O globo, n. 30154, 27/02/2016. Economia, p. 17

INFLAÇÃO DE IMPOSTOS

Crise fiscal leva estados a subir tributos, provocando alta de preços em ao menos 12 produtos
Por: Lucianne Carneiro
 
LUCIANNE CARNEIRO
lucianne.carneiro@ oglobo.com. br
 

    O aumento de impostos provocado pela crise fiscal nos governos federal e estaduais já se reflete no bolso do consumidor. O salto nos preços de pelo menos 12 itens neste início de ano teve influência da alta dos tributos, apontam economistas. A lista é formada por combustíveis, aparelho telefônico, microcomputador, telefone fixo, telefone público, TV por assinatura com internet, cigarro, refrigerante e água mineral, outras bebidas alcoólicas, produtos farmacêuticos, papel higiênico e perfume. Juntos, representam pouco mais de 14% do orçamento das famílias. Se no ano passado os preços administrados pressionaram a inflação, em 2016 há o efeito dos impostos nos preços.

    — Os números mostram como a questão fiscal acaba afetando a inflação. Antes, tínhamos o tarifaço, com o efeito do aumento das tarifas na inflação, como de energia. Agora temos o impostaço. O governo já aumentou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de alguns itens, e vários estados têm elevado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). É difícil calcular o impacto total — afirma o economista-chefe do ABC Brasil, Luis Otavio de Sousa Leal.

    Esse impacto nos preços foi captado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) deste mês, considerado a prévia da inflação oficial no país, que teve coleta de preços entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro. Muitos dos aumentos de impostos passaram a vigorar em 1º de janeiro, como foi o caso do fim da isenção do PIS/Cofins para produtos como tablets, computadores, smartphones e outros eletrônicos. Agora, a alíquota é de 9,25%. Como reflexo, o preço do microcomputador subiu 4,49%, e do aparelho telefônico, 1,82%, segundo o IPCA-15 de fevereiro.

    No âmbito estadual, o ICMS foi o principal imposto a subir. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, 21 das 27 unidades da federação aumentaram a alíquota. Em muitas, passou de 17% para 18%. Em pelo menos cinco estados a mudança atingiu todos os itens, o que sugere a influência dos impostos nos preços pode ir além desses 12 itens.

    — Os governos estão desesperados atrás de recursos para cobrir déficits e estão indo atrás do bolso do consumidor. Como há uma resistência à criação de novos impostos, ou se está acabando com isenções e desonerações ou se aumentam alíquotas. Há um aumento generalizado dos impostos — aponta Olenike.

    O Rio de Janeiro, por exemplo, mudou alíquotas do ICMS e também alterou a classificação de produtos, o que acabou com algumas isenções. O papel higiênico de folha dupla, por exemplo, foi retirado da cesta básica — cujos produtos não pagam o tributo — e passou a pagar ICMS. Assim, o preço subiu 2,74%, de acordo com o IPCA-15, como reflexo da alta de 5,58% no Rio.

    Outros impostos que tiveram aumento também pesam no orçamento das famílias, embora não apareçam diretamente no cálculo da inflação. É o caso, por exemplo, do IPVA, cobrado de quem tem automóvel, que subiu em estados, como Rio de Janeiro, Distrito Federal, Pernambuco e Alagoas, entre outros.

    A gerente dos índices de preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos, também vê impacto dos impostos nos preços, como resultado de uma mistura de aumento de IPI e de ICMS:

    — Em vários itens do IPCA-15 dá para dizer que há efeito de aumento de imposto, seja de ICMS ou de IPI. Em alguns casos, o imposto pode não ter mudado ainda, mas o preço sobe num movimento de preparação para isso.

    AJUDA PARA ALTA PERSISTENTE

    Ela destaca, no entanto, que este não é um efeito único: há outros fatores que pressionam o preço desses itens citados. A alta do dólar continua se refletindo nos preços e pode aparecer, por exemplo, no caso de produtos farmacêuticos. Já os combustíveis, cujos preços subiram 1,87% de acordo com o IPCA-15 de fevereiro, também sofreram impacto da alta de 4,92% do etanol.

    — A alta dos impostos está afetando o custo de vida e a inflação — diz o economista da Rosenberg & Associados, Leonardo França Costa.

    O impacto dos impostos pode estar colaborando para uma inflação mais persistente. Num momento em que tarifas começam a dar certo alívio — o preço de energia elétrica, por exemplo, teve deflação de 0,18% neste mês —, o efeito dos tributos impede desaceleração mais rápida dos preços.

    — O alívio que já era esperado dos preços administrados está sendo minimizado pelo efeito dos impostos. Os estados estão quebrados, então recorrem aos impostos para aumentar sua arrecadação — explica o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira.

    Costa também vê esse efeito dos impostos influenciando na manutenção da inflação em um patamar mais elevado. Segundo ele, a desaceleração da inflação que vem sendo esperada pelo mercado deve ocorrer de forma mais lenta também por causa do efeito dos tributos:

    — O aumento dos impostos e os efeitos climáticos sobre os alimentos sugerem que teremos uma desaceleração mais lenta dos preços.

    Se há uma troca da pressão das tarifas pela dos impostos, especialistas alertam que a magnitude da influência é diferente. Os preços administrados têm peso maior no orçamento que os demais itens. O efeito dos tributos é menor.

    — A pressão dos impostos nos preços é bem mais suave que a das tarifas. As tarifas têm ramificações, vão puxando o preço de outros itens. O aumento da energia elétrica, por exemplo, afetou as taxas de água e esgoto e pesa na indústria e nos serviços. É diferente — defende Eulina Nunes dos Santos.

    NOVOS IMPACTOS À FRENTE

    A avaliação é compartilhada pelo economista da Rosenberg & Associados, para quem a intensidade do impacto das tarifas é bem maior que a dos impostos.

    De qualquer forma, esse impacto nos preços preocupa os empresários, como é o caso da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) e da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir).

    — A indústria de refrigerantes já teve aumento de IPI no ano passado e agora vários estados aumentaram o ICMS. O que vemos é um afã arrecadatório — diz o presidente da Abir, Alexandre Jobim.

    Além do efeito que já aparece neste início de ano, novas pressões de alta de impostos vão bater na inflação mais à frente. Em São Paulo, a alíquota maior de ICMS sobre a cerveja e demais bebidas alcoólicas começou a valer nesta semana. Subiu de 18% para 20%. No caso do cigarro, o aumento foi de 25% para 30%. No país, a partir de maio, muda a forma de cobrança do IPI para itens como fumo picado (usado em cigarros), sorvete e chocolate, e a taxação vai aumentar.

    — Podemos ter outras pressões por aí. Os impostos pressionam em custos e se refletem nos preços para o consumidor — explica Eulina.