Título: Em disputa por mais imposto
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Fonte: Correio Braziliense, 08/10/2011, Cidades, p. 31

Decreto do governo local que autoriza auditorias em cargas vindas de Goiás gera mal-estar entre as duas unidades da Federação. Na tentativa de pagar menos encargos, empresas estocam produtos no estado vizinho e prejudicam o Distrito Federal Mariana Branco

Arivalidade entre os governos do Distrito Federal e de Goiás envolvendo a questão tributária ganhou um novo capítulo. O estado vizinho rebelou-se contra um decreto do Executivo local, que determina a realização de auditoria em cargas de produtos no caso de suspeita de irregularidades, dentre elas a concessão de incentivos fiscais sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Graças à medida, pelo menos R$ 3,418 milhões em mercadorias vindas de terras goianas foram apreendidas pelo fisco candango em uma operação em 28 de setembro. Segundo a Secretaria de Fazenda do DF, com a entrada dos artigos, R$ 410,1 mil relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deixariam de ser recolhidos. A Fazenda de Goiás, no entanto, acusa Brasília de ter atiçado a guerra fiscal com a atitude.

A Secretaria de Fazenda local alega que o Distrito Federal agiu para impedir que seus cofres fossem lesados. De acordo com o órgão, as empresas que tiveram produtos barrados na operação são de outras unidades da Federação e estavam estocando mercadorias em Goiás antes de enviá-las ao DF como forma de pagar menos imposto. Se os produtos viessem diretamente para a capital, elas pagariam 7% de ICMS para o estado de origem e 10% para o fisco local. Mas passando por Goiás e deixando uma parte do recolhimento por lá, essas firmas ficam desobrigadas de quitar o tributo cheio quando chegam aqui e desembolsam apenas 5%. A vantagem para empresários está no fato de que os goianos podem conceder desconto sobre o ICMS, enquanto a GDF está impedido.

O Distrito Federal foi uma das unidades da Federação atingidas por uma onda de decisões desfavoráveis a incentivos fiscais por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) no início de junho deste ano. A Corte derrubou legislações que concediam benefícios relativos ao ICMS sem o aval do Confaz. A intenção foi colocar um fim à guerra fiscal, que acontece quando os estados usam abatimentos tributários para prejudicar uns aos outros.

Pressão Caso a orientação do Supremo seja mantida, outras leis semelhantes devem ser anuladas em julgamentos futuros. Assim, seria apenas uma questão de tempo até Goiás também ter seus estímulos fiscais invalidados. O próprio Governo do DF moveu uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o estado.

Para o especialista em direito tributário Othon de Azevedo, professor da Universidade de Brasília (UnB), é bastante provável que Goiás seja impedido de continuar concedendo os benefícios. "Com certeza, o STF julgará as próximas ações da mesma forma que as anteriores", prevê. "A própria atitude do DF parece uma estratégia para forçar decisão semelhante", acrescenta.

A despeito de o DF afirmar que foi prejudicado, a Secretaria de Fazenda de Goiás insiste que o governo local reconsidere a legislação publicada no Diário Oficial do Distrito Federal em 1° de setembro deste ano. O secretário da Fazenda do estado vizinho, Simão Cirineu Dias, enviou nota à imprensa em que classificou o Decreto n° 33.168 como uma "medida ofensiva". "Todos os pedidos feitos até agora pelo DF nós estamos apoiando", queixou-se.

A Secretaria de Fazenda local também redigiu nota sobre o assunto. Nela, destaca que o decreto que possibilitou a operação "é genérico, não direcionado especificamente a qualquer das unidades da Federação". O texto diz ainda que "o Distrito Federal vem trabalhando em harmonia com Goiás (...) para que os programas de incentivos existentes não provoquem perdas a nenhum estado".

Recado Ao invalidar isenções tributárias de seis estados, em junho de 2011, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, sinalizou que mais decisões semelhantes podem ser esperadas. Ele afirmou que as determinações eram um recado para que os estados não aprovem mais normas de "benefícios fiscais ao arrepio da Constituição". Ao julgarem um pacote de 14 processos que tratavam de prazos especiais ou reduções sobre o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os ministros entenderam, or unanimidade, que as leis são inconstitucionais.