Poe 10 a 0, Cunha vira réu por corrupção passiva e lavagem

André de Souza, Renan Xavier e Carolina Brígido 

04/03/2016

Por unanimidade ( dez votos a zero), o Supremo Tribunal Federal ( STF) decidiu ontem abrir ação penal contra o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), suspeito de ter cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. Segundo as investigações, o parlamentar recebeu de lobistas propina de pelo menos US$ 5 milhões. Em troca, ele teria viabilizado o contrato de navios- sonda pela Petrobras. Cunha é o primeiro réu da Lava- Jato com direito a foro especial. O próximo passo do STF será analisar o pedido de afastamento de Cunha do cargo e do mandato, conforme quer o procurador- geral da República, Rodrigo Janot.

— Foi ótimo. A primeira denúncia da Lava- Jato recebida — comemorou Janot.

O relator da Lava- Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, diz que o processo sobre o afastamento de Cunha do cargo ainda está sendo preparado, e não há data definida para que seja submetido ao plenário do tribunal. Teori lembrou que não há relação entre a abertura da ação penal contra o presidente da Câmara e o pedido de afastamento.

— São dois processos independentes — explicou.

No Congresso, assim como ocorrera na véspera, deputados exigiram que Cunha deixe a presidência da Câmara, o que o peemedebista voltou a dizer que não vai fazer.

Ontem, também foi aberta ação penal contra a ex- deputada Solange Almeida ( PMDBRJ), atual prefeita de Rio Bonito, por corrupção passiva. De acordo com a denúncia, a pedido de Cunha ela apresentou requerimentos de informação à Câmara sobre os contratos de aquisição dos navios- sonda. A medida serviu para pressionar o lobista Julio Camargo para retomar o pagamento de propinas ao parlamentar.

O voto mais veemente foi o do ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante do STF. Ele afirmou que a corrupção invadiu, por meio de seus agentes, os mais diversos âmbitos dos espaços governamentais do país, incluindo partidos e empresas estatais, transformando- se “em método de ação governamental e caracterizandose como conduta administrativa endêmica e em claro e preocupante sinal de degradação da própria dignidade da atividade política reduzida por agentes criminosos ao plano subalterno da delinquência institucional”.

O ministro defendeu a cassação de parlamentares com desvio de conduta:

— Qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar, como a aceitação criminosa de suborno, culmina por atingir, injustamente, a própria respeitabilidade institucional do Poder Legislativo.

Citando a denúncia elaborada por Janot, Celso de Mello declarou- se impressionado com amplitude do poder de influência que o presidente da Câmara tem entre deputados e empresários, e a sua capacidade de transformar o Congresso Nacional em um “balcão de negócios”.

Para o decano, a Lava- Jato revelou “uma vasta organização criminosa, de projeção tentacular e dimensão nacional, estruturalmente ordenada em níveis hierárquicos próprios, que observa métodos homogêneos de atuação, integrada por múltiplos atores e protagonistas e que, operando por intermédio de vários núcleos especializados, com clara divisão de tarefas”.

Gilmar Mendes criticou o que chamou de “modo de governança” adotado pelos recentes governos brasileiros. Gilmar fez uma comparação entre o mensalão e a Lava- Jato, concluindo que o escândalo de corrupção atual é muito mais grave do que o anterior.

— Como diz o poeta e escritor que eu aprendi a admirar, Mia Couto, talvez traduzindo uma outra pensata: ‘ O pior do passado ainda está por vir’. Parece que os fatos de hoje revelam que os fatos de ontem não eram tão graves — comentou.

Gilmar e o ministro Dias Toffoli foram os únicos ministros que defenderam o arquivamento das investigações relativas a Solange Almeida. Eles ressaltaram o fato de que a PGR não apresentou indício de que ela tenha solicitado, recebido ou aceito vantagens ilícitas em troca da apresentação dos requerimentos de interesse de Cunha.

Segundo esses ministros, é normal na atividade parlamentar apresentar requerimentos ou projetos em nome de um colega, e não há provas de que ela sabia que os requerimentos eram parte de uma estratégia de Cunha para receber a propina. O plenário do STF estava mais vazio ontem em comparação ao primeiro dia de julgamento. Entre os poucos presentes estavam deputados Chico Alencar ( PSOL- RJ) e Alessandro Molon ( Rede- RJ), ambos adversários de Cunha. Eles comemoraram a decisão.

— O recebimento da denúncia por unanimidade mostra a robustez das provas e a gravidade das acusações. Espero que tenha ( reflexos no afastamento) tanto aqui no Supremo quanto na Câmara. A Câmara precisa imediatamente fazer com que o presidente se afaste de suas funções, para que avance o processo contra ele no Conselho de Ética sem qualquer tipo de interferência indevida, como vem ocorrendo — disse Molon.

“Qualquer ofensa ao decoro parlamentar, como a aceitação criminosa de suborno, culmina por atingir, injustamente, a respeitabilidade institucional do Poder Legislativo”

 

O globo, n. 30180, 04/03/2016. Rio, p. 11