O Estado de São Paulo, n. 44.691, 26/02/2016. Política, p. A8

Festa explicita divisão entre Dilma e PT

Presidente não confirma presença nas comemorações dos 36 anos do partido no momento em que sigla prepara discurso combativo contra governo

Por: Vera Rosa / Ricardo Galhardo / Luciana Nunes Leal

 

Em conflito com o Palácio do Planalto, a cúpula petista vai lançar um Programa Nacional de Emergência para pressionar a presidente Dilma Rousseff a mudar a política econômica do governo neste momento em que o PT comemora seus 36 anos de vida.

A possível ausência da presidente na festa de aniversário do PT e o apoio do governo ao projeto de lei que retira da Petrobras a exclusividade para operar a exploração do pré-sal se tornaram alvo de críticas abertas da direção partidária, que já reclamava das altas taxas de juros, cortes orçamentários e da proposta de reforma da Previdência.

Informada de que a ofensiva do PT contra o governo será ampliada na reunião de hoje do Diretório Nacional petista, no Rio, Dilma disse a ministros que cancelaria sua participação na festa dos 36 anos do partido. A comemoração está marcada para amanhã e o partido fará um desagravo a Lula.

“Eu não faria questão da presença dela (Dilma), mas falo em meu nome, não do partido”, afirmou o prefeito de Maricá e presidente do PT fluminense, Washington Quaquá.

A versão oficial, até ontem, era a de que a presidente não chegaria a tempo de participar do ato político no Rio porque tem uma agenda apertada no Chile, onde vai se encontrar com a presidente Michelle Bachelet. Nos bastidores, porém, integrantes do governo admitiam até a possibilidade de vaias a Dilma caso ela decida comparecer à festa do PT.

 

Pré-sal. A insatisfação do partido com o governo foi agravada com a aprovação, na noite de anteontem, do projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que desobriga a Petrobras de ser operadora única e ter participação mínima de 30% na exploração da camada do pré-sal. Pouco antes da votação, o governo negociou com o relator do projeto, Romero Jucá (PMDB-RR), que a Petrobras tenha pelo menos o direito de preferência em futuras licitações.

“Para nós foi uma surpresa”, disse o novo líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE). “A intenção do governo foi boa, mas houve um desentendimento porque a proposta chegou em cima da hora, num momento radicalizado.” Questionado se esse fato azedou ainda mais a relação entre o Planalto e o PT, Costa abriu um sorriso. “É ruim, mas superável. Um não vai poder viver sem o outro”, desconversou.

Em resposta, a chapa majoritária da sigla, Partido que Muda o Brasil, vai lançar uma campanha nacional contra a medida.

O presidente do PT, Rui Falcão, divulgou uma nota na qual classifica o projeto como “ataque à soberania nacional”.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também afirmou que o governo “rompeu a frágil relação que tinha com o movimento social e sindical”.

“Esse projeto nos coloca em guerra contra o governo. E não adianta mais fazer reunião”, disse Raimundo Bonfim, integrante da Frente Brasil Popular, responsável pelas manifestações em defesa do mandato da presidente Dilma Rousseff.

 

Mira. Lula vai aproveitar a data para dar a senha da reação à crise política, incentivando uma estratégia de ataque frontal ao PSDB. “Podem me revirar porque o meu telhado não é de vidro como o deles”, declarou o ex-presidente em conversa com parlamentares e dirigentes do PT, na semana passada.

A prisão do marqueteiro João Santana, que trabalhou nas campanhas de Dilma e Lula, também ressuscitou no PT o fogo “amigo” contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que é filiado ao partido.

Em uma rede social o secretário nacional de Organização do PT, Florisvaldo Souza, disse que “falta nomear um ministro da Justiça” para acompanhar melhor a investigação.

 

Prazo

O prazo definido por Lula para mudanças na economia é junho. Se Dilma demorar a agir, diz, os índices sociais vão retroceder

 

“Eu não faria questão da presença dela (Dilma, em festa do partido), mas falo em meu nome”

Washington Quaquá, presidente do PT fluminense

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Presidente e partido em momento crucial

Por: Lincoln Secco

 

O PT chega aos 36 anos num momento crucial de sua relação com Dilma. Ele não pode mais defendê-la e, no entanto, precisa. Afinal, é o “seu” governo. Ao eterno ajuste fiscal agregam-se agora duas pautas que tocam fundo o coração militante de sua base social: a reforma da Previdência e a Lei Antiterrorismo.

A primeira tem como única justificativa acenar que o giro liberal do governo é para valer e, assim, buscar ao menos um consenso com a oposição. A reforma não melhora de imediato as contas do governo, mas ataca a base sindical petista. A Lei Antiterrorismo descontenta lideranças sociais que foram responsáveis por um tournant na disputa pelas ruas no fim do ano passado.

Quando tudo apontava para um irrefreável movimento de massas pelo impeachment, os movimentos sociais conseguiram equilibrar o jogo.

Dilma parece não entender que qualquer governo sem apoio de elites estabelecidas que entra em crise só se justifica se puder contar com mobilização social.

Seus adversários sabem disso e já duvidam que o governo seja necessário. Sua dúvida é se o aguenta até 2018emnome da estabilidade institucional.

Já o PT não pode defender uma política econômica que desmobiliza sua base social. E muito menos aceitar passivamente a queda do governo. Assim, simula uma dança de aproximação e distanciamento.

A não ser que um milagre mude a economia, ao PT só resta torcer para que 2018 chegue logo. Porque nas suas bases já há uma esperança quase audível: Volta Lula!

 

PROFESSOR DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DA USP E AUTOR DE HISTÓRIA DO PT (ATELIÊ EDITORIAL)

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Legenda defende uso de reservas internacionais em novo plano

Com aval de Lula, sigla lança documento com propostas fiscais como alternativa para sair da crise econômica

Por: Vera Rosa / Ricardo Galhardo

 

Descontente com a política econômica do governo Dilma Rousseff, o PT vai apresentar hoje um plano econômico paralelo, com o objetivo de marcar posição e apontar saídas para a crise.  Batizado de Programa Nacional de Emergência, o plano propõe o uso de parte das reservas internacionais destinado à criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento e Emprego, além de forte redução da taxa básica de juros e a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Dilma já disse que é contra a utilização de reservas para o enfrentamento da crise.

Escrito pelo presidente do PT, Rui Falcão, com aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o documento intitulado “O futuro está na retomada das mudanças” passará pelo crivo do Diretório Nacional do PT e ainda pode sofrer alterações. De qualquer forma, ali está a digital do afastamento entre o PT e a presidente da República.

“Vivemos, de fato, uma encruzilhada entre o passado e o futuro”, diz o texto, obtido pelo Estado. O documento lembra como o governo Lula saiu da crise em 2008-2009 e destaca a necessidade de “dobrar a aposta” na solução adotada naquele período.

O principal objetivo do Programa Nacional de Emergência sugerido pelo PT é pressionar o Planalto a adotar uma política econômica que agrade à base do partido, crítica ao governo, neste momento em que o desemprego está perto de atingir dois dígitos. O partido também não quer ficar a reboque do PMDB, que propôs um programa intitulado “Uma Ponte para o Futuro”, ironicamente chamado por petistas de “Uma Pinguela para o Amanhã”.

 

Ajuste fiscal. Com aval de Lula, o plano petista fala em “políticas equivocadas” do governo e aponta falhas na seara econômica. Foi concebido na semana passada durante reunião do Conselho Político do PT, que contou com a participação do ex-presidente.

Na versão preliminar, o PT propõe 16 pontos para retomar o crescimento. Além do uso de reservas internacionais, da recriação da CPMF e da queda da taxa Selic, o partido sugere reajuste de 20% nos valores do Bolsa Família, tributação de juros sobre capital próprio e cobrança de impostos sobre lucros e dividendos, eliminando a isenção do Imposto de Renda sobre pessoas físicas e jurídicas.

Na lista de medidas também constam a adoção do imposto sobre grandes fortunas, com alíquota variável de 0,5% a 1%, e a defesa do regime progressivo para o Imposto Territorial Rural sobre propriedades produtivas. Oito das 16 propostas dizem respeito à criação de novos tributos ou fim de desonerações.

O documento assinala que muitas medidas sugeridas dependem de aprovação parlamentar, da “reunificação do campo progressista” do governo, de “intensa batalha político-ideológica” e do “comprometimento” do governo Dilma, indicando o conflito entre o PT e o Palácio do Planalto.

Dirigentes e parlamentares do PT afirmam, nos bastidores, que o governo conseguiria reaquecer logo a economia se lançasse mão de um terço dos US$ 370 bilhões de reservas internacionais. O argumento é que, se isso fosse feito, Dilma poderia combater a crise com um vigoroso pacote de infraestrutura e investimentos.

A mudança, no entanto, deve ser urgente. “Tal propósito não pode ser adiado até que se resolva a situação fiscal. Ao contrário: as contas estatais somente poderão ser saneadas a partir da radicalização dos mecanismos redistributivos”, sustenta o Programa de Emergência do PT. V.R. e R.G.

 

Estimativa

US$ 123,3 bi é o valor estimado que a cúpula do PT calcula para que o governo consiga reaquecer a economia, tendo como fonte as reservas internacionais, que hoje chegam a US$ 370 bilhões. O montante está detalhado no novo Programa Nacional de Emergência.