O Estado de São Paulo, n. 44.691, 26/02/2016. Política, p. A4

Em nova etapa da Operação Zelotes, Polícia Federal mira em Grupo Gerdau

Investigação. Conglomerado siderúrgico é alvo de ação por suspeita de pagar propina para reduzir dívidas de R$ 1,5 bilhão com a Receita; o presidente da empresa, André Gerdau, foi levado para prestar depoimento na Superintendência da PF na capital paulista

Por: Fábio Fabrini / Andreza Matais / Fausto Macedo

 

Em mais uma etapa da Operação Zelotes, a Polícia Federal fez ontem buscas em endereços do Grupo Gerdau e conduziu quatro de seus executivos, entre eles o diretor-presidente, André Gerdau, para prestarem depoimentos. O grupo é suspeito de pagar propina para reduzir débitos que somariam R$ 1,5 bilhão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado ao Ministério da Fazenda. O órgão é uma espécie de “tribunal” administrativo que julga recursos de contribuintes autuados pela Receita Federal.

André Gerdau foi ouvido na Superintendência da PF em São Paulo e negou irregularidades. O diretor-presidente é filho de Jorge Gerdau, atualmente presidente do Conselho Consultivo do grupo siderúrgico - um dos maiores do mundo - e um dos empresários mais próximos do governo petista. Ele integra o chamado Conselhão, colegiado que funcionou na gestão Lula e foi ressuscitado pela presidente Dilma Rousseff no atual mandato, com o objetivo de propor saídas para a crise.

A PF cumpriu ontem 20 mandados de condução coercitiva (quando o investigado é levado para prestar depoimento e, depois, liberado). Além disso, houve busca e apreensão de documentos e mídias em 17 endereços de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Distrito Federal.

Conforme investigadores da Zelotes, foram colhidos indícios de que pagamentos ilícitos continuaram ocorrendo mesmo após a primeira fase da operação, deflagrada em março do ano passado, o que motivou as ações. A Gerdau teria autorizado a subcontratação de empresas de consultoria e bancas de advogados com o objetivo de “dissimular” pagamentos ilegais a representantes do Carf.

Foram identificados repasses de R$ 687 mil a pessoas ligadas a José Ricardo da Silva, advogado que era conselheiro do “tribunal da Receita” e não podia, portanto, atuar em processos que envolvessem seus clientes privados. Ele está preso desde outubro, acusado de atuar na “compra” de medidas provisórias nos governos Lula e Dilma, caso também apurado em outra frente de investigação da Zelotes.

A triangulação para esconder a “contratação” de José Ricardo teria envolvido ao menos três empresas, entre elas a Planeja Assessoria Empresarial e a Alfa Atenas Assessoria Empresarial, de São Paulo, cujos responsáveis foram ouvidos ontem. Elas atuariam operando pagamentos e captando clientes para o suposto esquema.

A nova etapa da Zelotes foi autorizada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília. “Existe a possibilidade de que a empresa (Gerdau) tenha efetuado pagamentos com recursos não contabilizados”, escreveu o juiz no despacho.

A PF sustenta que a operação para “dissimular” contrato com José Ricardo teve a participação dos executivos da Gerdau Raul Fernando Schneider e Marcos Antônio Biondo. Também há suspeitas de envolvimento no esquema do advogado e conselheiro do grupo Expedito Luz.

Num parecer enviado ao juiz, o Ministério Público Federal discordou das ações relacionadas a André Gerdau, requisitadas pela PF. Os procuradores argumentaram que a “simples” assinatura dele como “dono” do grupo, presente numa procuração anexada ao inquérito, não era evidência suficiente. O magistrado, no entanto, discordou.

 

Conselheiros. A Zelotes detectou mais evidências da participação de conselheiros do Carf no suposto esquema, entre eles Valmir Sandri e Valmar Fonseca de Menezes. Ambos já haviam sido exonerados de seus cargos, após seus nomes terem sido citados em etapas anteriores da operação.

José Ricardo da Silva e o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, também preso por suposta “compra de MPs, foram levados à Superintendência da PF em Brasília para depor, mas ficaram em silêncio. As defesas de ambos informaram que só vão se pronunciar depois de acessarem os documentos da investigação.

 

FRENTES DE APURAÇÃO

‘Tribunal’ da Receita

Esquema

A Zelotes foi deflagrada em março de 2015 para apurar suspeitas da existência de um esquema de compra de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), última instância administrativa para o julgamento de autuações da Receita a empresas e pessoas físicas. O objetivo seria influenciar o órgão, formado por representantes do Ministério da Fazenda e dos contribuintes, a reverter multas fiscais.

 

CPI

A CPI no Senado que investigou esquema no Carf aprovou, em dezembro do ano passado, relatório final e em que cita irregularidades no julgamento de mais de 70 processos pelo órgão, envolvendo 73 empresas e pessoas físicas, como bancos, montadoras e siderúrgicas. A Gerdau, alvo da mais recente fase da Operação Zelotes, foi citada no relatório, que pediu o indiciamento de 28 pessoas, entre elas o lobista Mauro Marcondes Machado.

 

Gerdau

Ontem, durante mais uma fase da Zelotes que mira no esquema no Carf, o empresário André Gerdau, presidente da empresa, foi alvo de mandado de condução coercitiva. A Gerdau, que possui operações industriais em 14 países, teria tentado anular débitos que chegam a R$ 1,5 bilhão, segundo a PF, por meio de contratos com escritórios de advocacia e de consultoria, os quais agiram de maneira ilícita manipulando o andamento do processo.

 

Medidas provisórias

Esquema

No curso das investigações, a força-tarefa do Ministério Público Federal, da Receita Federal e da Polícia Federal afirma ter descoberto que lobistas com atuação no Carf também operaram suposto esquema de “compra” de medidas provisórias editadas nos governos Lula e Dilma Rousseff. O objetivo seria beneficiar o setor automotivo. As apurações levaram à prisão de alguns investigados em outubro do ano passado.

 

Denúncia

Em novembro do ano passado, o Ministério Público Federal denunciou 16 investigados por envolvimento com a negociação ilícita para aprovação de medidas provisórias que beneficiariam contribuintes específicos. Na ação penal, a força-tarefa que investiga o caso aponta a prática de crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa e extorsão. Todos os denunciados negam envolvimento em irregularidades.

 

Consultoria e caças

Operação apura pagamentos à LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Claudio Lula da Silva, filho mais novo do ex-presidente Lula, pela Marcondes e Mautoni, uma das consultorias acusadas de envolvimento na compra de decisões no Carf, de medidas provisórias e também em lobby para que o governo comprasse os caças suecos Gripen. Ele recebeu R$ 2,5 milhões da empresa. Luís Claudio diz que fez consultoria de marketing esportivo.

Órgãos relacionados:

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Conglomerado tem atuação internacional

Por: Mônica Scaramuzzo

 

Um dos maiores conglomerados brasileiros, o grupo Gerdau, com faturamento de R$ 42 bilhões (dados de 2014), começou sua trajetória como uma fabricante de pregos em Porto Alegre, em 1901, e hoje está entre as 20 maiores siderúrgicas do mundo.

A expansão do grupo gaúcho - que tem o empresário Jorge Gerdau, ex-presidente do Conselho de Administração da siderúrgica, como um dos principais porta-vozes da indústria com o governo - começou no fim dos anos 1940, quando a família comprou a Siderúrgica Riograndense.  Sob a gestão de Jorge Gerdau, a partir dos anos 1980, o grupo intensificou seu processo de internacionalização e hoje metade de sua receita vem do exterior. Seu filho André Gerdau Johannpeter preside a companhia desde o início de 2007.

Jorge Gerdau faz parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão, que teve início no primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Gerdau é um dos empresários de confiança da presidente Dilma Rousseff, mas a relação do empresário com o governo do PT andou estremecida. O nome de Gerdau chegou a ser cogitado para ocupar a Fazenda, à época que a pasta estava sob gestão de Guido Mantega.  Gerou mal-estar no governo o fato de o empresário ter sugerido a contratação da consultoria de Vicente Falconi, sem licitação, para assessorá-lo no Conselhão. O INDG (Instituto de Desenvolvimento Gerencial), consultoria criada por Falconi em 2003 (atual Falconi Consultores e Associados), também foi responsável por formular o “choque de gestão” de Aécio Neves (PSDB), no governo de Minas Gerais. / MÔNICA SCARAMUZZO

Senadores relacionados:

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Empresa nega relação com ‘negociações ilegais’

Por: Fábio Fabrini / Andreza Matais / Fausto Macedo

 

Em nota divulgada ontem, o Grupo Gerdau informou que sempre fez uso de escritórios externos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), visando “o mais adequado assessoramento”, de “estrita natureza técnica”.

“Os contratos com esses escritórios externos, como outros que a Gerdau possui com prestadores de serviço, foram firmados com cláusula que determina absoluto respeito à legalidade, cujo descumprimento acarreta na imediata rescisão”, disse o Grupo Gerdau no comunicado.

O grupo afirmou também que “nenhuma importância foi paga ou repassada aos escritórios externos do caso específico” e que os contratos foram rescindidos quando o nome dos prestadores de serviço foram vinculados a ilegalidades no Carf.

“A empresa jamais concedeu qualquer autorização para que seu nome fosse utilizado em pretensas negociações ilegais, repelindo veementemente qualquer atitude que tenha ocorrido com esse fim”, acrescentou.

O Estado não localizou ontem os ex-conselheiros do Carf Valmar Fonseca e Valmir Sandri, assim como os representantes das empresas Planeja Assessoria Empresarial e a Alfa Atenas Assessoria Empresarial. /F.F., A.M. e F.M.

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Ações da siderúrgica sofrem forte queda

 

As ações da Gerdau fecharam com forte queda ontem na Bolsa, depois que o presidente do grupo, André Gerdau Johanpetter, foi alvo de um mandado para prestar depoimento à Polícia Federal, no âmbito da Operação Zelotes. As ações preferenciais (PN) da Gerdau fecharam com queda de 4,77%, a R$ 3,59. Os papéis PN da Metalúrgica Gerdau (holding que controla a Gerdau SA) caíram 10,85%, a R$ 1,15. A menção da empresa nas investigações teve efeito imediato na percepção do investidor.