo a lei vigente no país em que ela trabalhava. Por último, Mirian Dutra jamais deu conhecimento à Globo de seu desejo de regressar ao Brasil. Ao contrário, para a empresa, ela sempre manifestou o interesse de permanecer no exterior. Durante os anos em que colaborou com a TV Globo, Mirian Dutra sempre cumpriu suas tarefas com competência e profissionalismo.”

gritante omissão do Ministério da Justiça desde o início da operação Lava Jato contrasta, agora, com a atuação forte do Ministro José Eduardo Cardozo em apressar a abertura de um inquérito policial contra o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso por questões de natureza exclusivamente pessoal.

Em nota, o coordenador jurídico do PSDB, deputado Carlos Sampaio, afirma que “Não há, até o momento, um único fato que possa, mesmo em tese, configurar conduta criminosa por parte do ex-Presidente a justificar a investigação”, e acusa o Ministério da Justiça de omissão: “A gritante omissão do Ministério da Justiça desde o início da operação Lava- Jato contrasta, agora, com a atuação forte do ministro José Eduardo Cardozo em apressar a abertura de um inquérito policial contra o ex-presidente por questões de natureza exclusivamente pessoal”.

Também em nota, a assessoria de FH sustenta que as operações financeiras internacionais foram feitas a partir de contas declaradas e com recursos próprios. “A empresa citada no noticiário já esclareceu que o presidente não teve qualquer participação na contratação da jornalista”. A nota afirma ainda que “apesar de não haver nada de que possa ser incriminado e de o assunto ser de âmbito privado, o ex-presidente prestará todos os esclarecimentos que se fizerem necessários”.